ACTAS  
 
9/5/2008
Jantar-Conferência com o Prof. Dr. Arlindo Cunha
 
Dep.Carlos Coelho
- Vamos começar o nosso jantar com duas poesias declamadas pelos participantes nesta Universidade de Verão. Hoje, por sorteio, temos o grupo rosa e o grupo laranja. E ambos os grupos, curiosamente, escolheram poesias de Fernando Pessoa. Primeiro, vamos ouvir uma poesia do grupo laranja declamado por Clara Nogueira e António Barroso e o poema é “Monstrengo”. É um poema extraído de um livro notável chamada Mensagem. O grupo laranja quer transmitir com este poema, quer ao povo português e em particular à juventude portuguesa, que o povo português, em particular a juventude portuguesa tem ambições e que estão sempre prontos para embarcar em novas descobertas procurando mais e mais além, na infindável ânsia de desígnios maiores porque já nos convencemos que D. Sebastião não regressará. O segundo grupo acompanhado a guitarra será o grupo rosa, será a Irina Martins que declamará, também da Mensagem o poema O “Quinto Império”, uma parte sobre o nevoeiro, uma vez que consideram que é este o estado do país, neste momento, imerso em nevoeiro. Vamos , portanto, ouvir Fernando Pessoa declamado pelos nossos participantes.
 
Clara Nogueira

O monstrengo que está no fim do mar,

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse “Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?”

E o homem do leme, disse tremendo,

“El-Rei D. João Segundo!”



“De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?”

Disse o monstrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso,

“Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?”

E o homem do leme tremeu, e disse,

“El-Rei D. João Segundo!”



Três vezes do leme as mãos ergueu
,

Três vezes ao leme as repreendeu,

E disse no fim de tremer três vezes,

“Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um povo que quer o mar que é teu;

E mais que o monstrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!”

 
António Barroso
- E como o que impera na Universidade de Verão é a originalidade, nós vamos ter o prazer de oferecer ao Dr. Arlindo Cunha, para que nunca se esqueça que esteve na Universidade de Verão 2008, a mensagem que queremos passar e o poema porque, realmente, nós não queremos Portugal que deseje os tectos negros do fim do mundo.

(APLAUSOS)

 
Irina Martins

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer —

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo em que cerra.

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece a alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

 

É a Hora!

(APLAUSOS)

 
Nuno Pais
- Boa noite a todos, em especial boa noite ao Prof. Doutor Arlindo Cunha. Peço desculpa, mas eu desta vez vou romper com o habitual. Não quero fazer só um brinde mas quero fazer três. Demora um bocadinho mais. Em primeiro lugar e em nome do grupo bege, quero agradecer, mais uma vez, a presença de todos os nossos colegas e companheiros, alunos da Universidade de Verão. Mas, sobretudo, agradecer todos os momentos que nós já passámos juntos, temos que a certeza que é uma semana inesquecível para todos nós. Que daqui vamos levar, além da formação política, cívica e democrata, laços de amizade e de companheirismo que esperemos levar para toda a vida e boas recordações. Em segundo lugar, e não menos importante, queremos também agradecer à organização da Universidade de Verão. Sem eles nós não estaríamos cá e é devido a eles que a Universidade de Verão é uma realidade, representados pelo Magnífico Reitor, Carlos Coelho , todo o staff e todas as pessoas que estiveram presentes nesta organização. Agradecer-vos por tudo o que nos proporcionaram e desejar-vos que a Universidade de Verão conte tantos anos como todos nós ou ainda mais. Finalmente, e de forma especial, queremos agradecer e dar as boas-vindas a uma pessoa com um currículo invejável. É sem dúvida uma das pessoas de referência da política portuguesa europeia mas, sobretudo, uma pessoa de referência no seio do nosso partido. Ao Prof. Arlindo Cunha, muito boa noite, muito obrigado pela sua presença. E, por último, um brinde à Andreia, já agora.

(Brinde e Aplausos)

