ACTAS  
 
9/6/2008
Jantar-Conferência com o Dr. José Pacheco Pereira
 
Teresa Luísa Silva

É urgente o amor,

É urgente um barco no mar,

É urgente destruir certas palavras,

Ódio, solidão e crueldade,

Alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

Multiplicar os beijos, as searas.

É urgente descobrir rosas e rios

E manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros

E a luz impura até doer.

É urgente o amor,

É urgente permanecer.

(APLAUSOS)

 
Paulo Pinheiro

Há sete colinas varinas nas cores das quinas.

Sete saias aias nas palavras dos Maias.

Sete cidades verdades no sabor das saudades.

Sete vidas contidas nas tuas partidas.

Sete chaves nos sonhos mais graves e sete mares.

Em todos os que amares de quando em vez

Em tudo o que tocares será português.

(APLAUSOS)

 
Leandro Esteves
- Muito boa noite Dr. Pacheco Pereira, digníssima mesa. É com grande prazer que me coube no sorteio a honra do boneco laranja e do grupo laranja, fazer o brinde ao Dr. Pacheco Pereira.

Não sei se é ironia do destino, mas tinha que ser esta cor, que é a grande cor e é a cor do nosso partido, que tinha hoje que o presentear com um brinde.

Apesar de todas as controvérsias que existem à volta de todas as figuras do nosso partido, que eu acho que é bom, porque eu acho que os intelectuais merecem isso, e o Dr. Pacheco Pereira é um intelectual e merece isso. É um homem de causa, de fortes convicções, ideais, e que ainda continua a ter, e vai ter de certeza, um papel indelével, na marca da democracia portuguesa e do nosso partido.

Contudo, e sem desprimor para a sua figura, eu não queria passar, deixar este momento sem cumprimentar um homem que dedicou quinze anos à JSD, que marcou esta semana pela sua distinção, pela sua voz, pelo seu carácter, pela sua firmeza, que se tentou afirmar, ele não precisa de se afirmar, porque ele é um grande homem já, e por isso, em conjunto também, vamos fazer um brinde aqui ao nosso amigo Barroso, que é um ícone da JSD.

(BRINDE E APLAUSOS)

 
Dr.Pedro Rodrigues
:- Depois deste momento, que é o momento que caracteriza a nossa grande família, a família da JSD, quero apresentar o Dr. Pacheco Pereira, o que não é uma tarefa fácil, ou é, porque o Dr. Pacheco Pereira não precisa de apresentações.

Queria, em nome da JSD , em nome da Universidade de Verão, em nome do PSD , agradecer ao Dr. Pacheco Pereira a sua presença, com a certeza de que temos entre nós hoje, um dos mais distintos militantes do PSD. Foi deputado durante muitos anos na Assembleia da República, foi Eurodeputado, é um dos mais distintos militantes e dirigentes do partido, e é um dos mais importantes comentadores políticos e intelectuais da sociedade portuguesa.

É um intelectual e é um pensador livre, é alguém que pensa e que diz aquilo que pensa, que é um homem com frontalidade, que não diz aquilo que os outros querem ouvir, mas diz aquilo que entende que em cada momento deve ser dito.

E eu tenho que saudar também o Dr. Pacheco Pereira por estar aqui connosco, estar com a JSD, estar com o PSD mas estar também com os militantes da JSD, e agradecer pela sua frontalidade, porque é alguém que tem muitas reservas e dúvidas em relação às juventudes partidárias, e pode hoje estar aqui connosco e comprovar que há muito boa gente nas juventudes partidárias, que há gente com muito valor, que há gente que acredita no que faz, que acredita no seu partido, que acredita no seu país, e que luta diariamente pelas suas causas e pelos seus princípios.

Tivemos oportunidade de discutir um conjunto de temas esta semana, mas houve uma reflexão que cada um dos dez grupos fizeram, e que cada um dos participantes da Universidade de Verão fez também, individualmente e em conjunto, que eu considero que é um dos maiores desafios das juventudes partidárias e da nossa geração, que é a refundação dos partidos políticos, e é a criação de novos espaços de intervenção, dos jovens na intervenção política.

Discutiram e apresentaram propostas para potenciar a participação cívica e política, e a participação partidária.

Porque é que os jovens e porque é que os cidadãos se afastam dos partidos políticos?

E a pergunta que eu faço ao Dr. Pacheco Pereira, é que numa fase de tão grande cepticismo e de tão falta de credibilidade dos políticos e dos partidos, quais são hoje os grandes desafios que se colocam aos partidos políticos?

Connosco hoje, temos o grande prazer de ter o Dr. Pacheco Pereira.

 
Dr.José Pacheco Pereira
 Muito obrigada. Eu queria evidentemente, em primeiro lugar, agradecer o vosso convite, quer o convite da Universidade, quer o convite da JSD, porque eu também sei muito bem que outra coisa são as críticas ao modelo e à instituição, e outra coisa são as pessoas, e eu sei que as pessoas que aqui estão trabalharam arduamente durante a semana, e estão a fazer exactamente aquilo que eu penso que é importante num partido político, que é a qualificarem-se como políticos, e a qualificarem-se como portugueses, para poderem dar uma imagem do nosso partido, que infelizmente nem sempre tem sido aquela que nós temos dado.

O Carlos Coelho costuma-me mandar uma série de perguntas, a que normalmente eu nunca respondo, eu devo ser um, que é “qual é a comida que gosta mais?”, “qual é o hobby?”, aquelas coisas.

Eu confesso que não sou um fã dessas perguntas, mas há uma delas que eu queria responder, e que serve de introdução ao que eu vos vou dizer a seguir, e também ao que já vos disse antes, e ao que ouviram até agora.

Há um grande livro, escrito por um prémio Nobel, é livro. Esse livro chama-se “A Montanha Mágica”, e foi escrito por Thomas Mann. Tommas Mann é um dos grandes escritores do século XX, e é um dos homens que melhor traduz o que há de mais forte na tradição humanista ocidental. É o autor de um vasto conjunto de livros, talvez aquele que conheçam melhor, porque enfim, deu origem a um filme famoso, “A Morte em Veneza”, mas é autor de um vasto conjunto de livros, que são fundamentais para nós percebermos o nosso tempo, não apenas o século XX, mas o nosso tempo.

A Montanha Mágica é um livro que tem para aí 400 páginas, e, portanto, as pessoas olham para aquilo e dizem, mas é uma história de um jovem como vocês, é a história de um rapaz alemão, chamado Hans Castorp, que deveria ter à volta de dezanove anos, e que vai visitar um primo que está vagamente tuberculoso. É preciso ver que a tuberculose na altura era uma doença importante, vagamente tuberculoso, num sanatório que também não é verdadeiramente um sítio onde estão doentes, mas é um sítio de onde se passava muito do social, uma parte importante do jetset do século ia para sanatórios em determinada altura, era um sítio de onde era moda ir, e, portanto, havia doentes e outros menos doentes.

O Hans Castorp, um pouco antes da data de 1914, vai visitar o primo, e chega ao sanatório que existe em Davos na Suiça , e fica lá. E o livro é o retrato da aprendizagem de um jovem, através de um conjunto de discussões com os doentes, com os menos doentes, com os nobres russos que vão lá passar uns tempos, e nessas discussões, as personagens levantam todas as ideias fundamentais do nosso tempo, que são tão fundamentais na época como são hoje.

O livro é um dos grandes livros que pode estar em todas as listas dos dez melhores livros, dez melhores romances jamais escritos. E tem um final trágico, que também é um pouco o retrato daquela geração. Um final trágico que Thomas Mann nunca diz com clareza, depois de os tempos que ele está no sanatório, em que ele conversa sobre a doença, sobre a morte, sobre o socialismo, sobre o individualismo, sobre a sociedade burguesa, em que cada uma das personagens discute as suas ideias, fazendo um microcosmos de todas as ideologias e de todas as experiências, a última página do livro diz-nos mais ou menos o seguinte:

“Quando voltou para baixo, Hans Castorp, foi certamente perdido no cataclismo que atingiu milhões de jovens da sua geração”, ou seja, a Primeira Guerra Mundial, portanto, se querem ler um livro que realmente é uma síntese de tudo o que é importante saber, porque a política de hoje tem tudo a ver com o que lá está discutido.

Por exemplo: o que é mais importante, o colectivo ou o individual?

O que é mais importante, é a fé ou a racionalidade? O que é mais importante, é o esforço individual ou o esforço colectivo?

Aqueles homens que estão no sanatório discutem isto, a partir das suas ideias, das suas experiências. Há um italiano, Settembrini, que é um republicano histórico, maçónico, há outra personagem que é uma espécie de comunista cristão, e o choque destas personagens transforma a Montanha Mágica num dos grandes livros da história.

Por si há a coincidência Thomas Mann foi, e fazia parte de uma família que era um cônsul de Portugal, na sua cidade natal, Lubeck, uma cidade hansiática no norte da Europa, muito parecida com o Porto, e, portanto, eu acho que as pessoas do Porto e do norte ainda mais razões têm para se reconhecerem no mundo de Thomas Mann.

Thomas Mann, se tivesse que falar com a JSD, coisa que provavelmente nunca lhe passaria pela cabeça, mas já é diferente falar com os jovens, e se tivesse apenas o tempo que eu tenho, meia hora, teria que escolher meia dúzia de temas sobre os quais eu acho que é importante nós reflectirmos.

Eu, por razões de eficácia, vou reduzir isto a cinco questões, e em cada uma das questões, vou enunciá-las a partir de um exemplo, ou seja, fica muita coisa por dizer.

Quais são cinco coisas que eu penso que um jovem com interesse pela política, e no partido social-democrata, deve obrigatoriamente discutir nos dias de hoje?

Em primeiro lugar, o próprio partido. Exactamente para responder à questão que coloca, nós temos que perguntar a nós próprios, se o modelo de partido que temos nos dias de hoje, se a tradição de organização dentro do partido, se as tradições de militância, se a relação do partido com a sociedade corresponde às necessidades do tempo de hoje.

É preciso ver que os partidos são criados em determinados tempos históricos. O nosso partido foi criado a partir do modelo de um partido destinado a ganhar eleições, no contexto de se a estrutura partidária sobrepor à estrutura administrativa.

Já isto mostra, por um lado, que é um partido que desde o início foi pensado em termos de uma dimensão de poder, mas ao mesmo tempo mostra que a dimensão cívica é menor do que a dimensão propriamente da conquista do poder e do exercício do poder.

Quando um partido se organiza a partir das circunscrições eleitorais e da divisão administrativa, ele está implicitamente a dizer, o meu trabalho é essencialmente organizar-me, difundir as minhas ideias, ganhar votos, ganhar influência e ganhar as eleições, ou seja, um determinado tipo de conceito de poder, que eu acho que não é inteiramente compatível com a sociedade em que nós vivemos hoje.

Por várias razões, eu acho que hoje um partido para ter influência, tem que ser, em primeiro lugar, um instrumento de educação cívica na sociedade, no sentido moderno da palavra cívico, ou seja, nós temos que reconstruir um PSD com uma dimensão cívica, mais importante do que a dimensão estrita da conquista do poder.

Isso significa uma relação com os media completamente diferente, uma relação quanto à estrutura das carreiras no interior do partido completamente diferente.

Significa isso abandonar a perspectiva do exercício do poder? Não. Significa subordiná-la a mecanismos de influência na sociedade, que hoje são muito diferentes daqueles do tempo em que este partido foi fundado.

O modelo, reparem que os partidos não são fundados todos da mesma maneira.

Os partidos têm relação com a ideologia original. O partido comunista tem uma estrita relação entre as ideias do centralismo democrático e a sua estrutura organizativa.

Entre o PSD e o PS há diferenças fundamentais na maneira de entender a realidade política, por exemplo, os programas do PSD e do PS têm consequências importantes no plano prático para cada militante.

O PS, por exemplo, privilegia em cada militante, a cidadania, em cada português a cidadania, aquilo que se podem considerar, os direitos, as liberdades e as garantias.

O PSD não se fica apenas pela cidadania, ele introduz uma outra dimensão, que é uma dimensão meta política.

Se forem ler o programa do PSD, ele diz-nos, nenhum homem se basta inteiramente pela actividade política. Há uma dimensão meta política, que está presente no nosso programa, e tem a ver com a dignidade da pessoa humana, o que significa que, no PSD, nós não consideramos que tudo se reduza à política. Isto é genético no nosso programa, está no programa que escreveu Sá Carneiro, está em todos os programas até hoje.

Que diferença é que isto traz?

Traz que nós temos que estar atentos a mecanismos de serviço do bem público.