 
Dep.Carlos Coelho
- Sr. Prof. Doutor Arlindo Cunha, Sr. Presidente da JSD, Sr. Secretário-Geral Adjunto do PSD, Sr. Dr. Duarte Marques, Senhores Conselheiros, Senhores Avaliadores, minhas senhoras e meus senhores. Temos entre nós um homem notável sob o ponto de vista do seu perfil humano e eu sou testemunha disso, e com uma experiência política invejável. Um homem que teve uma infância difícil, que começou a trabalhar a terra com poucos anos, que se fez à custa dele na vida académica e no mundo da política. Foi uma das pessoas que se revelou na Comissão de Coordenação Regional do Norte, na altura presidida pelo Prof. Valente de Oliveira, Comissão de que uns dias mais tarde viria a ser Presidente . Um homem que foi trazido para o governo, no primeiro governo do Prof. Cavaco Silva, na altura, como Secretário de Estado, depois, como Ministro da Agricultura. Mais tarde, viria a ser noutro governo, com outro Primeiro-Ministro, com o Dr. Durão Barroso, o Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território, do Desenvolvimento Regional e do Ambiente. E foi Deputado Europeu. E eu aí fui testemunha do respeito dos colegas por tudo aquilo que o Prof. Arlindo Cunha dizia. Os relatórios mais importantes sobre agricultura eram dele. Ele marcou a posição não apenas de Portugal, mas do Parlamento Europeu em muitos dossiers. Prestígio que conseguiu quando foi Ministro da Agricultura e quando presidiu ao Conselho. Há histórias que não me cabe a mim contar, ele contará se quiser e se houver oportunidade para isso, como é que o martelo na mesa faz uma reforma da PAC. Uma reforma que todos diziam que era impossível, durante a primeira Presidência Portuguesa da União Europeia presidida por Cavaco Silva. O Conselho de Ministros da Agricultura era presidido pelo Prof. Arlindo Cunha e fez-se aquilo que muitos diziam que não era possível. O nosso convidado de hoje tem como hobby pescar, caçar e trabalhar nas vinhas porque ele é produtor de vinho, eu posso-vos dizer que é um excelente vinho. Um vinho que um homem agarrado à terra baptizou com o nome da terra, chama-se Ladeira Santa porque é o nome do local. Os amigos que gostam de beliscar o Prof. Arlindo Cunha, sabendo que ele é um católico fervoroso, em vez de Ladeira Santa dizem que ele produz o vinho da Santa da Ladeira (Risos); a comida preferida são sardinhas, carapaus e cavalas grelhados; o animal preferido é o burro porque trabalha muito e não se queixa; o livro que sugere é “O Século Chinês”; o filme que nos sugere “ A Man for All Seasons”; e a principal qualidade que mais aprecia é a autenticidade. E se querem um exemplo de homem autêntico têm na pessoa que está aqui ao meu lado. Sr. Professor muito obrigado por ter aceite o nosso convite. Nós convidámo-lo, não apenas porque gostávamos de o ter aqui na Universidade de Verão, mas porque um dos temas da actualidade é a subida do preço dos bens alimentares. Há várias equações complicadas. Primeiro, uma equação impossível entre o facto de todos os anos, todos os anos, haver mais 28 milhões de seres humanos para alimentar. Todos os anos, os nascimentos são 28 milhões de pessoas. Mais de 2 mil milhões de pessoas, estamos a falar de 1/3 da humanidade sobrevive com menos de 2 dólares por dia, dois dólares são, grosso modo, 1.60€, 2 mil milhões de pessoas, 1/3 da humanidade sobrevive para comer. E aqueles que não sobrevivem apenas graças à subsistência, isto é, que produzem aquilo que comem, têm de pagar o que comem, embora os preços do mercado dos sítios onde vivem, onde a subida do custo dos bens alimentares não é apenas uma questão de desconforto. Pode ser a diferença entre a vida e a morte. O aumento dos custos de produção, a subida da procura, o aumento do custo da energia, também a especulação são questões que estão sensíveis na ordem do dia. E o problema dos biocombustíveis. Os biocombustíveis estão aí, são recomendados por razões ambientais, mas lançam um problema ético. Não me recordo agora se foi a Newsweek se foi a Time que há três meses publicou um cartoon assassino: via-se um miúdo negro, pele e osso, com uma maçaroca de milho na mão e um capitalista fardado, vestido, gravata, a pegar na maçaroca e a dizer, dá-me porque eu preciso disso para abastecer o meu carro. Este conflito entre o destino de alguns cereais, entre a alimentação e os combustíveis, para lá de uma questão económica pode, nalguns locais, tornar-se numa questão ética. E, finalmente, uma questão de que é o Prof. Arlindo Cunha sabe melhor do que ninguém que é uma questão estratégica. Ainda ontem, o Dr. Alexandre Relvas fazia comentários amargos sobre a quantidade de dinheiro que o orçamento comunitário investe na agricultura. E eu, no Parlamento Europeu, estou muito habituado a esse debate. Todos os anos quando discutimos o orçamento, perguntamos se faz sentido investirmos na agricultura europeia aquilo que estamos a investir. Dito de outra maneira, se nós devemos subsidiar a agricultura europeia ou se faz mais sentido comprarmos os produtos mais baratos aos países do terceiro mundo. A questão da subida do custo dos bens alimentares pode tornar-se também uma discussão de natureza estratégica. Saber se a Europa que já, hoje, está dependente do exterior na energia, pode também ficar dependente na alimentação. E, portanto, são muitas questões para o debate. Eu tenho o privilégio de fazer a primeira pergunta para o Prof. Arlindo Cunha responder e eu sei que, a despeito das preocupações mundiais, os jovens que aqui estão à nossa frente também querem respostas mais imediatas. E, portanto, permita-me que lhe faça a seguinte pergunta: na sua opinião, a política agrícola que o governo Sócrates está a prosseguir, está em linha com as preocupações ambientais? Com as preocupações agrícolas? E com o cenário mundial de subida do custo dos bens alimentares? Ou é uma política fracassada? Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha e às vossas perguntas, o Prof. Dr. Arlindo Cunha.

(APLAUSOS)

 
Prof. Dr.Arlindo Cunha
- Boa noite. Começo aqui pelo nosso Magnífico Reitor, meu querido amigo Carlos Coelho. Não vou falar muito sobre ele senão eu comovia-me. E, portanto, acho que duas qualidades que vocês já descobriram: uma é ser o que se chama na língua inglesa um workaholic, ou seja, um viciado em trabalho; e a segunda é o facto de ser uma pessoa de uma extrema generosidade. Portanto, não falo mais sobre ele porque senão, eu próprio fico comovido porque tive o privilégio de ser seu amigo há muitos anos e colega durante dez anos de uma forma mais assídua. E, portanto, em primeiro lugar, queria também felicitá-lo porque o sucesso desta iniciativa do PSD tem uma marca, tem um nome, tem muita gente que generosamente colabora, com certeza, mas quem está à frente desse nome, dessa lista, chama-se Carlos Coelho e, portanto, eu queria registar isso. Acho que, as coisas quando se fazem, quando têm iniciativa, acho que o seu a seu dono, o Carlos Coelho está associado a esta iniciativa de grande sucesso. Depois, queria também dirigir-me aqui ao Presidente da JSD, aqui junto, o nosso Secretário-Geral Adjunto, Emídio, que já há muitos anos também conheço e toda a gente aqui presente. Tenho aqui também alguns amigos e conhecidos, o nosso Presidente da Câmara de Portalegre, também um homem ligado à agricultura e aqui outros autarcas, também saúdo daqui desta mesa.