Qual é o objectivo de um partido político? É o bem público dos portugueses, é a melhoria das condições de vida dos portugueses, é utilizarmos uma máquina e um instrumento político, para que as pessoas vivam melhor, vivam melhor, e para isso, numa democracia, as pessoas dividem-se quanto às soluções. É por isso que há partidos políticos, e uma parte da crise dos partidos políticos, vem de eles não compreenderem que, de facto, são máquinas de opinião, chamemos-lhe assim, de opinião qualificada, de opinião estruturada, de opinião ideológica, mais do que apenas meras máquinas do poder, e contrariamente ao que se pensa, os mecanismos de influência, são hoje, muito mais importantes que os mecanismos do poder.

Se nós estruturarmos o partido como partido puramente de poder, depois não nos podemos queixar do carreirinho, ele é estrutural num partido, cujo único objectivo é o poder.

E mais, e não nos podemos queixar do isolamento do partido em relação à sociedade, da dificuldade de recrutar os melhores, como é óbvio, porque a mera perspectiva do exercício do poder é empobrecedora em relação àquilo que um partido político deve dizer à sociedade.

Para dar apenas um exemplo concreto, há coisas que o nosso partido devia estar a fazer hoje, e que eu penso que vai fazer, eu penso que tudo indica que vai fazer, e penso até que em algumas intervenções que aqui se fizeram, penso que o Alexandre Relvas, na parte do Instituto Francisco Sá Carneiro, já terá também falado nisso, tem que se organizar para uma relação diferente com a sociedade.

Eu vou-vos dar um exemplo:

A minha ideia de um partido a funcionar em termos modernos, hoje, passava por coisas como esta:

O Sr. Primeiro-ministro anuncia o computador Magalhães de manhã, fez um discurso, mostrou o computador pronto, já vinha na caixinha, explicou, umas semanas antes, as notícias dadas pelo gabinete, já iam explicando que o computador ia permitir não sei quantas centenas de novos empregos, que o computador era o primeiro computador português, ou seja, várias coisas que não são verdade, pronto, ele anuncia.

Como é que eu penso que um partido moderno deve actuar?

Nesse mesmo dia, utilizando a internet, o partido deve começar a coleccionar informação sobre o que é o Magalhães. O Magalhães é uma versão, nem sequer é a mais moderna de  um computador da Intel, chamado Classmate, o Magalhães não tem nada de português, a não ser o nome, e nem sequer pode ter o nome que queria ter, porque o nome que gostaria de ter era Magellan, e é obrigado a ser Magalhães porque Magellan é uma trademark da Lotus, e, portanto, não o pôde usar, é um computador destinado ao terceiro mundo, não necessariamente a um país desenvolvido da Europa, e muitos aspectos do programa de entrega de computadores às crianças do primeiro ciclo, são contestáveis, do ponto de vista pedagógico, e do ponto de vista daquilo que são os conceitos e as necessidades de uma criança com aquela idade.

Eu não estou a dizer que nós disséssemos isso tudo, mal o Sr. Primeiro-ministro acabou de falar, o que eu estou a dizer é que nós devíamos imediatamente começar a abrir um dossier sobre o Magalhães, que tinha o discurso do Primeiro-ministro, e isso faz-se na internet, como sabem, que fosse à Intel ver o que era o computador, e que imediatamente uma luzinha se levantasse, quando a Intel diz, “este computador foi especialmente feito para as comunidades dos povos em desenvolvimento”.

Bom, há que perguntar ao Sr. Primeiro-ministro se Portugal é um país em desenvolvimento, como aquele para quem foi feito o computador Classmate, e se ele é adequado a um país europeu, que apesar de tudo, não está ao nível de África, para que ele foi pensado.

Bom, o que acontece, é que se nós tivéssemos uma estrutura completamente aberta, em que subitamente a informação começasse em tempo próximo do real, ao fim de um dia ou dois, o nosso grupo parlamentar, o nosso partido, os nossos porta-vozes, estão em condições de virar-se para o Sr. Primeiro-ministro “oh, Sr. Primeiro-ministro, o discurso que o Sr. fez sobre o Magalhães é falso neste ponto, é falso neste ponto, é falso neste ponto”, porque o Sr. Primeiro-ministro mente muito nas declarações em que apresenta as coisas, e os Ministros também, e eu digo isto com toda à vontade, porque posso-vos dar dezenas de exemplos.

E isso é que qualifica a acção política, e é a partir disso que nós deveríamos tomar a posição se criticamos ou apoiamos o programa, e talvez se começássemos a fazer essa reflexão, eu estou-vos a dar este exemplo, o mesmo se pode fazer em relação às armas.

Ontem, o Sr. Ministro da Administração Interna anunciou a entrega de nove mil armas.

Alguém se lembrou de lhe perguntar, quantas dessas nove mil armas já vão ser fisicamente entregues?

Talvez descobrisse que é um programa de entrega de armas, que se estende durante muitos anos, e que a maioria dos corpos policiais, vão receber muito poucas armas, e muito menos que as nove mil, que de imediato foram anunciadas.

É assim que se faz oposição, e é assim que se ganha credibilidade junto dos portugueses, é tratando as questões e o escrutínio da actividade governamental, em tempo próximo do real, e qualificando as nossas intervenções com gente que conhece a matéria, que sabe o que se passa, que abre uma discussão.

A minha grande objecção contra o Magalhães, bom, há várias, mas dou-vos um exemplo de uma coisa que, alguém discutiu se há qualquer vantagem pedagógica em as crianças do primeiro ciclo terem um computador individual?

Há pedagogos que contestam o facto de as crianças terem um computador individual do primeiro ciclo, porque consideram que a necessidade do computador é importante no pré-primário, e é importante na pré-adolescência, e que pelo contrário, a existência de um computador individual por cada criança, é um óbice importante para elas aprenderem a ler, a escrever e a contar, para aprenderem a performance fundamental do ensino básico.

E aqui nós entroncávamos imediatamente noutra coisa, que caracteriza este Governo, que é o seu deslumbramento tecnológico, está convencido que dando gadgets às pessoas, moderniza o país.

Eu estou à espera que a gente seja capaz de perguntar também no Parlamento ao Sr. Primeiro-ministro, quantos milhões de Euros já foram deitados ao lixo, com os gadgets que o Sr. Primeiro-ministro oferece.

Dou-vos um exemplo:

O primeiro anúncio destes modernistas do Sr. Primeiro-ministro foi a via CTT. A via CTT era um programa destinado a que todos os portugueses tivessem um e-mail, recebessem as suas facturas, os seus impostos através de um e-mail. Gastaram-se milhões a comprar umas máquinas para colocar nas estações dos CTT.

Este anúncio é de entre 2005 e 2006.

É importante saber quantas pessoas têm e-mail, a trapalhada enorme que os desgraçados que escolheram receber a correspondência por e-mail têm para poder receber o seu e-mail, até por uma razão muito simples, nenhuma das máquinas foram compradas hoje, que está a funcionar, e o programa via CTT é um desastre completo, no qual se gastaram milhões de Euros.

Portanto, isto tem um fundo ideológico, que é o deslumbramento, o Sr. Primeiro-ministro é um deslumbrado pelas tecnologias, é típico, faz parte daquela formação, mas dar gadgets às pessoas não é necessariamente inovar tecnologicamente o país, portanto, aqui está um exemplo concreto, do tipo de actividade que eu penso que um partido político moderno faz, voltado para a sociedade, voltado para o escrutínio da acção governativa, mas ao mesmo tempo, tem que ser feito de forma diferente da tradicional, porque tem a ver com uma actividade de debate, uma actividade de discussão, uma actividade de conhecimento, e uma actividade toda ela interactiva, porque eu acho que tudo isto tem sentido ser colocado em linha, e ser imediatamente acessível a toda a gente.

Segundo aspecto a que eu vos gostaria de chamar a atenção, e que acho que infelizmente é uma tendência grave dos nossos dias, e tem a ver com a corrupção:

Eu gostaria de ver o nosso partido, e vocês em particular, na vanguarda do combate contra a corrupção, por uma razão muito simples, é que nós estamos a entrar numa fase da vida política, em que, por razões estruturais, não é um problema do mal das pessoas, estruturais, e inevitavelmente, problemas de corrupção se vão colocar. E chamo-vos à atenção, para a principal razão, porque é que eu falo aqui hoje de corrupção. Há velha corrupção e há nova corrupção.

O que é que está a acontecer hoje em muitos gabinetes ministeriais?

Está-se a transportar uma parte significativa do negócio, da discussão sobre negócios, para dentro dos gabinetes ministeriais.

Quando nós vemos um ministro dizer “Ah, não tenho dúvida nenhuma que essa auto-estrada vai custar custo zero, porque há imensa gente aí que querem fazer auto-estradas, e, portanto, o Estado não tem que gastar um tostão”.

Eu gostaria de perguntar:

Mas não há concursos para essas auto-estradas? Como é que isso já está negociado? Como é que o Sr. tem a certeza que há pessoas tão interessadas em fazer auto-estradas?

É evidente, que é por uma coisa que está a acontecer cada vez mais, é que em muitos gabinetes ministeriais, se está a dar uma negociação permanente, em que recursos nossos, bens nossos, financiamentos nossos, estão a ser discutidos directamente com os grupos económicos. E isto tem um enorme problema em democracia, que é, não tem escrutínio, não vai à Assembleia da República, só se conhece quando há uma decisão, e esta tendência da governação, que é transformar o Governo numa espécie de Conselho de Administração de uma empresa com os bens dos portugueses, atribuindo-os àqueles que lhes parece, sempre em nome do interesse nacional, como é óbvio, que é, se há palavra mais elástica, é o interesse nacional, o interesse nacional é completamente elástico.

E, por isso, nós temos que estar particularmente atentos a novos nomes de corrupção, que inevitavelmente acompanham este problema estrutural.

Quanto mais coisas se decidirem sobre bens, recursos, financiamentos, negócios, directamente entre um Governo, seja este ou outro qualquer, porque isto é uma tendência dos nossos dias, e os grupos económicos, e os interesses económicos, como é óbvio, como é óbvio, estão a defender o seu, nós estamos perante a retirada do escrutínio na Assembleia da República e do público de uma parte importante do que é hoje a actividade política, e, por isso, e isto nós sabemos, está escrito, qualquer estudioso vos dirá, é o terreno fundamental para o crescimento da corrupção, e eu gostaria, de facto, de ver, dentro desta perspectiva cívica, nós estarmos atentos aos novos mecanismos de corrupção, que passam pela circunstância de, sem escrutínio público, sem escrutínio da Assembleia, cada vez mais negócios estarem a ser discutidos directamente entre os gabinetes e os grupos económicos.

Terceira questão, que eu penso que nós devemos chamar à atenção, nós estamos habituados a tratar os assuntos por áreas, estamos habituados a pensar em termos de Governo , há a saúde, há a segurança social, há cultura, há educação, eu acho que nós devemos mudar a nossa maneira de aproximação às questões. Nós não temos que pensar como se fôssemos sempre um Governo sombra, e nós temos que pegar naquilo que os ingleses e os americanos chamam “issues”, ou seja, grupos de questões ou questões que são formuladas e que são transversais a várias destas áreas, e tratá-las de uma maneira detalhada, talvez aquela que eu penso que é mais importante nós darmos grande atenção é às cidades.

As cidades, um número muito significativo de portugueses vive nas cidades, e o problema das cidades não é um mero problema das autarquias das cidades, não é um problema da autarquia de Lisboa, não é um problema da autarquia do Porto, é um problema que tem a ver com as condições e a maneira de vida de muitos portugueses, e que muitas vezes não se traduz no plano económico.

Eu dou-vos um exemplo:

O problema dos transportes numa cidade, não é um mero problema de eficácia do sistema de transportes.

Quando uma jovem mãe, sai do Barreiro ou do Seixal, às cinco ou seis da manhã, porque tem que ir colocar os seus filhos no infantário, que de um modo geral é perto de casa, tem que apanhar o barco do Barreiro, e dezenas de milhares de pessoas fazem isto, atravessar o rio e depois apanhar um autocarro para ir ao seu local de emprego, pode até ganhar bem, mas vive mal, pode ganhar bem, mas vive mal.

E depois há todo um conjunto de fenómenos que nós temos de perceber que vêm com isto. Por exemplo, não é por acaso que hoje uma criança entra no pré-primário com quatro mil horas de televisão, o que significa que ela foi socializada pela televisão e não pela família.

O que é que acontece? Quando a família tem algum tempo para estar com eles, está com eles a ver televisão, portanto, há todo um conjunto de disfunções sociais, que têm a ver com o modo como se vive nas cidades. E tem a ver com problemas que não podem ser tratados, apenas como problemas de transportes ou como problemas que têm a ver com o tecido urbano, ou com os subúrbios, ou com a realidade das cidades.