O tema que, me propuseram é um tema que me é muito caro, naturalmente. E, portanto, há várias formas de abordar sempre uma questão, uma delas é ser muito chato e outra delas é procurar ser interactivo, portanto, ir àquilo que essencial. Até há pouco tempo, nós vivíamos na Europa e no mundo desenvolvido, numa expectativa de que não há nenhum problema, portanto, temos todos comida barata e abundante. E, de repente, em meados de 2007, isto muda tudo e no início de 2008, atingiu-se uma situação de quase histeria colectiva mundial sobre a escassez alimentar. É um pouco como vos dizerem na linguagem popular, quando nós somos novos e temos muita saúde, ninguém dá importância à saúde. Quando se começa a ficar mais velho e mais doente, então, a saúde começa a ser um bem importante. É a lógica económica da escassez do bem que define o seu valor. Não é preciso ser economista para perceber isto. E, portanto, aqui no caso da agricultura, ninguém lhe ligava nenhuma importância até ao momento em que se percebeu, atenção, pode haver problemas de alimentação. Bom, a primeira questão que há aqui que falar é porque é que esta crise aconteceu. Vou-me aqui limitar à disciplina férrea que me impôs aqui o Sr. Reitor, portanto, vinte minutos e espero não prevaricar. O que é que aconteceu? Porque é que nós chegámos aqui, a meados de 2007, 2008, numa situação que causou esta histeria a nível mundial e este alarmismo? Bom, vamos ver o que é que aconteceu nos mercados alimentares nos últimos trinta anos. Em primeiro lugar, verificámos que a partir dos anos 50, sobretudo, houve um crescimento enorme das produtividades, fruto de o que, hoje em dia, se chama OGMs, Organismos Geneticamente Modificados que, para os ecologistas, é uma palavra maldita. Os americanos chamam-lhe enhancement, portanto, melhoria, enhancement. Nos anos 50, isto chamava-se melhoria genética. E, no fundo, a verdade é a melhoria genética, hoje em dia chama-se manipulação. Agora, nos anos 50 houve, sobretudo, digamos, na parte americana e também na parte europeia e asiática, uma revolução tecnológica que produziu variedades híbridas de vários produtos, cereais, sobretudo, que deram origem à chamada revolução verde que fez com que a produção disparasse. No meu tempo de miúdo, na minha aldeia, uma maçaroca de milho era pequenina, era assim, portanto, tinha meio palmo. Hoje em dia, tem dois palmos, três palmos. Portanto, isso produziu-se nos anos 50 e foi assim para o milho, para o arroz, para o trigo para os cereais, e foi assim que nos países emergentes que já na altura se destacavam, como a Índia, sobretudo e a Ásia, se salvaram da fome. No arroz e no milho e tudo isso. Portanto, houve uma revolução tecnológica nos anos 50 que ainda hoje reproduziu efeitos, e que teve um enorme aumento das produtividades. O que é que se verificou? Verificou-se que por força deste surto tecnológico e do aumento da produção, vivemos há 30 anos, até agora, há dois atrás, numa situação de mercados excedentários. Portanto, excesso da oferta sobre a procura, ali o S para quem estudou economia, quer dizer supply, portanto, e o D, demand. Portanto, a oferta sobre a procura. E, portanto, como resultado de um excedente da oferta sobre a procura, a tendência natural é uma revolução de preços. Neste período de 30 anos, houve dois, três períodos de um ano e meio em que houve uma situação conjuntural contrária, mas a norma foi sempre uma redução dos preços agrícolas. Enquanto que em 30 anos a produção alimentar em geral triplicou, os preços agrícolas baixaram 75%. Em termos reais, portanto, têm aqui uma ideia de como é que a tecnologia, por via, do aumento da oferta, permitiu, uma redução de preços. E, depois, o que nós verificámos é que os países mais competitivos na agricultura, (sobretudo os países desenvolvidos, está ali como PD e os países emergentes, a Índia, a própria China, actualmente, mas sobretudo a América do Sul, a Argentina, o Uruguai e o Brasil), começaram a pressionar a nível mundial, no contexto da Organização Mundial de Comércio, na OMC, para que a agricultura fosse liberalizada porque no passado, o comércio agro-alimentar era muito condicionado porque os países tinham medo de abrirem o seu mercado porque, de repente, entravam produtos mais baratos e podia desaparecer a sua produção. Na História política das nações, a agricultura sempre foi uma arma fundamental, era a segurança alimentar, era a garantia de que ninguém morria, que a sociedade era estável. E muitos países não abriam o mercado à concorrência externa com receio de que isso pudesse criar-lhes problemas de instabilidade e, eventualmente, de fome. E daí que, mas como esta situação de excedente de produção sobre a procura houve, nestes últimos anos, uma grande pressão para que houvesse uma liberalização do comércio agro-alimentar. Isso aconteceu, finalmente, com a Ronda do Uruguai em 94. Isso aconteceu quando se verificou a liberalização dos mercados, em que os países da Ásia e, sobretudo, os países da América latina, Brasil, Argentina, Uruguai e Austrália, Nova Zelândia, etc., marcaram o mercado mundial com preços baixos porque eram potências muito competitivas em termos agrícolas. E nessa altura, o que é que aconteceu? Como os preços internos baixaram muito por força dessa liberalização comercial, os países mais ricos resolveram o problema facilmente que foi criar ajudas directas ao rendimento. Portanto, baixaram os preços, para não se baixar o nível de vida dos agricultores, criaram-se ajudas directas ao rendimento e, no fundo, a lógica de reformas da PAC, desde 92, como o Carlos Coelho referiu, foi nesse sentido. Temos que baixar os preços de garantia porque isso é incompatível com o comércio internacional liberalizado, mas, não podemos deixar cair, de repente, o nível de vida dos agricultores e daí compensamos com ajudas directas de rendimento. Isso aconteceu, os países ricos que puderam, subsidiaram os agricultores, dando-lhes ajudas ao rendimento e subsidiaram a exportação. Como tínhamos preços mais altos, para sermos competitivos tínhamos que dar um subsídio à exportação para irmos lá para fora. Não vou dar aqui detalhes, depois no nosso debate podemos ir mais longe. Mas, o que é que acontece? É que os países mais pobres, os PMA’s, países Menos Avançados, ficaram completamente esmagados. Enquanto que, países desenvolvidos puderam, ajudar os agricultores com subsídios, os países mais atrasados, em geral, os países ACP, (África, Caraíbas e Pacífico) com baixas produtividades, e pouca competitividade foram esmagados por preços baixos. Ou seja, os preços no mercado mundial eram tão baixos que não lhes compensava produzir localmente, daí importavam. Em toda a África, designadamente, a produção local quase não se desenvolveu fruto da liberalização do mercado mundial com preços muito baixos e, portanto, não compensava localmente produzir bens alimentares. Têm aqui um gráfico que mostra na União Europeia, desde 1986, nos últimos vinte anos, a tendência dos preços, em termos reais. E então, agora chegamos aqui ao que eu chamo o sismo dos mercados agrícolas de 2007,2008. E verificamos aqui que entre 2007 e meados de 2008, os preços dos bens essenciais subiram, em geral, na Europa entre 25 e 50%. Reparem que, quando estamos a falar de bens alimentares que são essenciais para as populações, de repente, num curto espaço de tempo, um bem subir 50%, (um bem essencial), é muito grave. Como disse também há pouco o Carlos Coelho , isto traz consequências especialmente graves para as famílias mais pobres. Em Portugal, dá ali uma indicação, nos 10% das famílias com mais baixos rendimentos, gasta-se 25% desse rendimento disponível em alimentação enquanto que nos 10% mais ricos gasta-se apenas 10%. Mas em países como a Índia ou a China gasta-se 60%. E aqui têm uma ideia do impacto que isto tem nos orçamentos das famílias mais pobres. Aliás, a Presidente do PSD, aqui há uns tempos atrás, escreveu um notável artigo no Expresso, quando isto foi uma questão mais mediática, sobre esta matéria. Quais foram as causas próximas desta crise? Porque é que se atingiu esta situação? Hoje em dia estão identificadas as duas principais razões desta crise alimentar. Uma foi, aqueles países que eram produtores e exportadores de cereais, (e os cereais são o bem mais essencial para tudo porque são importantes não só para as pessoas, como para alimentar os animais para depois, digamos, produzir carne. Não estou a falar de coelhos, naturalmente, estou a falar de animais mais substanciais (Risos). Houve, maus anos agrícolas na Austrália, no Canadá, na Ucrânia, na Argentina que são grandes celeiros mundiais. E, portanto, isso foi um facto importante. Mas houve também, sobretudo, um aumento da procura nesse países emergentes. Portanto, países como a China, países como a Índia, o Paquistão, a Indonésia, a Tailândia, o Vietname, com imensa população onde está para aí 40% da população mundial, por fruto, curiosamente, da globalização, porque a China aderiu à Organização Mundial de Comércio em 2002, de repente, tiveram acesso aos mercados mundiais…