Por exemplo, os problemas de segurança nas cidades não são os mesmos para os velhos e para os novos, devem ser estudados, divididos na sua relação etária, e os problemas de segurança para as populações idosas, que são cada vez maiores, significa a retirada dessas populações de qualquer esperança de usarem a cidade como terreno para a sua sociabilidade. Os mais velhos fecham-se em casa, a degradação das cidades passa por coisas como, por exemplo, o texto que se está a dar à lei do condomínio.

Nós temos uma legislação do condomínio, que foi feita para os primeiros condomínios. O que acontece hoje é que um número significativo de elevadores, que eram novos quando a legislação foi aplicada, está avariado.

As pessoas têm que perceber que um partido político tem que olhar para estas questões, tem que olhar para as pessoas que não conseguem sair de casa, as mais velhas, porque a sua casa, há muito tempo, no seu condomínio não se entende ninguém, e a degradação, e isto existe em dezenas e dezenas de casas em Sacavém, na Bobadela, em muitos bairros, onde as pessoas subitamente têm, uma delapidação do seu interior, que tem a ver com problemas legislativos, com problemas de envelhecimento que têm que ser mudados.

Nós devemos dar uma grande atenção às cidades e aos problemas urbanos, em particular, aos problemas de solidão urbana, quer dos jovens, quer dos mais velhos, há uma enorme solidão hoje nas cidades.

As pessoas, quer por insegurança, e parte dessa solidão vê-se nos computadores, a solidão da pessoa que está às duas horas da manhã a falar num chat no computador.

Há muitos fenómenos de desertificação urbana, de má vida urbana, que nós temos obrigação de estudar e a que nós temos obrigação de responder.

Outra questão, visto que eu só posso praticamente dar um exemplo, tem a ver com o problema das liberdades individuais, dos media, das novas tecnologias e liberdades individuais, nós estamos a assistir com enorme indiferença à erosão contínua das liberdades individuais.

Já não me refiro sequer, à circunstância de nós hoje sairmos de casa, atravessarmos a via verde, ficarmos registados na via verde, chegarmos ao parque, estacionarmos o carro, ficarmos registados no parque, levantarmos dinheiro numa caixa Multibanco, ficarmos registados na caixa Multibanco, atravessarmos uma praça de uma cidade, ficarmos no sistema de vídeo vigilância, marcarmos o ponto no emprego, ficarmos registados à entrada do emprego, e de manhã à noite, a nossa vida pode ser reconstituída a partir de informação electrónica. Com a agravante de que nós estamos cada vez a aceitar maior intromissão, muitas vezes sem nenhum fundamento sobre a nossa vida.

O chip do carro, com o argumento da eficácia, que é o grande argumento moderno, é o argumento da eficácia, é um princípio, de facto, que não podia ser aceite numa sociedade que prezasse a liberdade.

Quem preza a liberdade, não aceita um controlo electrónico do carro, não aceita que a passagem pela via verde, sirva, por exemplo, para controlar a velocidade, porque também significa controlar os trajectos, não aceita, não aceita que os telemóveis tenham GPS, e que os mais jovens aceitem usar o telemóvel como instrumento de controlo cada vez mais. O telemóvel é usado pelos mais novos como instrumento de controlo, vocês sabem isso, “onde é que tu estás?”, primeira pergunta, nunca se fazia num telefone fixo, “onde é que tu estás?”, “ah, estou a estudar na biblioteca”, vamos admitir que o telemóvel tem uma câmara e tal, “mas eu vejo aí a praia” e tal, claro que um nurde põe lá sempre a biblioteca em fundo, mas as novas gerações de telemóveis têm GPS, e eu escrevi aqui há uns tempos uma coisa que era um diálogo fictício, que é o marido oferece à mulher ou o namorado á namorada, “pega lá este que é o mais moderno que há, e tal, quando estiveres atrasada para ir buscar os miúdos, eu sei onde é que tu estás”.

Não é normal que se saiba onde se está, não é normal que se possa controlar com dezenas de telefonemas  onde se está, nós estamos em sociedades e os Governos aproveitam-se disso, os telemóveis é um problema evidentemente individual, mas se provavelmente as pessoas não estivessem habituadas já a prescindirem de muito da sua liberdade individual e do seu direito à individualidade, porque usam telemóveis como, em particular os mais jovens os usam, talvez não aceitassem facilmente o chip para o carro, talvez não aceitassem que, se se quer controlar a velocidade dos carros, a resposta é pôr polícia a controlar a velocidade dos carros.

Não é usar os registos da via verde para controlar o tempo que se demora entre o momento em que se entra e o momento em que se sai.

Nós temos que ter uma atenção muito particular à contínua diminuição de privacidade e intimidade que as novas tecnologias permitem que os Governos todos usam, todos usam, porque pouco a pouco, pouco a pouco, com o argumento da eficácia e da facilidade, o nosso bilhete de identidade tem mais coisas, pouco a pouco, nós ainda não temos um chip como os cães, não é, os cães que nascem agora já têm um chip, injectam-lhe um chip, mas em bom rigor também se pode argumentar, mas se se puser um chip nos bebés, talvez não haja troca de bebés, talvez não roubem os bebés. É assim que as coisas começam, é com argumentos de eficácia, é melhor ter um cartão de identidade que me facilite a vida, eu vou(??), tenho tudo, menos a minha liberdade e a minha identidade.

Nós temos que fazer, como partido personalista que somos, como partido que considera que nem tudo é do domínio da técnica e da eficácia, características do PSD, programáticas do PSD, nós da mesma maneira que não aceitámos o deslumbramento tecnológico, não aceitámos a corrupção, porque a corrupção é contra o bem público, não aceitámos, não deveríamos aceitar também a erosão contínua das liberdades individuais.

Outro aspecto, e último:

Chamar-vos a atenção para o mundo. A vossa geração é provavelmente a última que viveu até à vossa idade com uma outra guerra, a minha geração viveu até à vossa idade sem nunca ter visto guerra na Europa. A guerra da Jugoslávia chamou-nos à atenção que afinal o problema não é meramente africano nem asiático, é nosso também, daqui, da Europa.

Não tenham dúvidas nenhumas que a situação internacional se está a agravar de forma muito significativa, mas está-se a agravar não apenas pela conjuntura, está-se a agravar pela estrutura, por várias razões, porque há um declínio da única grande democracia armada, que era os Estados Unidos, há um efectivo declínio, não há outra, não há outra democracia armada no mundo, a não ser os Estados Unidos. E os Estados Unidos estão numa situação de crise, porque a Europa não conta para nada, do ponto de vista da defesa, não tem exércitos, com excepção do exército inglês, tem tropas coloniais quando muito, a legião estrangeira é boa para a Costa do Marfim, mas não dá mais do que a Costa do Marfim, e a legião estrangeira espanhola dá para ir para Marrocos, mas pouco mais do que isso. A Europa, com excepção dos ingleses, e mesmo assim, já no limite, não conta do ponto de vista militar.

É evidente que têm uma aliança importante com os Estados Unidos na Nato, alguns países europeus, não todos, e a Aliança da Nato é um dos elementos, apesar de tudo, que ainda tem um papel positivo neste deserto em que estamos a cair.

O problema é que nós temos a União Europeia num impasse, não vamos agora aqui discutir as razões, provavelmente não nos entenderíamos sobre essas razões, mas num impasse muito sério, e que não é institucional em primeiro lugar, é político antes de ser institucional.

E uma parte desse impasse tem a ver com a União Europeia nunca ter sido capaz de definir as suas fronteiras, até onde vai, vai até à Turquia, ou seja, vai até à Síria, ou vai até à Rússia, o que significa, vai até ao mar do Japão, ou fica nos Urais, ou fica na fronteira da Ucrânia, quer dizer, e mais, e não somos capazes de defrontar o problema do ascenso do islão fundamentalista, também por uma razão, porque como tivemos um complexo colonial, perdemos a ideia de que há um elemento civilizacional da nossa identidade, que nós não podemos perder.

Esse elemento civilizacional entre outras coisas, diz-nos que, as mulheres são iguais aos homens, e que não é compatível com países, nem com leis nem com sistemas, em que as mulheres são inferiores aos homens.

É tão simples como isso. Não é preciso ir mais longe, porque a condição feminina é um dos elementos fundamentais da distinção entre a nossa tradição civilizacional e o islão.

Em todos os sítios de onde no islão se tentou ir muito longe no plano das reformas, no Egipto por exemplo, na Turquia, a grande barreira é sempre a condição feminina, no momento em que as coisas chegam à condição feminina, andam para trás.

E isso é muito difícil de gerir, para a nossa identidade civilizacional, portanto, eu chamo-vos à atenção que o mundo, como se costuma dizer, está cada vez mais perigoso, e que nós não temos praticamente nada, a não ser um pouco aquela posição que outro dia o Financial Times dizia no gozo:

Quando alguém nos ameaça, a gente diz, stop.

Continuam a ameaçar, e a gente diz stop, outra vez. Continuam a ameaçar e a gente diz, “olhem que nós já dissemos stop”, e repetimos o stop quantas vezes for preciso, mas efectivamente, não fazemos nada para além do stop.

Nós temos que fazer uma nova avaliação dos problemas das relações externas. O nosso partido tem que acompanhar com mais detalhe, o problema dos negócios estrangeiros, o problema da defesa, são questões cruciais nos tempos que aí vêm.

Não significa, quebrar os consensos que existem. Existem consensos positivos nessa matéria, e é bom que existam, mas também tem que haver escrutínio muito mais do que aquele que tem existido.

O nosso partido, por exemplo, política de defesa. Que política de defesa temos? Que política de defesa temos, em bom rigor?

Em matéria de negócios estrangeiros:

Somos a favor ou não do reconhecimento do Kosovo?

O Governo tem adiado o reconhecimento do Kosovo, do meu ponto de vista, bem, mas tem adiado, não importa, mas, onde é que discutimos essas matérias?

O que acontece na Geórgia, onde é que nós discutimos o que é que acontece?

O que é que está presente no conflito da Geórgia?

Quais são os problemas que levantam à Europa?

Qual é a nossa posição em relação à NATO , que pertencemos?

Todas essas coisas fazem parte duma dimensão cívica de discussão, que nós temos que retomar.

Portanto, eu falei-vos apenas dessas cinco questões, presumo que agora temos algum debate, e no debate, se for necessário, eu discuto as outras, mas limitado pelo tempo, foi isto que eu pude, para já, dizer.

Muito obrigado.

 
Dr.Pedro Rodrigues
Muito obrigado Dr. Pacheco Pereira.

Como é habitual nestes nossos jantares de debate, vamos iniciar a fase das perguntas dos grupos, e vamos fazer blocos de duas questões.

A primeira questão será colocada pelo Henrique Regalado, do grupo Roxo e depois, o João Francisco do grupo Encarnado.

 
Henrique Regalado
Ora bem, agradecer a sua presença no jantar da JSD, e na Universidade de Verão.

Dr. Pacheco Pereira, a minha pergunta é a seguinte:

Tendo um currículo invejável como o seu, e vendo a crise em que actualmente se vive no nosso país, como vê um possível regresso à vida política activa?

 
João Francisco
Boa noite caros companheiros. Dr. Pacheco Pereira, é uma honra, e a questão que lhe gostaria de pôr em nome do grupo, é a seguinte:

Já afirmou por diversas vezes, que desvaloriza as designações esquerda e direita. Não há dúvida que estas expressões são, de alguma forma, anacrónicas, simplistas e até mesmo redutoras.

No entanto, não considera que estas indefinições ideológicas, que marcam a vida política dos nossos tempos, podem ser uma das causas do descrédito das pessoas na política? Obrigado.

 
Dr.José Pacheco Pereira
Resposta rápida à primeira questão:

Mas eu estou na vida política activa. A ideia de que a vida política activa é o exercício de cargos, é que é outra coisa. Eu não tenho essa noção. Eu não tenho a noção de que a vida política activa seja o exercício de cargos. Eu estive sempre na vida política activa, e, portanto, e nem conto deixar de estar, eu gosto da vida política. Agora, umas vezes sou uma coisa, outras vezes sou outra. Neste momento, sou professor da minha escola, do ISCTE, e mais nada, e portanto, sou um civil, desse ponto de vista.

Não confundam vida política activa com exercício de cargos ou de lugares. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Se tiver que exercer cargos, exerço, se achar que é bom, se achar que é positivo, se achar que é necessário, muito bem, mas também se não tiver que exercer, não deixo por isso de continuar a ter uma vida política activa.

Segundo aspecto: esquerda e direita. Pergunta interessante, porque há muita confusão sobre essa matéria. A esquerda e a direita é uma designação histórica, e tem a ver, evidentemente, com uma divisão que se consolidou nas grandes ideologias, chamemos-lhe assim.

A minha objecção a que as pessoas estejam sempre com essa coisa de esquerda e direita é dupla.

Primeiro aspecto: é a ideia de que as pessoas acham que o PSD é um partido de direita. Isso usou-se muito no tempo do Governo de Durão Barroso, Santana Lopes. As pessoas aceitavam com a maior das facilidades que o PSD fosse classificado de partido de direita, direita versus esquerda. Agora já não se usa muito, na altura usava-se muito. Eu sempre disse, e isso provocou também algumas irritações, que não se pode, não é coerente com o nosso programa, que nós nos classifiquemos de partido de direita, algo que o próprio Sá Carneiro explicitamente, que era um homem que sabia o que dizia, explicitamente sempre disse que o PSD não é um partido de direita.

Porque é que nós não somos um partido de direita? E muito menos a cabeça de uma frente de direita, como a dada altura também surgiu.

Por uma razão muito simples:

Porque o nosso programa tem três elementos fundamentais, e hoje falo do nosso programa e das ideias de Sá Carneiro, porque é daquelas coisas que toda a gente fala e ninguém lê.

Primeiro aspecto: nós somos um partido que considera que há uma dimensão de dignidade humana, meta política, e que, portanto, nem tudo se reduz à política. Diferenciamo-nos, assim, do PS. Mas não do CDS, porque o CDS tem uma idêntica visão personalista da actividade política.

Nós somos um partido liberal no plano político, defensores dos direitos, das liberdades e das garantias. E, desse ponto de vista, diferenciamo-nos pouco do PS. É preciso ver que estas coisas, o conjunto é que conta. E nós somos um partido social democrata, nós somos um partido que considera que é fundamental na actividade política, a justiça social.

A classificação social democrata, que evidentemente, tem que ser adaptada às circunstâncias, só significa isto: nós não consideramos que os mais pobres, os deficientes, aqueles que na competição não competem de igual para igual, porque têm algum handicap estrutural nessa competição, o Estado tem a obrigação de repor aí uma igualdade de oportunidades.

Não tem nada a ver com a ideia, e esta tradição social democrata, é efectivamente, a tradição social democrata, é por isso que a gente tem lá as três setas, que são do partido social democrata alemão, da frente de bronze.

É, por isso que, de facto, donde é que o Sá Carneiro foi buscar a social democracia?

Em grande parte de uma interpretação da doutrina social da igreja, que foi buscar.

E desse ponto de vista, se quiser, o personalismo e a dignidade humana são de direita, na sua tradição.

Os direitos, liberdades e garantias são de direita e de esquerda, porque há direita a combater pelas liberdades e garantias, e há esquerda a combater pelas liberdades e garantias, e a componente social democrata é de esquerda.

Do ponto de vista das tradições políticas, está a ver que já aqui resultam coisas diferentes.

O que é que fundiu isto tudo? Aquilo que Durão Barroso chamava o programa não escrito do PSD, que é a sua história. É a sua história que funde estes três elementos, e desse ponto de vista, nós somos um partido único.

Uma coisa é certa: não somos nem um partido da esquerda, nem um partido da direita.

(Lado B)

...colocação, e as pessoas dizem, particularmente por influência do PP, que o PP aí tem uma certa influência, porque os partidos mais radicais, o Bloco de Esquerda e o PP, é que vieram muito com essa coisa da esquerda e direita, porque eles precisam de uma identidade forte, porque são pequenos partidos. Vão buscar a identidade a uma classificação ideológica de algum aspecto redutor.

Nós não somos um pequeno partido como o PS não é um pequeno partido, como de alguma maneira o PC não é um pequeno partido. E os partidos com esta dimensão, não se reduzem a uma fórmula ideológica do passado.

Porque é que eu digo que não é útil hoje a classificação esquerda e direita?

É evidente que do ponto de vista histórico, há coisas que são da esquerda e há coisas que são de direita, não podemos negar. Do ponto de vista da afectividade, há, se me perguntar a mim, por exemplo, eu, do ponto de vista dos costumes, estou mais próximo da esquerda, do ponto de vista do entendimento do que é a cultura, estou mais próximo da direita, estou mais próximo do Elliot do que do Jacques Lang, de longe, não é, de longíssimo.

Portanto, porque é que as coisas não podem ser transportadas para a actualidade dessa forma sistemática?

É porque a maioria das questões que nós temos estado a defrontar, não ganham nada em ser classificadas em termos de esquerda e direita.

Veja o problema da droga. Tem liberais de direita que defendem a liberalização da droga, e tem gente à esquerda que defende a liberalização da droga.

É uma típica questão, o aborto, aquilo que são as questões transversais, e cada vez mais defrontamos questões transversais, são questões que não são facilmente classificáveis em termos de esquerda e direita, portanto, nós devemos ter é uma outra tradição, que é uma tradição reformista, ou seja, nós devemos ter uma ideia reformista sobre a sociedade, não atribuindo às reformas um valor absoluto, e dando à política, apesar de tudo, uma certa componente experimental, aquilo que o Popper chamava um “Piecemeal reformism”, quer dizer, um reformismo à peça, e esse reformismo à peça, medido pelos resultados, sempre com um objectivo comum, que esse não é de esquerda nem de direita, que é que as pessoas na sua vida terrestre vivam melhor, vivam melhor, tão simples quanto isso, vivam melhor, e vivam melhor, não apenas materialmente, mas também com a sensação subjectiva de felicidade, que às vezes é mais importante do que o estado material.

O nosso objectivo, enquanto partido político, na democracia só pode um, o bem comum, o bem comum da maioria das pessoas, e para esse bem comum, transportamos as nossas ideias.

Nós não temos nenhuma crise ideológica, basta ler o nosso programa, como lhe disse, nós não temos nenhuma crise ideológica, o que nós temos é ignorância ideológica, que é outra coisa.

O que nós tivemos é desvios ideológicos. O populismo é um desvio ideológico grave, que substitui uma estrutura de pensamento por uma excitação dos sentimentos das pessoas, é eficaz em período de crise, é eficaz, o populismo não deixa de ser eficaz, até é eleitoralmente eficaz, mas não é a política do partido social democrata.

O partido social democrata não pode ter, por exemplo, políticas com personalidade.

A obsessão pela liderança, pelo líder e tudo, é uma estupidez, e, no entanto, o partido social democrata não pode fazer propaganda negra nas eleições, fazendo sugestões sobre a vida sexual dos seus adversários, é contra o nosso programa, é contra a ideia de dignidade humana, que é nossa. Agora, quando o partido não salta em peso, e isto está a acontecer, alguma coisa está mal, portanto, o nosso problema não é de indefinição ideológica, é de termos passado uns tempos, e provavelmente ainda vai demorar algum tempo a passar, em que efectivamente, aceitámos coisas que nunca deveríamos ter aceitado, porque são contrárias ao nosso programa.

O pobre do Sá Carneiro, se fosse vivo, não se reconheceria em nenhuma delas, coisas dessas, se fosse numa campanha eleitoral e visse algumas coisas que nós dissemos na campanha de 2005, porque eu nestas coisas também não meço as minhas palavras, e que visse o menino guerreiro, que é uma apologia, não, reparem, não é um problema pessoal, isto para mim não é pessoal, é uma apologia do culto da personalidade individual, das qualidades individuais, nenhuma qualidade política ali é afirmada, só são afirmadas qualidades individuais. Isso não é compatível com um partido social democrata, não é compatível com o nosso programa. Não é compatível com o nosso programa, por exemplo, muitos aspectos da actividade política de cedência ao populismo, porque há muitos crimes, tem que haver mais prisão, este tipo de reacção imediata, eficaz às vezes do ponto de vista eleitoral, não é aquela do nosso partido. Nós temos balizas, mas essas balizas não passam necessariamente pela classificação esquerda e direita, mas pelo entendimento do nosso programa e da nossa tradição.

 
Dr.Pedro Rodrigues
Samuel Vilela, do grupo cinzento e depois Diogo Gaspar do grupo Castanho.
 
Samuel Vilela
Boa noite. Antes de mais, eu gostava de endereçar três agradecimentos.

Em primeiro lugar, agradeço a toda a organização pelo excelente evento que nos proporcionaram durante uma semana, excelente e produtivo. Agradeço ao Dep. Carlos Coelho , por ser um magnífico Reitor, e por todo o empenho que tem neste evento, e também um agradecimento especial à nossa conselheira, a Ana Zita Gomes, que sempre esteve presente e disposta a ajudar-nos.

Agora agradeço, claro, a presença do Dr. Pacheco Pereira aqui, que, como já foi referido, é um intelectual, é um pensador, foi referido pelo Dr. Pedro Rodrigues, e muito bem.

A minha questão, antes de mais, quero garantir que a minha questão, e já que estamos perto de autárquicas, não é se vai ou não candidatar-se à Junta de Freguesia da Marmeleira, garanto que não é.

Agora falando a sério, actualmente assistimos a um modelo de fazer política diferente, diferente daquilo que estávamos habituados, e agora que a democracia evolui, que estamos no séc. XXI, num novo século, a democracia evolui num sentido que não é necessariamente para uma maior liberdade, para uma maior ética. Muitas vezes a demagogia e o mediatismo, a dissimulação mediática nos meios de comunicação, sobretudo, sobrepõe-se àquilo que é realmente fundamental, àquilo que realmente interessa.

Somos um partido abrangente, como já referiu, vamos desde o centro de esquerda ao centro de direita. Eu pergunto então, qual será o caminho que devemos traçar, isto tendo em conta que muitas vezes no Parlamento, em sessões consecutivas, e passo a expressão, “se lava roupa suja”, e se fazem ataques pessoais, qual é o caminho que devemos traçar para que a sociedade portuguesa olhe para nós como um partido realmente diferente, seja como oposição ou seja como Governo, e em jeito para terminar, e sem querer abusar de um tom jocoso ou de humor, numa entrevista relativamente recente, no dia 24 de Agosto ao Diário Económico, onde falavam do seu blogue, e pelo qual o elogio, e o grupo, o Dr. Pacheco Pereira referia que, se houvesse mais meios de comunicação à sua disposição, mais os usaria.

Eu pergunto-lhe então:

Para quando um perfil no Hi-five ou um canal You Tube? Obrigado.

 
Diogo Nogueira Gaspar
Boa noite a todos. Não faço a questão sem antes reiterar os agradecimentos feitos pelo meu colega, dizendo apenas que a conselheira do grupo castanho não era a Ana Zita Gomes, mas sim, a Joana Lopes, a quem agradecemos também.

Dr. Pacheco Pereira, é um prazer estar na sua companhia. O Sr. é um pensador, e como às vezes também pensa sobre nós, acho que devemos andar todos por perto.

Passo agora, em nome do grupo castanho, a questioná-lo sobre um passado ainda pouco distante, que é a vitória do Partido Socialista, nas legislativas de 2005, e o ónus que isso traz ao PSD.

Estamos na presença de um Governo, que apesar de socialista, ao contrário do que outros dizem, mas sim de acordo com uma análise feita pelo Dr. há cerca de dois anos, e apesar de ter reforçado a presença do Estado na economia, e de acreditar que o Estado deve assegurar determinados serviços, efectuou reformas que outros não tiveram a coragem de levar a cabo.

Partindo do ponto em que esse ímpeto reformista do Eng. Sócrates descaracterizou o verdadeiro partido reformista por tradição, que é o PSD, o partido da empresa, o partido da universidade, o Dr. acredita que só uma estratégia verdadeiramente liberal e uma ruptura com o Estado social, contemplada no seu programa, pode devolver o partido à frescura do passado e ao poder?

Obrigado.

 
Dr.José Pacheco Pereira
Primeira questão:

É preciso ter algum cuidado com a palavra intelectual. É evidente que eu sou um intelectual. Mas a palavra não tem grande fama. É utilizada normalmente para traduzir uma menoridade e não uma vantagem. Cuidado com a utilização da palavra intelectual, porque todos os líderes do partido foram intelectuais, todos, é preciso ter cuidado com a palavra, a palavra pode ter conotações positivas ou negativas. O intelectual não é ninguém que vive fora do mundo.

A actividade política tem uma importante componente de actividade intelectual, actividade ética, cultural, de saber, e  política propriamente dita, portanto, cuidado com essa distinção entre os intelectuais, é como as bases e as cúpulas, cuidado com essas distinções, porque essas distinções normalmente têm um papel que é, efectivamente, muito mau para a credibilidade da nossa instituição, do nosso partido. Nós vamos pagar muito caro e estamos a pagar muito caro, os estragos que foram feitos à nossa credibilidade, que são grandes, por coisas como essas, não é, nós não somos um partido que se caracteriza apenas por andar a saltar em cima de mesas, e a fazer jantares de carne assada, estamos muito longe disso, muito longe disso, nós temos que ser um partido que fala para os enfermeiros, para os médicos, para os carpinteiros, para os professores, para os trabalhadores rurais, e isso é que é o nosso partido, que foi feito para falar com todas essas pessoas. E para falar com todas elas, respeitando a dimensão da dignidade do trabalho que cada uma tem.