(Um minuto inaudível)

Prof. Dr. Arlindo Cunha: - … em termos anuais. Isso permitiu uma melhoria clara da qualidade de vida das pessoas. Começaram, por exemplo, a comer carne que era um bem escassíssimo para muita gente. Portanto, isto deu como resultado um aumento enorme da procura, de bens alimentares e foi essa causa conjugada do aumento da procura nestes países com a produção escassa nalguns países grandes produtores que foi a principal responsável, de facto, por este pico de crise. Depois, quando se verificou que os bens agrícolas eram um bem importante começou a haver especulação nos mercados financeiros, curiosamente. Hoje em dia, há talvez duas, três centenas de bens, vocês sabem que nos bancos, nós chegamos lá, todos os dias recebemos cartas a dizer assim: olhe, compre este crédito, isto, aquilo. Compre, não sei quê. Portanto, todos os dias os bancos são agressivos em termos comerciais para nos venderem um produto financeiro. Ora bem, vender uma colheita que agora ainda nem se semeou para daqui a três anos, hoje em dia, é um produto financeiro nos grandes bancos internacionais. Ou seja, e como houve a crise do imobiliário, (os bancos apanharam, de facto, uma grande pancada financeira), grande parte do capital internacional que anda para aí à espera de um pequenino nichozinho para ganhar mais alguma coisa, como deixou de ter essa oportunidade, foi para os mercados agro-alimentares. E isso também explica, tal como no petróleo, porque é que, por vezes, numa situação que em termos de produção, oferta até é equilibrada, por força das dinâmicas da aplicação de capitais aconteça que há estes picos de desequilíbrio. E, depois, naturalmente, também se falou muito sobre o desvio da produção de cereais para os biocombustíveis. Especialmente, na União Europeia, hoje em dia há, de facto, um desafio e há metas a cumprir nessa matéria. A nível mundial, 17 milhões de toneladas foram desviadas para biocombustíveis, mas a baixa da produção daqueles principais países foi 60 milhões de toneladas no ano de 2008. Portanto, apesar de tudo, foi mais grave a baixa da produção do que o desvio da produção para biocombustíveis. Mas mais importante do que isso, é que na União Europeia, apenas 1% dos cereais vai para biocombustíveis, atenção, convém não exagerar quando se culpam na União Europeia os biocombustíveis. E, depois, há uma coisa importantíssima que é, nos países mais pobres do mundo, deixou quase de se produzir em termos agrícolas porque era muito barato, tão barato importar do mercado mundial. Estou a falar, por exemplo, de Angola, é um país que eu conheço bem. Angola tem condições fabulosas para produzir cereais, milho, trigo, carne, leite, simplesmente, não tem nada disso. Funciona a economia local, faz a mandioca, faz aquelas produções locais para as populações, o resto é tudo importado que é muito mais barato. E, depois, também há aqui um factor importante, em termos, da dificuldade dos agricultores, que é o aumento dos custos dos combustíveis que teve efeitos muito grandes nos custos de produção agrícola também. Esta situação, é uma questão que veio para ficar ou é uma coisa conjuntural? A FAO publicou há pouco tempo umas estimativas que dizem, muito simplesmente, que daqui até ao ano 2050, a procura alimentar vai duplicar e vamos ter mais 3 mil milhões de habitantes. E, portanto, isso significa que, feitas as ***contas, nós temos que mobilizar mais os recursos produtivos da terra e, portanto, acontece que esta situação não é conjuntural. Ou seja, aquele pico de 2008, fica num planalto, mas nunca mais voltaremos à fase anterior. Portanto, temos todos que pensar que tal como, com a crise do petróleo, acabou a época da energia barata, também aqui, neste caso, acabou a época da comida barata. E esse é um grande desafio que se coloca aos vários países daqui para a frente para as suas agriculturas. Isto aqui é só para verem um pouco como é que os países mais pobres (que é mo gráfico, a barra da direita) tiveram taxas de crescimento médio, no último decénio, muito elevados, em contraste com os países que ficaram isolados, fora do movimento da globalização que tiveram taxas até negativas e, depois, os países ricos que andam sempre ali entre os 2-3% de crescimento. Eu agora terminava com seis lições para o futuro que nós podemos extrair desta crise. Primeiro, é que nós temos que repensar ao nível mundial e eu agora falo também da Europa, e de nós próprios, o que é que temos que pensar como responsáveis políticos, em termos de tecnologias agrícolas? Nos últimos 70, 80, 100 anos vivemos um ciclo de evolução tecnológica baseada na mecanização e nos agroquímicos, portanto, sabemos isso: pesticidas, fertilizantes, fitosanitários. Isso, hoje em dia, atingiu o seu limite de crescimento, está a ter efeitos no ambiente que são insuportáveis para o futuro. Quer dizer, não se pode intensificar o seu uso. Acabou-se. É necessário pensarmos em dispor de plantas, sementes, animais que sejam igualmente produtivos ou mais produtivos ainda para responder ao aumento da procura que é previsto, mas sejam resistentes às pragas. Hoje em dia, com a mudança climática, o grande drama da agricultura é controlar as pragas de mosquitos, moscas, as coisas mais diversas. Estão aqui ilustres agrónomos, conhecem esta história. Por exemplo, só aqui um pequeno parêntesis, se alguém aqui produzir, por exemplo, maçãs ou fruta, ou peras, tenha muito cuidado porque quando elas começarem a ficar doces, se não as tratarem de imediato, vem a mosca mediterrânea e pica aquilo tudo e, no dia seguinte, daqui a uma semana, têm lá tudo podre. A mosca mediterrânea era uma coisa que não existia em Portugal há 20 anos. Hoje em dia, vem por aí acima, vai até à Galiza. Isto só para dizer que temos que pensar em novas plantas, novas produções agrícolas que sejam resistentes às doenças e às pragas, sem ser à custa de fitosanitários que são em si mesmo tóxicos, como sabemos. Logo, moral