E não considerem que um trabalhador rural é melhor do que um médico, nem que um médico é melhor que um trabalhador rural, fala para todos, portanto, cuidado com uma linguagem que pode ter em si um elemento de divisão, que nos empobrece como partido. Não estou a dizer que tem sido usada nesse sentido, só estou a dizer que é preciso ter cuidado, porque infelizmente a palavra ultimamente tem sido utilizada num sentido quase pejorativo, como se os intelectuais não soubessem fazer coisas práticas, quer dizer, como se fazer livros não fosse trabalhar, quer dizer, é umas coisas, como se ensinar numa universidade não fosse trabalhar, quer dizer, a verdade é que é nesse sentido que foram ditas. Como é que nós podemos querer falar para os portugueses que são mais dinâmicos, para os estudantes universitários, para as profissões qualificadas, se temos este tipo de linguagem? Ninguém nos ouve, ninguém nos ouve.

Segundo aspecto, já vi aqui o Carlos Coelho a olhar para o relógio, as autarquias:

Não tenho nenhuma intenção de ser candidato à Junta de Freguesia da Marmeleira, instituição por que eu tenho muito respeito como instituição do sítio onde eu vivo, mas é preciso também ter cuidado em pensar que os cargos autárquicos são uma espécie de punição, que assim a uma dada altura, “ah sim, tens que ir concorrer a não sei quantos”, como se fosse uma punição. É preciso ver que há pessoas que têm uma aptidão especial para o exercício de lugares autárquicos, e outras não têm.

Eu por acaso até já concorri, mais vezes do que muitas dessas pessoas que às vezes falam. Fui candidato do partido em Loures, e ainda hoje o meu resultado é o melhor resultado do PSD em Loures, desde sempre, portanto, e Loures, na época em que eu concorri, era um sítio particularmente complicado, que tivemos que fazer propaganda num balão, porque o PC e os serviços municipalizados deitavam abaixo todos os papéis que a gente punha, e quando baixámos o balão, o balão estava cheio de buracos, porque havia uns amadores que se punham a disparar contra o balão, portanto, é preciso ter alguma dimensão, mas é preciso também ter cuidado com esta ideia de que, que é uma ideia punitiva, e eu acho que isso é insultuoso para os autarcas, “ai sim, portas-te mal, tens que mostrar o teu valor, pois tens que concorrer a uma Câmara que nunca ninguém foi capaz de ganhar”.

Há casos em que isso é bom, e há casos em que não é, mas as pessoas em política, como em todos os sítios devem fazer aquilo para que têm mais aptidão, e devem fazer aquilo para que têm mais gosto, porque senão dá sempre torto, e infelizmente muitas vezes dá torto.

Como é que nós mudamos? Qual é a chave da nossa mudança?

Pois é sendo diferentes, nós temos que mudar muita coisa, nós temos que mudar muita coisa na nossa relação com os portugueses.

Nós temos que reconquistar os homens e as mulheres, incluindo os jovens, que fizeram deste partido, uma grande força social, porque nós temos um grande partido, mas não temos uma grande força social na sociedade portuguesa dos dias de hoje.

Como é que este partido se fez?

Esperem só um minuto, só um minuto. Como é que este partido se fez?

Fez-se com aquilo que no tempo de Sá Carneiro eram os Self-made men, ou seja, pessoas que não precisavam do Estado, ou que não dependiam do Estado, não gostavam das coisas que viam à sua volta, e queriam mais e melhor, para si e para os seus filhos. E esta pulsão dos Self-made men é que fez o PSD o partido que é, nós temos que encontrar os Self-made men de hoje. Ora os Self-made men de hoje, são de um modo geral jovens, qualificados, com dificuldade em arranjar emprego quando saem das universidades, são cientistas, são professores, são gente que de alguma maneira, por exemplo, quer uma vida melhor e estar insatisfeito.

Nós temos que ser o partido dessa insatisfação criativa, e enquanto não formos não vamos a lado nenhum.

Balanço do PS:

Temos que começar, de facto, a pensar o balanço do PS, e cuidado com as ideias feitas sobre o balanço do PS. Agora já temos uma dimensão de três anos.

E o que é que nos vai mostrar o balanço do PS?

Várias coisas.

Primeiro, pano de fundo, que tem que ser sempre dito. Nenhum partido em Portugal desde o 25 de Abril, teve tão boas condições para governar como o partido socialista, maioria absoluta forte, com efeito de rejeição, porque o eleitorado deu maioria ou coisa, rejeitando-nos, não foi só votando no PS, rejeitando-nos, portanto, o que significa, oposição muito debilitada, portanto, mais, e o Presidente da República? Com uma posição, do meu ponto de vista, correcta, de cooperação institucional com o Governo.

Ora, nenhum Governo, nem os Governos do Prof. Cavaco Silva tiveram estas condições, tinham maioria absoluta, mas tinham um Presidente da República que até um congresso fez contra o Governo, porque achava que o PS não era suficientemente eficaz. Mário Soares fez o congresso de Portugal e o Futuro, as pessoas é que não têm memória, mais tarde, passou o segundo mandato a combater o Governo de Cavaco Silva do primeiro ao último dia.

Mais, o ambiente comunicacional do tempo do Prof. Cavaco Silva, não se compara com o ambiente comunicacional que este Governo tem. Este Governo faz todos os dias um anúncio, na maioria dos casos propagandístico, e as pessoas repetem o anúncio, a culpa também é nossa, a verdade seja dita, repetem, repetem, ele passa na televisão, é aquilo que eu chamo os momentos chavez do Eng. Sócrates, o Eng. Sócrates vai lá, explica, e o jornalista a seguir ainda por cima explica o que ele disse, está bem?

Isto quer dizer, não sei se as pessoas percebem que isto não é normal. O normal em qualquer Inglaterra , por exemplo, já para não dizer, era que imediatamente se chamasse um especialista, que não precisa de ser um membro de um partido, e o especialista se pronunciasse, que houvesse um comentário crítico, normalmente, em muitos casos os jornalistas são eles próprios os especialistas, e, portanto, diziam “ele fez isto assim, mas esqueceu-se de falar sobre isto, ou esqueceu-se de dizer isto”, mas não, nós não fazemos a edição ao Primeiro Ministro, editing como os jornais.

E, portanto, o ambiente é também igualmente muito favorável.

Se nós formos capazes de levar mais longe o nosso escrutínio sobre a governação, eu escrevi sobre isso dois artigos no Público, com vários exemplos, da necessidade desse escrutínio, nós podemos então começar a fazer um balanço do Governo. Grande adquirido do Governo, ou seja, aspecto em que este Governo , efectivamente, obteve um resultado? Não sabemos a solidez do resultado, mas não podemos esquecer que é um resultado, é o controlo das contas públicas, o controlo do défice, é um facto que este Governo foi, pode apresentar como um resultado positivo da sua governação, o controlo do défice.

Podemos depois discutir, se esse controlo é sólido ou não é, por exemplo, a líder do partido, Manuela Ferreira Leite, tem criticado muitas vezes a solidez desse controlo, acompanhada, aliás, por alguns organismos internacionais, tem também chamado à atenção para a falta de solidez desse controlo.

Mas quando vamos a tudo o resto, este Governo vai chegar às eleições de 2009 com estatísticas piores do que aquelas com que começou em 2005. Os portugueses vão estar mais pobres, claro que o Governo vai dizer, “estão mais pobres por causa da crise internacional”.

Não é verdade, já estavam mais pobres quando começou a crise internacional.

Aí está uma coisa que nós não podemos aceitar como explicação. O Governo vai dizer “nós queremos combater o desemprego, mas a crise internacional impediu-nos de combater o desemprego”, “nós queremos ir mais longe nos salários, nas condições de vida, mas a crise internacional impediu-nos”. E nós devemos dizer :

“Oh meus caros amigos, a crise internacional, que os Srs., aliás, lidam mal, porque a adiaram, andaram a dizer que não existia, a crise internacional atingiu-nos numa altura em que nós já estávamos mais pobres, em que nós já estávamos mais deprimidos salarialmente, em que nós já tínhamos todos os efeitos negativos de uma política, que o Governo pensava contrariar apenas com betão”.

O problema das obras públicas é crucial, porque as obras públicas e os dinheiros do QREN, eram o tesouro de guerra do Governo. O Governo preparava-se, está pensado desde início, como é óbvio. Bom, vamos agora fazer um aperto, bem, no plano do orçamento, vamos pôr as contas em ordem, vamos fazer duas ou três reformas importantes, a maioria das quais não resultou, por uma razão muito simples, porque o Governo seguiu uma estratégia populista, aqui têm um bom exemplo como é que o populismo é prejudicial à boa governação. Por exemplo, é importante que os professores sejam avaliados, claro que é, é importante que os juizes sejam avaliados, é importante que haja uma maior exigência e rigor em certos grupos profissionais, e o Governo defrontou essa questão, só que caiu numa tentação. Para exigir avaliação aos professores, pôs as pessoas contra os professores. Para exigir avaliação dos juízes ou para as férias judiciais e tudo, pôs todos que não eram juízes contra os juízes.

E isto é a típica política populista por uma razão, quando se faz uma reforma, tem que se ter aliados, mesmo que minoritários no grupo profissional que se reforma.

Não há dúvida nenhuma que muitos professores entendiam que era importante haver avaliação, mas esses professores foram à manifestação dos professores, a partir do momento em que é a sua própria condição de professor que é posta em causa, quando se diz que todos os professores são preguiçosos, em particular o Primeiro-ministro , até mais do que os Ministros, começou a usar a população contra um grupo profissional, primeiro contar este, depois contra aquele, depois contra o outro, hipotecou a possibilidade de as reformas resultarem.

E, em muitos sítios, efectivamente, as reformas não passaram do papel, e não passaram de um enorme desgaste, em que os resultados são escassos, portanto, é preciso ter muita prudência no balanço governativo, porque este Governo vai apresentar resultados muito medíocres, aqui está uma palavra que eu acho que vocês deviam pensar bem, medíocres, este Governo tem resultados, este Primeiro-ministro tem resultados muito medíocres, ao fim de quatro anos de excepcionais condições de governação.

Não significa que tenha feito tudo mal, não fez, não fez tudo mal, e nós, não devemos ter problema nenhum em dizer as coisas que eles fizeram bem, nenhum, nem sequer acrescentar mas, fizeram bem, fizeram bem, estamos contentes, fizeram bem.

O plano tecnológico, que tem elementos importantes, por exemplo, tem que ser ver visto à luz destas coisas que eu vos disse, da via CTT, do Magalhães e tudo, porque é muito subordinado ao deslumbramento dos gadgets.

O programa das novas oportunidades, que é um importante programa, importante programa, que teve um enorme sucesso no início, em muitas aldeias, em muitas terras do interior, em muitas cidades, deu de novo valor ao estudar, quer dizer, muita gente que nunca pensou voltar a estudar outra vez, passou a valorizar o acto de estudar, e o acto de saber mais, e o acto de ter uma competência formal, isso é muito importante, mas nós temos que saber, se após o sucesso inicial, por exemplo, há um mínimo de critério, de rigor e exigência na avaliação, porque senão o que nós estamos a fazer é, ter dois sistemas escolares, um que já é facilitista e outro que ainda é mais facilitista, e como se permitiu que pessoas muito novas entrassem nas novas oportunidades, o que acontece é que hoje, nas estratégias de muitos jovens que não se dão bem com o ensino oficial, passa a haver o seguinte pensamento:

“É mais fácil para mim fazer as novas oportunidades, portanto, eu chumbo, chumbo, chumbo, chumbo, fico com a idade e passo para as novas oportunidades, porque é mais fácil fazer as novas oportunidades”.

Por exemplo, é um erro do programa das novas oportunidades, é não ter uma faixa, não começar mais tarde, de tal maneira que não seja competitivo com o sistema formal de ensino.

São estas coisas que nós temos que estar a dizer, que nós temos que analisar, que nós temos que observar, e que nós temos, nalguns casos, apresentar propostas alternativas.

Não vivam sob a obsessão das propostas alternativas. A pressão mediática, e a pressão que às vezes também há no interior do partido, que para todas as coisas se tem que apresentar uma proposta governativa, faz uma confusão essencial, que é a confusão entre a actividade do Governo e a actividade da oposição.

A actividade do Governo, essa sim, é essencialmente produzir medidas. A actividade da oposição é, em primeiro lugar, o escrutínio dessas medidas, e só em determinadas circunstâncias, quando há condições para isso, e quando é clara essas condições, é que há a apresentação de medidas alternativas. Não se deixem enganar por algumas ideias fáceis que para aí circulem.

É preciso ter cuidado com essas coisas que a gente acha óbvia, é óbvio, o Governo apresenta, a oposição apresenta, isso tem um efeito logo na opinião pública de igualizar os dois, ou seja, a uma dada altura, os jornais estão a discutir no mesmo plano, as propostas do Governo e as propostas da oposição, que não têm o mesmo plano, pela simples razão que o Governo é que detém democraticamente o poder, ou a nossa obrigação é, em primeiro lugar,  fazer o escrutínio das propostas do Governo.

É evidente que há casos em que nós temos os conhecimentos, expertise, a tradição de propor propostas alternativas, mas não temos obrigação de ser o Governo II no exílio, o Governo I é do Eng. Sócrates, e o Governo II no exílio é do PSD.

Não é essa a oposição que deve existir numa democracia, porque isso faz com que a gente menospreze a nossa actividade principal, que tem que ser de escrutínio da governação.

Na Assembleia da República, o problema dos grupos parlamentares, quer dizer, nós não podemos fazer um grupo parlamentar, baseado na representação do partido. Temos que tirar essa ideia de vez da cabeça.

É uma das coisas que faz com que os grupos parlamentares sejam cada vez piores, por uma razão muito simples:

Nós temos que ter um grupo parlamentar com capacidade para discutir a política de agricultura do Governo, para discutir muitos aspectos da política económica, para discutir a política da educação, para discutir a política da cultura. Há áreas inteiras da actividade deste Governo, não tem qualquer escrutínio, a cultura, por exemplo, os senhores vão dizer “não é muito importante”.

Claro que é, do ponto de vista simbólico, para as cidades e para os mais novos, o escrutínio da actividade cultural é importante.

A educação é pessimamente escrutinada pela actividade parlamentar, portanto, nós, quando pensamos nos nossos instrumentos, Instituto Sá Carneiro, eventuais grupos de estudo dentro do partido, JSD, por aí adiante, e depois os nossos grupos parlamentares, devemos pensar essencialmente em ter instrumentos para conduzir uma política qualificada.

O nosso principal problema eleitoral é a crise de credibilidade do PSD, dêem as voltas que quiserem, com a excepção das autarquias, onde nós somos um forte partido, mas que tem uma dimensão diferente da dimensão nacional. Atenção, ninguém pense que se pode projectar os métodos das autarquias na dimensão nacional, isso é um erro que apareceu aí há uns tempos, convencidos que isto se pode passar de uma Câmara Municipal, por grande que seja, para a dimensão nacional, porque as autarquias têm uma dimensão de proximidade, que não existe na vida política nacional, e essa dimensão de proximidade não é transponível para a vida política nacional, a não ser pelo populismo mais grosseiro, são duas dimensões diferentes, não significa uma menorização da dimensão autárquica, bem pelo contrário.

Agora o nosso problema é com a dimensão nacional, o nosso partido perdeu a dimensão nacional. A nossa crise de credibilidade não é nas autarquias, é na nossa dimensão nacional, em que ninguém nos ouve, os médicos, os engenheiros, os enfermeiros, ninguém nos ouve, ninguém acha que nós possamos de dizer alguma coisa de interessante ou de relevante, e é essa viragem que vocês têm que fazer, que nós temos que fazer. E portanto, como é que se ganham as eleições de 2009?

Com uma combinação de duas coisas:

E com isto termino, duas coisas, não é difícil perceber. As eleições vão-se realizar num período de crise económica e social grave, primeiro aspecto, portanto, qual é a atitude de um português normal, particularmente se não é rico, os ricos têm outra lógica, é não querer perder o pouco que têm. Ninguém vai acreditar em promessas, as pessoas estão fartas de promessas, ninguém vai acreditar que lhe digam, já lhes andaram a falar do fundo do túnel há não sei quantos tempos, eles sacrificam-se, nunca saem do túnel, portanto, não é uma política de promessas que vai ganhar as eleições 2009, e ainda bem, é sinal que os eleitores são sensatos, é uma política de razoabilidade, que dê às pessoas confiança, em primeiro lugar, confiança que não vão perder mais do que aquilo que já perderam, e confiança que com a solidez do pouco que têm, do pouco que têm, podem eventualmente vir a melhorar a sua condição.

E, para isso, nós temos que ter credibilidade junto dos eleitores, transmitir-lhe um sentimento de segurança, e transmitir a nossa voz de uma forma qualificada.

A questão sobre o liberalismo:

O problema do liberalismo é um problema complexo, eu sou muito mais liberal do que a actual direcção do partido, por exemplo, muito mais, mas eu reconheço uma coisa, é preciso ter muito cuidado com a forma, porque o liberalismo tratado como muitas vezes é tratado nos blogues como uma receita ideológica, não é eficaz no plano político, eu não estou a dizer que se disfarce, o que eu estou a dizer é que por exemplo, qualquer governo do PSD, por muito que se diga que são iguais ao PS, por muito que se diga, é sempre mais liberal do que um governo do PS, começa logo por aí. Porquê?

Por várias razões que têm a ver com a composição social do nosso partido, que tem a ver com a nossa tradição. Qualquer líder do PSD, é muito mais sensível à liberdade económica do que é um líder do PS. Isso é inevitável nas medidas. Por exemplo, denunciar os riscos de corrupção pelas negociações directas entre o Governo e os grupos económicos é uma posição liberal.

A nossa líder, por exemplo, Manuela Ferreira Leite, fez isso numa entrevista, essa questão acabou por não ter grande relevância, mas uma das coisas que ela levantou numa entrevista, foi exactamente esta, que via com muita preocupação o facto de o governo estar a negociar directamente com os grupos económicos, e o que isso podia significar de pressão do Governo sobre a actividade económica e a actividade social.

Isto é típico nosso do PSD, típico do PSD, portanto,  o nosso liberalismo, e eu acho que é importante nós reavaliarmos muitas medidas e posições liberais, mas o mais importante não é o rótulo nem a formulação ideológica, é que em cada medida que aprovemos, nós façamos a seguinte pergunta a nós próprios:

Ficámos nós individualmente mais livres ou menos livres?

Ficam as empresas e a actividade económica mais livre do Estado ou menos livre?

Essa é a pergunta que nós temos que fazer. Se em cada momento nós fizermos esta pergunta e formos capazes de dar a resposta, ficam mais livres, mesmo que seja pouco, vamos no bom caminho, não é preciso grandes rótulos, vamos no bom caminho, porque os rótulos depois, quer dizer, quando se vai à prática, ninguém faz aquilo que diz nos rótulos, eu em vez dos rótulos prefiro aqui também uma atitude reformista, um piecemeal reformism, que tem que ir no sentido evidentemente de diminuir o papel do Estado, isso não tenho dúvidas.

Muito obrigado.

 
Dr.Pedro Rodrigues
Bruno Ferrão, do grupo verde e João Miguel Carvalho, do grupo Bege.
 
Bruno Ferrão
Boa noite. Cumprimentos à mesa. Agradecemos, desde já, ao nosso conselheiro, Jorge Varela, que ao longo desta Universidade de Verão, não nos ajudou só enquanto alunos, mas ajudou-nos a progredir enquanto pessoas e cidadãos.

Segundo declarou à Rádio Renascença há algum tempo atrás, alegou que o pior inimigo do PSD era o próprio PSD, e alertando-o para o que chama de desvios da praxis e populismo de quem não sabe o que é ser social democrata.

A minha pergunta é a seguinte, Sr. Dr. Pacheco Pereira: O que é para si ser social democrata?

 
João Miguel Carvalho
Em primeiro lugar, em nome do grupo bege, não precisamos de estar aqui a agradecer à Zita, porque ela sabe a estima que nós temos por ela, ao Dr. Pacheco Pereira, dar-lhe as boas-vindas ao convívio da nossa família, e dizer-lhe que é um privilégio poder questioná-lo, uma vez que sabemos não ser no contacto directo com os militantes que muitas vezes se sente mais à vontade, portanto, é uma boa oportunidade para o questionar.

Mas como sei que não é um homem de silêncios, tenho a certeza que não ficará nada por esclarecer.

Dr. Pacheco Pereira, eu passei a tarde toda, (é o que dá quando os assessores não são de qualidade), a pesquisar sobre diversos assuntos, sobre os quais questionar o Dr. Pacheco Pereira, uma vez que eu, como espectador assíduo da quadratura do círculo, dou comigo muitas vezes a concordar totalmente com o Dr. Pacheco Pereira em assuntos como as relações externas, segurança, economia, mas quando o assunto deriva para o PSD, 99% das vezes não concordo consigo.

Mas tocou em dois assuntos que para mim me tocam muito fundo. O primeiro tem a ver com a dignidade, o respeito pelo militante, seja agricultor, médico, artista, polícia. Diz-me a minha ainda curta experiência, comparada com a do Sr. Dr., que todos gostam de dar a sua opinião, de ser ouvidos, de contribuir. Não será verdadeiramente atentatório para a dignidade desses militantes, quando uma vez exercido, aquele que é o acto mais nobre, dentro do nosso partido, que é o voto, depois são confrontados com declarações como, passo a citar:

“A questão está-se a ver até que ponto existe ou não voto livre no PSD?

Até que ponto o militante trazido às urnas pela diligência ímpar de um cacique, que lhe diz pelo caminho em quem votar?

Cito o Dr. Pacheco Pereira abrupto.

Na outra questão estou mais de acordo consigo, tem a ver com esta história da esquerda, da direita, do que é que é ser do PSD, o que é que significa o PSD para cada um. Eu desde muito cedo, desde que entrei para militante que há um pequeno texto, que para mim ilustra perfeitamente o que é o PSD, o que significa o PSD.

E eu passo a citar muito rapidamente esse texto, diz o seguinte:

“Somos um partido nacional pela implantação, pela mentalidade, pelo programa, pelos métodos de acção. É essa uma das nossas grandes forças. Não somos um partido lisboeta ou citadino. Encontramos de início uma adesão do país real, que não é das grandes cidades, que nos permitiu ter a perspectiva de todo o realismo que os jogos políticos nos grandes meios nos fazem perder.

No nosso partido não há figuras carismáticas, individualidades insubstituíveis, ou grupos preponderantes. Há sim, consciência de serviço, aproveitamento de qualidades, abertura de órgãos dirigentes a todos os militantes, segundo critério básico da competência”.

Fim de citação, 31/10/76. Discurso de abertura do 3º Congresso, Francisco Sá Carneiro.

Obrigado.

 
Dr.José Pacheco Pereira
Em relação à primeira questão do que é que significa ser social democrata, eu penso que já respondi, é conjugar uma visão sobre a sociedade e sobre Portugal com três elementos.

No que diz respeito à pessoa humana, a valorização do elemento meta político da pessoa humana, na tradição, aliás, da doutrina social da igreja, e eu sou agnóstico, portanto, mas a tradição é essa, eu percebo qual é o sentido.

De ser liberal no plano político, ou seja, defender direitos, liberdades e garantias, como um elemento fundamental da vida pública, e defender a justiça social. A conjugação destas três coisas, só o PSD em Portugal faz, e nesse sentido, ser social democrata é o que isso significa.

Quanto à segunda série de questões:

Muito bem, meus caros amigos, e nestas coisas vale mais ser directos.

Confesso a minha completa incompreensão por um partido que acha normal pagamentos de dezenas e dezenas e dezenas de quotas numa caixa Multibanco. Lamento dizer, mas não acho isto normal, não acho. Não acho normal que haja dezenas de militantes inscritos com uma morada que é um tapume, não acho normal, e falo aqui até com experiência directa, que por exemplo, se falsifiquem assinaturas, e estou-me a referir a um caso que é público, que se falsifiquem assinaturas de delegações de voto em assembleias distritais, não acho normal.

Lamento dizer que, gostaria de ver dentro do nosso partido, independentemente de quem faz estas coisa, mais repulsa e mais reacção negativa contra isso, do que aquela que muitas vezes vejo, por uma razão muito simples:

Isto não acontece só no PSD, acontece no PS, não tenho dúvida nenhuma, e provavelmente até no CDS, PC é um caso especial, acontece noutros partidos, mas não me interessa o que acontece nos outros partidos, não me interessa, por exemplo, nem acho isso benéfico para o nosso partido, que haja secções exponencialmente tão grandes, tão grandes, tão grandes, tão grandes, e depois não corresponde à actividade política nos seus concelhos ou nos seus distritos, porque evidentemente isso são mecanismos de exercício do poder, que não correspondem à ideia que eu tenho do Partido Social Democrata.