da história, temos que apostar muito fortemente na biotecnologia que para alguns sectores da sociedade é algo de maldito, mas que tem que ser encarada com seriedade porque julgo que não há grandes alternativas. Eu acho que, nesta matéria, é necessário, acabarmos com a política que eu chamo de meias tintas em matérias de organismos transgénicos. Temos que pensar a sério como é que nós podemos produzir produtos ou animais que tenham estas performances, que dêem estas respostas mas, naturalmente, que preservem regras básicas de segurança alimentar e de ambiente. Porque a alternativa é continuar a intoxicar o nosso ambiente com agroquímicos ou com fitosanitários e isso tem, naturalmente, custos ainda piores no futuro. Hoje em dia, a luta contra estas matérias é quase uma ideologia para muito gente e, naturalmente, um bocado preconceituosa. Temos que despir essas camisas e também alguns interesses encobertos porque, como sabem, muitos destes movimentos vêm da França e os franceses se fossem eles a produzir estes organismos transgénicos, naturalmente, teriam outra abertura. Mas como isto é quase tudo americano têm uma reacção bastante diferente. Outra lição importante: é preciso pensar no modelo de reforma da PAC. A Política Agrícola Comum que foi seguida nos últimos vinte anos foi feita, como eu disse há bocadinho, para um contexto de mercados excedentários e em que o objectivo era desencorajar a produção. Quer dizer, nós tínhamos na Europa, um problema complicado. Eram os excedentes que produzíamos demasiado, tínhamos que nos livrar deles. E, portanto, a PAC, desde 92, praticamente aliás desde meados dos anos 80, todas as reformas que se fizeram da PAC, foram no sentido de reduzirmos a produção, desencorajar os agricultores de produzir. E, por isso, criaram-se ajudas mesmo para que os agricultores não produzissem. E a pergunta, hoje em dia, com esta perspectiva da escassez alimentar, é se faz algum sentido pagar para não produzir. Como sabem, hoje em dia, há o pousio obrigatório, (agora já foi acabado), mas havia até pouco tempo, os agricultores em 15% da sua terra e depois em 10% da terra, mais tarde, não podiam produzir. Porquê? Precisamente para produzir menos, para não haver muita produção. Mas recebiam uma ajuda por essa terra que não produzia. Até isto foi uma matéria muito politizada aqui há uns atrás que era pagar para não produzir. Mas era um facto. A política agrícola europeia não inventou nada de novo. Foi como na América, há vinte anos. Havia um problema de excedentes de produção face ao mercado e então a política agrícola teve que arranjar instrumentos que encorajassem a não produzir. Não faz sentido hoje em dia, neste novo contexto, pagar para não produzir. Temos que repensar a própria lógica da distribuição das ajudas à agricultura. Dizia aqui há pouco o Carlos Coelho que um dos temas recorrentes do orçamento, da União Europeia é o dinheiro da PAC. Eu acho que o dinheiro da PAC é demasiado até, chegava e sobrava menos se fosse bem distribuído. Infelizmente, está muito mal distribuído e naturalmente que os países que criaram a PAC têm, de facto, uma situação privilegiada e isto é a velha lógica do que diz quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é burro ou não sabe da arte. E, portanto, o facto é que quem criou a PAC, sobretudo os franceses, os alemães e os ingleses, e os holandeses levam 60% de todo este dinheiro e, isso é de facto, muito questionável. Mas isso é um outro debate que tinha a ver com aquilo que se chama a economia política da União Europeia. Uma outra questão fundamental é a revisão do programa dos biocombustíveis. É um facto que dentro da União Europeia, os biocombustíveis não são uma coisa muito importante, só 1% dos cereais é que vão para biocombustíveis. De qualquer das formas, é muito importante pensar no futuro em soluções de plantas que sejam “performentes”, digamos assim, eficazes para fazerem biocombustíveis mas que não sejam tão conflituais com a alimentação humana. Portanto, pensar em soluções como a cana do açúcar, os cardos, a biomassa florestal ou a própria jatrofa que é uma erva que, em Portugal, chama-se erva porqueira que se dá nalgumas regiões do sul. Ou seja, a União Europeia tem que apostar fortemente em tecnologias de investigação em novas plantas, novas variedades que sejam boas e eficazes para produzir biocombustíveis, mas não sejam competitivas com a alimentação humana. Este é o grande desafio que temos pela frente. A jatrofa, (a erva porqueira) era essencial para a iluminação pública da Lisboa do século XVIII, alimentada com óleo de jatrofa que vinha de Cabo Verde. Hoje em dia, as grandes empresas internacionais estão a apostar em África, por exemplo, a Galp Energia está a apostar em Moçambique e muitos milhares de hectares para produzir jatrofa, que é uma oleaginosa e não é para a alimentação humana, portanto, não é conflitual e que pode ser uma solução interessante. Na União Europeia temos de ter imaginação para encontrar plantas que respondam a este desafio sem conflituar com a alimentação humana. Outra questão importante e fundamental. Nos últimos anos a agricultura foi praticamente arredada do debate político e mediático da União Europeia. Eu lembro-me quando era Ministro da Agricultura, (já lá vão uns anos), a agricultura vinha todos os dias nos jornais, televisão, era um ponto fortíssimo de debate político. Nos últimos anos, ninguém fala da agricultura nos jornais. E se falam é só para dizer mal dos agricultores porque recebem subsídios. Mais nada. Um Ministro da Agricultura seja quem for, faz os maiores disparates e ninguém fala dele. Isto porquê? Porque, de facto, os media, desligaram da agricultura, passou a ser um sector sem importância. E daí, a própria União Europeia procura nos seus orçamentos anuais reduzir sempre o apoio à agricultura. Nos últimos anos andámos num discurso político que marginalizou completamente a agricultura. E, o