Não acho normal resultados eleitorais que não sejam equilibrados, do género, 900 de um lado, 100 do outro, não acho normal, não acho que isso seja normal, acho normal resultados equilibrados, acho normal que haja um equilíbrio nacional, não acho normal que as pessoas votem como na Morgadinha dos Canaviais, o Sr. Joãozinho das Perdizes, que chegava com os seus fregueses todos atrás a votar todos no candidato que ele escolhia.

Ora, nós tomos sabemos que isto acontece, e se nós fechamos os olhos a esta realidade, e eu não fecho, e eu não fecho porque respeito os militantes, sabe.

O que acontece é que a maioria das pessoas olha para os militantes para baixo, e trata os militantes para baixo, como pessoas que servem a imagem do norte para fazer jantares, para bater palmas, para agitar bandeiras. Eu quero os militantes do Partido Social Democrata com uma intervenção cívica activa na vida pública, e quero que eles sejam os primeiros a reagir contra estas coisas.

E quando isso às vezes não acontece, e eu faço-vos lembrar que, também não acho normal que em Congressos do partido haja votações por unanimidade que conduzem a desastres monumentais, e nós continuamos a achar que não temos que discutir isso, e quando alguém discute é, o estraga, como é que se diz, desmancha prazeres.

Será que nós percebemos porque é que perdemos as eleições de 2005, ou não perdemos as eleições de 2005?

Nós estamos a pagar um preço elevadíssimo, e o país está a pagar um preço elevadíssimo por causa das brincadeiras, óbvias, óbvias, óbvias, como anúncios de travessias do Tejo, que quando perguntado pelos jornalistas, os autores desses anúncios, ministros do nosso Governo, não sabiam se era em ponte ou em túnel?

Como é que eu posso criticar o PS, quer dizer, se o PS me pode virar, quer dizer, eu posso fazê-lo, porque o PS diz-me e eu digo “ah meu caro amigo, eu também isso já critiquei.

Nós anunciámos há relativamente pouco tempo, numa conferência de imprensa, com ministros do nosso Governo, uma travessia suplementar do rio Tejo. Quando perguntados sobre a natureza dessa travessia, não só não se sabia exactamente onde é que ela ia ser, como nem sequer se sabia se era em ponte ou em túnel, desculpem, eu acho que um eleitor que ouve isto, deve ter muitas dúvidas em votar no partido que o diz, e num partido que não reage a estas realidades, portanto, nós se formos acríticos em relação a esta realidade, e eu dou-lhe dezenas de exemplos de coisas destas que passaram diante dos nossos olhos, nós não somos, nós não devemos entender o partido como uma camisola, porque isso desvaloriza-nos a nós e aos militantes, o partido não é um clube de futebol, não é uma camisola que a gente deva trazer, está ao serviço dos portugueses, foi fundado por Sá Carneiro exactamente com esse objectivo.

Ora se nós passarmos a actuar como se isto fosse um clube, e somos muito contentes porque somos laranjinhas, quer dizer, vocês estão aqui para discutir estas coisas, muito contentes porque somos laranjinhas, é evidente que não ganhamos a confiança dos portugueses.

Bem, podem-me dizer “mas o PS faz as mesmas coisas”. Não quero saber, não quero saber, essas a gente critica, eu quero saber as que se passam connosco, eu quero que este partido retome valores éticos, que infelizmente deixou dissolver, eu quero que neste partido os militantes, mais importante que bater palmas e agitar bandeiras, entendam que devem pôr termo a estas práticas no seu interior, e isso para mim, é que é o elemento fundamental para ganhar credibilidade junto dos portugueses.

 E enquanto não mostrarmos aos portugueses que somos capazes de fazer isso, ah, então não tenha dúvidas nenhumas que eu continuarei a falar aos militantes sobre essa matéria.

E devo dizer-lhe outra coisa, sempre que eu falo aos militantes, os militantes percebem perfeitamente o que eu digo, perfeitamente, nunca tive nenhum problema com os militantes do PSD, eu tenho problemas é com outro tipo de militantes, eu estou no meio, não é com os debaixo, com os que estão nas bases, não é com esses, é de um modo geral com as pessoas que vêem o partido como se fosse uma carreira política, e que olham para o seu lugar de deputado e percebem o que têm que fazer para continuar ou para não continuar a ter o lugar de deputado.

É os que estão com os líderes todos, independentemente daquilo que eles dizem, é essas pessoas, com essas pessoas é que eu tenho problema, e hei-de continuar a ter.

 
Dr.Pedro Rodrigues
Tiago Laranjeiro, grupo azul e depois, Cláudia Cordeiro do grupo Laranja.
 
Tiago Laranjeiro
Boa noite.

Sendo esta a última intervenção que o grupo azul vai fazer nesta Universidade de Verão, é necessário, sentimo-nos na obrigação de fazer o agradecimento à organização, e o agradecimento à organização porque, eu pessoalmente, e penso que estou a falar por todo o meu grupo, nunca imaginei um evento que fosse ao pormenor de organização que este vai, desde a argola da cor do grupo que está a jantar na mesa até ao papelinho do Dep. Carlos Coelho que mostra a oradora com o relógiozinho e o ok em baixo, tudo, é tudo, é tudo.

E também um agradecimento muito, muito especial ao nosso conselheiro Nuno Matias, disponível das oito da manhã às quatro e meia da manhã, que ainda ontem o fomos chatear às quatro da manhã e tirá-lo da cama. Nuno, obrigado.

E agora, o agradecimento ao Dr. Pacheco Pereira por estar aqui.

O Dr. Pacheco Pereira é alguém, cujo pensamento eu realmente admiro.

Agora a questão:

Dr. Pacheco Pereira, que papel e que contributo podem os movimentos e grupos de reflexão, paralelos aos partidos, dar aos mesmos partidos?

E aqui não falo apenas do PSD. Muito obrigado.

 
Cláudia Cordeiro
Boa noite a todos os presentes.

Tal como os outros grupos, também gostávamos de agradecer à nossa conselheira...

 

(Parte inaudível na gravação)

 
Dr.José Pacheco Pereira
(…) o ornitorrinco, o ornitorrinco é um grande bicho, chama-se ornitorrinco paradoxus, há várias variantes e é feito de bocados muito diferentes, é o nosso partido é parecido com o ornitorrinco, não é insulto nenhum. Quando há bocado disse que o nosso partido é feito de tradições que nós fundimos com a nossa história, mas essas tradições vêm de sítios diferentes, nós temos dois momentos importantes de fusão, Sá Carneiro, Sá Carneiro é um homem, é um intelectual com uma ideia muito nítida de quais são as fronteiras e quais são os limites e qual é o conteúdo programático do nosso partido. E mais, e sabendo que o nosso partido é tensional, chamemos-lhe assim, no nosso interior há tradições que nalguns casos têm tensão entre si, mas isso não é mau. Há momentos em que, por exemplo, a componente personalista é mais forte, há momentos em que a componente social democrática é mais forte, isso não é mau. Se nós nos mantivermos dentro deste arquétipo, chamemos-lhe assim, de funcionamento e dentro desta tradição, e dentro da nossa história nós acertamos sempre. Eu prefiro ser um ornitorrinco do que uma lampreia, a lampreia é tudo igual com excepção enfim daquela coisa interior que as lampreias têm que vai desde o princípio ao fim da lampreia, mas com excepção, ou com bichos que são muito iguais, ou com as galinhas. Não.

E foi uma comparação para eu dizer que é um partido feito de diferentes bocados e muitas vezes os bocados zangam-se uns com os outros e, portanto, utilizei esse exemplo do ornitorrinco para designar o partido.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado dr. Pacheco Pereira, vamos passar para as duas últimas questões dos grupos, como já sabem a última palavra é sempre do nosso convidado. O que significaria em circunstâncias normais que eu agora passaria a palavra aos próximos dois grupos e eu seria a última pessoa da organização a usar da palavra, mas eu acho que não pode ser assim, hoje é o último jantar conferência que temos nesta semana na nossa Universidade de Verão e portanto a última pessoa a falar nesta Universidade de Verão, neste último jantar da nossa Universidade de Verão da organização tem que ser o nosso magnífico Reitor, o nosso querido amigo Carlos Coelho.

Por isso Carlos com um enorme abraço e com um grande sinal de reconhecimento da JSD e de toda esta juventude, sem ti a Universidade de Verão não existia tal como é passo-te o microfone. Muito obrigado por tudo.

(APLAUSOS)

 
Dep.Carlos Coelho
- Isto é uma partida indecente do Pedro, muito obrigado pelo vosso aplauso, pela vossa amizade e pelo facto de estarem a gostar da Universidade de Verão. Eu não vos vou dizer nada, terei a oportunidade amanhã de dizer duas palavras rápidas na sessão de encerramento, mas preciso de dar dois ou três avisos e o dr. Pacheco Pereira perdoará, mas é por uma boa razão é para lhe deixar a última palavra.

Como sabem a seguir a este jantar vamos ter a festa normal de encerramento, vai ocorrer ali na zona do bar uns minutos depois do encerramento deste jantar, para essa festa os vossos coordenadores vão dar a cada um de vós, participantes na Universidade de Verão de 2008 , umas fichas. Para isso, vamos fazer uma curta reunião de dois minutos com todos os coordenadores para acertar alguns pormenores aqui junto à mesa da presidência. Queria que não se esquecessem que a sessão de avaliação se inicia amanhã às 10 horas neste espaço aqui, e que a Sessão formal de Encerramento da Universidade de Verão se inicia ao meio-dia lá em baixo na nossa sala de aulas.

Gostaria, tanto quanto o possível, que chegassem um bocadinho antes do meio-dia pelas razões que já vos expliquei.

E, sinceramente, muitos parabéns pelo rigor, pela qualidade, pelo empenho que colocaram ao longo desta semana.

(APLAUSOS)

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Passamos então às duas últimas questões, Edgar Mendes do grupo amarelo, anfitrião e para fechar as questões da Universidade de Verão 2008, Vasco Galhofo do grupo Rosa.
 
Edgar Mendes
- Muito boa noite, como não poderia deixar de ser queria também felicitar a organização da Universidade de Verão todos os conselheiros e obviamente em especial, o caro conselheiro João Marques e o nosso magnífico Reitor, Dep. Carlos Coelho que é um dos grandes ícones do nosso Partido Social Democrata, os meus parabéns.

Dr. Pacheco Pereira como já aqui foi notório, permita-lhe que lhe diga o dr. Pacheco Pereira é uma pessoa controversa, uma pessoa polémica é daquelas pessoas que não passa indiferente, há os que gostam de si e há também aqueles que não gostam mas isso não se rale isso é apenas uma característica daqueles que são génios.

Dr. Pacheco Pereira, o sr. conhece como ninguém a história do Partido Social Democrata, e a história recente demonstra-nos que os nossos líderes têm sido líderes bastante vulneráveis, quero com isto dizer que têm sido muito criticados. Esta crítica seria desejável se fosse uma crítica construtiva, porque a crítica serve para corrigir e corrigindo melhoramos. Mas isto não se tem verificado no PSD. No PSD os líderes assim que tomam posse são atacados, são através de artigos da imprensa, através do comentário bloguístico, e o objectivo não é construir o PSD é atacar os seus líderes, e isto muitas vezes toca a devassa privada, não se justifica.

Desta forma não vamos conseguir responder a um anseio que foi manifestado por um dos nossos colegas aqui há dias, nós nunca vamos conseguir ser um partido respeitado desta forma, não vamos conseguir ser políticos respeitados. Mais ainda, apercebemo-nos desta forma o Primeiro-Ministro José Sócrates, - eu confesso que tenho alguma dificuldade em tratá-lo por engenheiro -, não precisa de se ocupar com a oposição, a oposição do PSD porque o PSD tem passado os últimos anos a fazer oposição a si próprio.

Portanto a questão que lhe coloco é muito simples: acha que o PSD é um partido que não tem sabido respeitar os seus líderes ou, por outro lado, respeita apenas aqueles que lhes convém? Muito obrigado.

 
Vasco Galhofo
- Boa noite a todos. Antes de me dirigir ao dr. Pacheco Pereira eu queria só dizer aqui uma coisa, além de todos os agradecimentos que todos os grupos já fizeram à organização e que eu subscrevo, gostaria só de dizer uma coisa, nós aprendemos muito com todas as palestras e todas as formações que tivemos neste semana, mas muito do que aprendi teve a ver com a forma de ser e estar de todos os membros desta organização. Também só mais uma palavra ao nosso coordenador ao Nuno Matias, eu podia fazer aqui um grande discurso mas a verdade é que o apoio que o Nuno nos deu a nós, ao grupo rosa, foi absolutamente sem palavras, espectacular.