que é que nós verificámos? Foi preciso esta crise profunda no mercado agro-alimentar para nos apercebermos que a agricultura tem uma importância estratégica para a estabilidade e soberania, reparem bem, a palavra soberania das sociedades e para a segurança dos abastecimentos. Porque pode ser tudo muito bonito, mas se não há que comer, há guerra, seguramente. É bom termos a noção de que é fundamental nunca darmos nada por adquirido. E nós dávamos por adquirido que a comida era abundante, inesgotável e era sempre barata. E ficou provado que não é assim. Portanto, é um dado novo que temos que pôr nos nossos quadros de raciocínio. O que é fundamental é que a agricultura voltou ao centro da agenda política, e estratégica e eu nunca me esqueço de um artigo que li num jornal “Libération”, aqui há uns dois meses atrás, que dizia, com aquela sabedoria de intelectual francesa, que a agricultura é um dos ofícios do futuro. Imaginem bem, aqui há uns tempos atrás, a agricultura era passado. Ninguém queria pensar nisso. Portanto, volta a ser um dos temas do futuro. Bom e então agora para terminar e cá entre nós, em Portugal? Só aqui um pequeno aperitivo para o debate (já vi aqui nestas perguntas que fizeram vêm várias questões sobre Portugal). Bom, sobre Portugal, o governo que temos actualmente… Uma das questões fundamentais para a agricultura, (sobretudo para a rega) é o gasto de energia, imensa energia. E, portanto, criou-se, como quase todos os países europeus têm, um regime especial, uma tarifa reduzida para electricidade agrícola. Foi feita uma inspecção e o governo descobriu que havia meia dúzia de pessoas que utilizavam esta electricidade para aquecer as piscinas (foram para aí dez ou doze que foram descobertos) e, então, vários milhares apanharam por tabela. Acabou com o subsídio, ponto final. Foi uma questão muito debatida aqui, uma grande ajuda do governo para resolver o problema e incentivar os agricultores a produzir, foi acabar com o apoio?. E mais, congelou o gasóleo agrícola que também é uma tarifa mais reduzida quando, ao mesmo tempo, aumentou para as pescas, para os transportes, etc. O PRODER é o programa de desenvolvimento rural que é um programa de apoio à modernização da agricultura. Bom, e então tem lá uma parte que se chama fileiras estratégicas, ou seja, um apoio especial aos sectores que ele considera fundamentais para a sociedade. E quais são os sectores fundamentais? Produtos tradicionais, vinho, frutas e tudo isso, azeite, produtos tradicionais como os cogumelos, o bicho da seda, o mel, etc. Mas, atenção, os cereais, as oleaginosas, o leite, a carne, os ovos não são estratégicos. Portanto, cá está um vício de forma, um vício de raciocínio. E isto é uma coisa fundamental. Foi preciso agora que acontecesse esta crise para o governo descobrir que, afinal, andava a pensar noutro planeta e não neste. Nos dois primeiros anos do governo, dois e meio, aliás, até há quase um ano atrás, o governo suprimiu completamente os apoios à modernização da agricultura. Sempre existiram esquemas de apoio ao investimento e isto acabou, esteve parado durante dois anos e meio. Portanto, o governo não financiou a modernização da agricultura. Agora quando saiu este programa de desenvolvimento rural, daqui até 2013, propõe-se apoiar 18.000 agricultores a modernizarem-se. Bom, é 6% do que nós temos em Portugal de agricultores, portanto, agora vejam qual é a ambição de um governo que quer desenvolver a agricultura, modernizando-a propondo-se apenas apoiar 6% dos seus agricultores a evoluírem. Pior do que isso. Não gasta os apoios que tem da União Europeia para apoiar a agricultura. No ano passado, devolvemos a Bruxelas 70 milhões de Euros porque não tínhamos 15% do orçamento do Estado para co-financiar. É uma questão que é gravíssima. Se isso acontecesse nos governos do PSD, estávamos feitos num oito, éramos corridos no dia seguinte. Mas, agora, não sei porquê, cá está, porque a agricultura deixou de ser importante em termos mediáticos e podem ir para Bruxelas milhões, que ninguém diz nada. Uma coisa muito grave é o que está a acontecer com a relação do governo com as organizações agrícolas. Desde há mais de 20 anos, as políticas dos vários governos do PSD e mesmo com os governos do PS do António Guterres, foi no sentido de o Estado passar algumas das suas funções do terreno, receber ajudas, aconselhar os agricultores, etc.. Não tinha que ser o Estado a fazê-las com um exército de funcionários. Fazia sentido passá-las para as associações agrícolas, as cooperativas dando-lhes um apoio para elas fazerem isso. Pois, este governo foi o primeiro que acabou com isso tudo. Portanto voltou a reforçar o peso do Estado, voltou a recriar as zonas agrárias, acabou com os subsídios às organizações agrícolas e, portanto, voltou a ser um governo profundamente centralista. O que é curioso, faz um discurso de descentralização e até de regionalização e depois, na prática, faz isto. Só para terminar… o governo faz isto tudo e diz a seguir que vai fazer uns Estados Gerais da Agricultura. Já agora, como se lembram na história dos Estados Gerais, isto tem um histórico, no tempo do António Guterres, a preparação da sua vitória política foi os Estados Gerais para o País que era um grande debate e que era importante para o País. E, agora, o Prof. Cavaco Silva foi à Ovibeja que é uma grande feira agrícola no Alentejo e fez uma grande crítica à agricultura e deu ali um recado cirúrgico, como ele sabe dar, a dizer que era preciso que o governo tivesse mais um bocado de atenção e carinho para com os agricultores. Depois, no dia seguinte, veio o Ministro dizer, vai fazer uns Estados Gerais sobre a agricultura. Mas a moral da história, a forma como tem tratado a agricultura é que vai fazê-lo, seguramente, mas é sem os agricultores. E, portanto, espero que, quando o PSD for governo e espero que não demore muito tempo, a política não seja esta. Muito obrigado.