Dr. Pacheco Pereira, ao contrário aqui do meu colega, partilho, concordo com muitas das suas ideias sobre o partido. Mas há uma coisa que sempre me intrigou, o dr. Pacheco Pereira como outras personalidades e líderes do nosso partido, como dr. Durão Barroso ou da dra. Zita Seabra , atravessaram parte do espectro político sempre no mesmo sentido. O que lhe queria perguntar é se isso se deve às circunstâncias políticas da altura em que eram jovens, ou se isso ainda poderá acontecer hoje? E porque é que isso poderá ainda acontecer hoje? E já agora qual o papel que as juventudes na sua opinião têm nessa matéria? Poderão ser uma fonte fidedigna de formação ideológica que ajude os jovens a perceber qual é o seu lugar, ou poderá, por outro lado, por vezes e sublinho por vezes, ser apenas um incentivo para um carreirismo político precoce.

 
Dr.José Pacheco Pereira
- A primeira questão, a célebre questão das críticas. Mas qual é o drama com as críticas, qual é o drama? Por uma razão muito simples, se as críticas não têm razão nenhuma o pobre desgraçado que as faz fica sozinho a falar para o ar. Mas há um problema é que as críticas que foram feitas tinham razão de ser, e a realidade mostrou que tinham razão de ser. E desse ponto de vista não é a crítica em abstracto, evidentemente que quando refere críticas que envolvem aspectos pessoais dou-lhe razão, mas eu até tenho aí alguma razão de queixa porque nunca chamei canalha a ninguém e portanto, exactamente nunca chamei canalha a ninguém e a mim chamaram-me, portanto há aí uma diferença fundamental e nunca fiz nenhuma alusão de carácter pessoal, nem de carácter individual e, pelo contrário, acho que a dignidade, insisto, das pessoas deve ser preservada, agora, a crítica política é fundamental. E o mal do nosso partido foi haver só um pequeno número de pessoas que a fizesse, porque talvez tivéssemos melhor se isso não tivesse acontecido. Talvez não tivéssemos o que aconteceu em 2005. Talvez não tivéssemos congressos unanimistas, que toda a gente sabe que não tem nenhum sentido numa democracia. Há alguma democracia tem 100% de apoio ou quase 100% de apoio a qualquer solução política, há alguma coisa de estranha nessa situação.

O problema das críticas é que as críticas têm que ser avaliadas pelo seu conteúdo não pelo facto de serem críticas. E nós somos um partido livre em que é bom que haja críticas, alguma vez alguém me viu, eu que apoio a actual liderança, criticar os críticos por emitirem críticas? Façam favor. Escrevam artigos, particularmente quando dizem que nunca vão criticar, escrevam, eu ao menos disse sempre que ia criticar. Escrevam artigos. Expliquem o seu ponto de vista, expliquem os seus pontos de vista.

A fragilidade das direcções é que as torna frágeis face às críticas, não é o debate político, o debate político é bem vindo, e o insulto pessoal é condenado por toda a gente.

Portanto, com toda a franqueza, vamos deixar de arranjar bodes expiatórios, não são as críticas que criaram o problema no nosso partido, foi má governação, foram erros partidários, isso é que criou o problema do nosso partido. E enquanto nós estivermos atentos apenas às questões das críticas e não formos capazes de perceber, como este exemplo que eu vos dei: conferências de imprensa ou o anúncio da retoma, o anúncio da retoma, em plena situação de crise económica-financeira, o anúncio da retoma, ainda por cima num jornal internacional, no Financial Times.

Quer dizer, numa altura em que a realidade…, por razões puramente eleitorais, é isso que se paga caro, é isso que se paga claro.

Portanto, vamos ser um partido que se habitue a que haja críticas, a que se habitue a que haja pessoas que façam críticas e que se discuta as críticas quando elas tenham substância. Quando elas não têm substância também ninguém lhes liga nenhuma, e, portanto, daí também não vem nenhum problema especial.

Em relação à última questão, os trajectos. Eu não lhe faça a lista aqui dos militantes do PSD que passaram pela extrema-esquerda e que ninguém imagina que passaram pela extrema-esquerda. Por uma simples razão, porque eu não vejo aí nenhum problema, toda a gente que foi mais velha e toda a gente que participou no movimento estudantil, e toda a gente que lutou pela liberdade, o fez no contexto em que muitas vezes essas palavras eram excessivas, sem dúvida.

Mas eu também quero saber por exemplo, quem é que quando a União Soviética era poderosa, quando veio cá o Sakarov, quem é que tinha coragem por exemplo, mesmo no partido social-democrata para apoiar os dissidentes soviéticos? E muito pouca gente a teve, Sá Carneiro foi um deles, mas muito pouca gente a teve. Porquê? Porque eram tratados de anti-comunistas e as pessoas só queriam ser anti-fascistas e não queriam ser anti-comunistas.

O trajecto individual é um elemento importante e que deve ser conhecido. Eu aprendi muito com a minha experiência da extrema-esquerda, muito, muito, não tenham sobre isso, muito sobre as qualidades pessoais das pessoas, porque exactamente era preciso ter muita coragem para fazer algumas coisas. E quando era preciso ter muita coragem para fazer algumas coisas a gente olha para as pessoas também em função da sua coragem, e olha as pessoas em função de serem ou não serem carreiristas, porque na altura tinham tudo a perder. Não é como agora que a gente pode perder um emprego ou um lugar. Podiam ser presas, podiam ter que fugir de Portugal, podiam ter que abandonar as namoradas ou a família de um dia para o outro, de uma hora para a outra, viviam permanentemente sob a sensação de receio e de medo. É uma realidade que felizmente vocês não conheceram, felizmente vocês não conheceram. Felizmente.

E era uma realidade e deixem-me dizer-vos, vou-vos contar uma coisa a que eu assisti, e talvez daquelas que traduz melhor o que era o ambiente que se vivia, e que é uma coisa muito pouco politizada num primeiro aspecto.

Eu lembro-me uma vez no Porto de ir num trolley-carro, isto antes do 25 de Abril, e ter havido uma zanga no trolley-carro daquelas zangas que à vezes acontecem entre o condutor do trolley-carro e um passageiro que tinha entrado, e essa zanga quem tinha razão era o condutor do trolley-carro, a maioria das pessoas no autocarro achava que quem tinha razão era o condutor, aquelas zangas habituais já não me lembro o pretexto, se porque ele entrou, se porque ele carregou no botão, se porque ele não saiu, se porque não apresentou o bilhete, não sei. Sei que a uma dada altura o homem que tinha a zanga com o condutor se levantou e disse eu sou agente da Pide e prendo-o, e prendeu o condutor do autocarro. E lembro-me de uma coisa muito mais importante do que isso: ninguém abriu a boca, ninguém abriu a boca. E toda a gente sabia que isto era uma completa prepotência, uma completa coisa sem sentido e o homem parou, teve que parar o trolley-carro saiu, e saiu com ele sobre prisão.

Aqui, o importante, não é o acto de violência do Pide, é o silêncio das pessoas no autocarro, toda a gente estava de acordo com o condutor, ninguém abriu a boca.

E, portanto, quando se vive em tempos como este e em tempos como este durante muitos anos, em que não se pode dizer o que se pensa, em que não se pode ver os filmes que se quer, em que não se pode escrever o que se entende. A censura cortou-me uma vez um artigo porque eu dizia a seguinte frase: prefiro uma só ode de Ricardo Reis a todo o António Nobre. Vocês perguntam: mas porquê? Porque o António Nobre era um poeta do regime, nacionalista e tudo, e o Ricardo Reis era um heterónimo de Pessoa com má fama de ser hedonista.

As pessoas têm que perceber que era este o mundo em que se vivia. Eu fui estudante do liceu e tive vários problemas com o meu Reitor. É bom que vocês também saibam disso. Eu fui director do jornal do meu Liceu Alexandre Coelho, “Prelúdio”, e nesse jornal tive vários problemas com o Reitor, um é um problema clássico publiquei um texto sobre o Fernando Lopes Graça e não se podia publicar textos sobre o Lopes Graça , que o Lopes Graça era comunista – clássico. Mas os outros são menos clássicos mas dão-vos uma ideia do ambiente que se vivia. Um deles foi o seguinte: eu publiquei um artigo sobre Picasso, e nesse artigo do Picasso ilustrei-o com um quadro do período azul do Picasso, que era um rapaz nu com um cavalo, um quadro muito conhecido do período azul. Fui chamado ao Reitor e o Reitor disse-me esse artigo e esse jornal não podem sair, não podem ser distribuídos. Porque é que não podem ser distribuídos? E percebi, e disse-lhe: é por o cavalo estar nu? Evidentemente que fui logo posto na rua. Porque não se podia publicar. Porque o problema dele era o rapaz estar nu num quadro do Picasso. E o terceiro problema que eu tive com o Reitor do meu liceu, foi um problema que eu só percebi quase 20 anos depois, tinha aquelas manias como toda a gente tem nos liceus, na altura, de fazer umas experiências poéticas e publiquei uma página sobre prosopoemas, e nessa página dos prosopoemas havia uns poemas com letras minúsculas e fui chamado ao Reitor, ser chamado ao Reitor era uma coisa apocalíptica na altura, porque nos liceus da época, que eram liceus, nestes caso, separados masculinos e femininos, a zona da reitoria nem sequer se podia nunca passar a não ser em caso de indisciplina, porque tinha uns contínuos e o Reitor morava no liceu com a família, sendo que eu nunca vi a família, só para verem a diferenciação, era um mundo muito diferente do mundo de hoje, e isto é em 66, 67, 68 não é assim há muito tempo. E ele pega na página sobre os prosopoemas e diz isto não pode sair porque isto é uma coisa comunista, eu com toda a franqueza não sabia porque é que aquilo era comunista. Vim a descobrir 20 anos depois, perceber porque é que o reitor não queria que aquilo saísse. O Reitor que era o professor Martinho Vaz Pires, que era professor de alemão, tinha feito a sua educação na Alemanha nazi, e era contemporâneo portanto dos conflitos entre os nazis e os comunistas que passavam também sobre questões de estética, penso que alguns de vocês conhecerão a Bauhaus, a Bauhaus era uma escola de arte muito importante em Berlim modernista que está na origem de muito design contemporâneo, e uma das coisas que eles faziam mas muito próxima dos comunistas alemães, era exactamente fazer textos sem maiúsculas, ora se um texto sem maiúsculas em português era comunista, então na Alemanha ainda era mais comunista porque como sabem os substantivos são em maiúsculas e portanto aquilo era um verdadeiro atentado contra a dignidade do povo alemão. E subitamente aquele reitor que sabia o que estava a dizer, porque ele tinha uma certa razão de ser, virava-se para mim que não percebia de todo porque é que não podia publicar dizendo: esse jornal não pode sair porque os textos estão em letras minúsculas e são os comunistas que usam as letras minúsculas para degradar a imagem da nação, a imagem do país.

Isto são exemplos concretos, pessoais, muita gente tem exemplos deste género. Agora vos digo, nós não podemos ser também indiferentes, quer dizer nós podemos e é evidente que isto criava um enorme sentimento de revolta e nos anos 60 esse sentimento de revolta era esquerdista, radical, maoista, praticamente em todo o mundo, mas essa geração em muitos casos foi fundamental nos anos 70 e 80, por exemplo, para travar o PCP e para dar aos jovens partidos democráticos inclusive em Portugal, aliados que eles não tinham de outro modo.

Quando Mário Soares, por exemplo, quis combater o Partido Comunista, quando Sá Carneiro quis combater o Partido Comunista muitos dos primeiros aliados que encontrou foi entre as alas dos esquerdistas.

Portanto a história é um bocado mais complicada.

E também devo dizer-vos para aqueles que me apresentam como tendo sido comunista desde ontem e social democrata desde hoje, que abandonei essas actividades pelas quais aliás tenho memória de que aprendi muito. Conheci gente pobre, coisa que a maioria das pessoas às vezes não conhece, conheci as fábricas por dentro, conheci problemas que nós hoje nunca falamos e são às vezes mais importantes do que aqueles que falamos, como por exemplo o problema do alcoolismo. Eu lembra-me em Espinho de reunir em casa de um pescador e ver o problema gravíssimo que era o problema do alcoolismo nas famílias dos pescadores. Nós hoje falamos da droga, falamos de outras coisas, uma parte importante dos portuguesas ainda tem um problema gravíssimo de alcoolismo que esquecemos.

Por isso devo dizer-vos que aprendi muito e que estas coisas não são como as doenças, sabem? Não se pegam. Porque se se pegam, então também temos aí muito antigo fascista que ninguém pelos vistos liga grande importância e muita gente que cometeu um pecado que vem no Dante, no Inferno de Dante, o pecado da acédia, que é o pecado de não tomar posição. Muito obrigado.

 

(APLAUSOS)

 

 

 

 
10.00 - Avaliação da UNIV 2008
12.00 Sessão de Encerramento da UNIV