(APLAUSOS)

 
Dep.Carlos Coelho
- Muito obrigado, Sr. Professor. Vamos então entrar na fase de debate. Vamos fazer blocos de duas questões. Primeiro, grupo laranja, Elsa Marmelo e Benjamim do grupo Amarelo.
 
Elsa Marmelo
- Muito boa noite. Em nome do grupo laranja queríamos saudar o Prof. Dr. Arlindo Cunha pela sua presença, mas também porque, a partir de hoje, passa a fazer parte desta fabulosa família que é a Universidade de Verão. O nosso muito obrigado. A nossa pergunta não vai no seguimento daquilo que acabou de falar, nem vamos falar de biocombustíveis, nem PRODER, nem da sua passagem como Ministro da Agricultura, nem das cidades. Mas, sim, vamos falar do seu hobby, do seu gosto pelas vinhas. Uma actividade que, seguramente, labora com alguma paixão e muito gosto. E tendo em conta que o sector vitivinícola é uma das áreas onde Portugal tem tradição e sucesso, entende-se que o relatório Proter II teve alguma influência sobre o sector. Gostaríamos de perguntar-lhe, tendo em conta a sua experiência profissional e política, como perspectiva o futuro do vinho português num mercado cada vez mais global e competitivo? Obrigada.
 
Benjamim
- Boa noite. Em nome do grupo amarelo agradeço a sua presença neste jantar. Dr. Arlindo Cunha é com muito orgulho que digo que nasci no seio da agricultura, a actividade económica da minha família. Entristece-me o rumo que a agricultura leva em Portugal. Este Ministro da Agricultura podíamos considerá-lo como o assassino da agricultura portuguesa. Na minha casa agrícola como muitas outras do país, reduzimos a nossa produção nos últimos anos. Um facto que constatámos após considerar que o esforço que desenvolvíamos não era reconhecido financeiramente. Portugal não é um país auto-suficiente, nem perto disso. Temos uma agricultura débil. Estamos, neste momento, a assistir a uma crise mundial que afecta também o nosso país, mas nós, europeus, temos uma quota-parte de culpa nessa crise. Nós temos uma política agrícola comum que não nos incentiva a produzir. Pelo contrário, arruína a nossa agricultura. Eu pergunto-lhe se não acha que está na altura da mudança na agricultura portuguesa? Incentivar a nossa agricultura, pagar, por exemplo, os subsídios a tempo e horas, uma coisa que o nosso Ministro diz que faz mas que constatamos que é irreal. Assim, os jovens agricultores que querem ser agricultores não conseguem. Deste modo, pergunto-lhe se, como lhe estava a dizer há pouco, não estava na altura da mudança na agricultura portuguesa de modo a que um agricultor português possa ser um empresário bem sucedido? Muito obrigado.
 
Prof. Dr.Arlindo Cunha
- Muito obrigado pelas questões. Bom, em relação à primeira questão ali do nosso grupo laranja, da Elsa. Os vinhos são um sector, de facto, estratégico em Portugal mas, na verdade, os vinhos são um sector em Portugal e na Europa dos que mais sofreu o impacto da globalização dos mercados. Hoje em dia, vocês vão ali a qualquer grande superfície, por exemplo, o Lidl e vêem vinhos da África do Sul a 1€, 1,20€, 1.50€. Quer dizer, para um produtor português ou francês, ou espanhol produzir um vinho engarrafado, com rótulo a 1€ é uma coisa terrível. É muito difícil. E, portanto, é um sector sujeito a grande pressão, mas naturalmente temos que pensar um bocadinho numa segmentação dos mercados, na qualidade e, sobretudo, dirigido, produzir vinhos para mercados. Temos que receber o que vem dos outros, mas temos que saber onde é que vendemos bem o que é nosso. E o relatório Porter que citou vem nesse sentido, precisamente. Vem-nos dizer que, nós em Portugal temos de ter uma política muito determinada em termos de mercado. Ou seja, temos de saber para onde é que queremos vender. Concentrar, não dispersar, mandar para aqui uma garrafa, para ali outra e por aí fora. E então sugeriu que a gente concentrasse os nossos mercados em meia dúzia deles, portanto, na Alemanha, nos Estados Unidos, por exemplo, os que me lembra, no Brasil e, portanto, estudar bem, na Inglaterra, estudar bem esses mercados e, então, pôr lá os produtos que os consumidores lá procuram. Eu acho que foi uma boa estratégia porque, em Portugal nunca tinha havido uma política de externalização do vinho e isso permitiu organizar a ViniPortugal. A ViniPortugal é uma organização de empresas que, de facto, faz a promoção externa do vinho português e, com a criação da ViniPortugal e com o direccionamento a certos mercados alvo, está-se a trabalhar no sentido de conseguirmos vender o nosso vinho, sobretudo, de qualidade para mercados que paguem bem. O relatório Porter II, precisamente, veio nesse sentido.

Em relação ao grupo amarelo, o Benjamim, a sua pergunta é muito vasta. Claro que está mais que na hora da mudança. É evidente. Não só na agricultura. Eu olho para o meu país, tenho a noção de que nas coisas fundamentais um país tem que ser um país de coesão. Olho para o país que está a morrer que é o país do Interior onde porque não há massa crítica nem mercado para ter, serviços públicos fecham-se porque é mais barato e, portanto, eu pergunto se o Estado não serve para manter a coesão territorial e social, para que é que serve? E, curiosamente, é um governo socialista que está a ser o menos coeso de sempre. Não conheço nenhum assim. Isto também se aplica à agricultura. E, de facto, o que é que acontece na agricultura em termos políticos rigorosos? É isto. Quando o Ministro da Agricultura é atacado, portanto, quando é criticado pelas mais diversas razões, citei há bocado ali algumas, há muitas outras. Quando é criticado, ele responde sempre de uma maneira. A reacção dele é automática. Vem espetar na cara dos agricultores, os subsídios que eles recebem. Quando o Ministro da Agricultura não serve para dar um pouco de moral, para dar um pouco de apoio à classe, para que é que serve o Ministro da Agricultura? Alguns dos seus comportamentos aqui, de facto, são muitos estranhos e talvez só possam ser compreendidos se souberem que ele é um funcionário da Comissão Europeia e que, no fundo, veio cá fazer uma comissão de serviço para depois ser promovido. Para ser promovido, depois, quando regressar a Bruxelas.

 
Dep.Carlos Coelho
- Grupo rosa, Romeu Sequeira e Cristina Frazão do grupo Roxo.
 
Romeu Sequeira
- Boa noite, Prof. Arlindo Cunha. É, de facto, um enorme prazer recebê-lo cá na Universidade de Verão. Sendo também, eu, um viticultor de uma região mais acima do Dão, da região do Douro, conheço muito bem o seu trabalho, quer na região norte, mas também em todo o país. De facto, assisti também ao seu trabalho não só na Organização Mundial de Comércio, mas também e principalmente no Parlamento Europeu, onde sempre defendeu a causa portuguesa da agricultura. Porque realmente e há pouco, como dizia, os tigres da Europa sempre conseguiram levar a melhor e como falou há pouco o Dep. Carlos Coelho , deu-me imenso prazer uma altura em que o Dr. Arlindo através de um murro em cima de uma mesa conseguiu pôr em sentido os franceses, os alemães e por aí adiante. Foi, realmente, um momento que me encheu cheio de honra por ser português. A isso, agradeço imenso. Nós, de facto, nos últimos anos e também como referiu há pouco, a agricultura tem sido esquecida totalmente. Digamos que não faz parte nem das lides da imprensa, nem dos políticos actuais. Mas a mim também não surpreende porque, tivemos a visita há pouco tempo de uma pessoa do PS que me questionou dizendo que o vintage não era vinho do Porto, mas sim era vinho de mesa. Nós tendo políticos deste género, como é que vamos conseguir fazer com que a agricultura mude e consiga realmente enfrentar alguns países na Europa? É, de facto, muito difícil e, por isso, não conto com a ajuda do Partido Socialista para fazer mudar este país. Porque, realmente, deste género não vamos conseguir fazer nada. Por isso, espero, realmente, que para o próximo ano, o PSD ganhe as eleições e, seja realmente possível através do novo Ministério da Agricultura conseguir mudar o nosso país. E relativamente à minha questão é a seguinte: o que é que o Dr. Arlindo pensa que vai acontecer às pequenas e médias empresas agrícolas que é o meu caso, por exemplo, porque devido a estas reformas todas não vai ser fácil. E gostaria, realmente, de saber qual é a sua opinião e o que havemos de fazer? Muito obrigado.
 
Cristina Frazão
- Boa noite. É como muito gosto que somos o grupo anfitrião e damos as boas vindas ao Prof. Dr. Arlindo Cunha. Vamos pôr agora a nossa questão. O Ministro da Agricultura declarou que o Estado não é o melhor gestor da floresta nacional. Cedendo assim a sua gestão a privados, está a ceder a lobbies e a prejudicar a nossa qualidade de vida em detrimento de grandes receitas. O que pensa disto?
 
Prof. Dr.Arlindo Cunha
- Duas questões em relação à primeira questão do grupo rosa, o Romeu. Bom, a pergunta é uma pergunta, digamos, geral mas fundamental para os agricultores. Eu penso que o que é preciso é definir uma estratégia muito correcta de investimentos e de apoios, por exemplo. Eu, por exemplo, neste programa de desenvolvimento rural há duas coisas fundamentais que o governo não fez. Uma era fazer um programa de apoio a resolver os problemas ambientais da agricultura, por exemplo. Não há ali um programa específico, por exemplo, para resolver o problema das vacarias que é um problema importante porque produz-se leite nas zonas povoadas ou na parte da suinicultura e nem há um programa para resolver os problemas das cooperativas. As cooperativas, por exemplo, as vitivinícolas foram criadas no contexto de há mais de 50 anos para o mercado local, portanto, dimensionadas a essa escala local. Há cooperativas a venderem, 200.000 garrafas, 100.000 garrafas de vinho, portanto, isso hoje em dia é impossível, com uma estrutura de custos enormes. Portanto, era importantíssimo fazer um programa de reestruturação das cooperativas, não só das de vinho mas de outras para criarem escala para combaterem no mercado global. Isso não aconteceu. O governo, infelizmente, está a prestar um mau serviço à agricultura e, sobretudo, às pequenas e médias empresas porque essas precisam muito das cooperativas para comercializarem.

Em relação ao grupo roxo, daqui dos meus colegas aqui desta mesa, aqui onde eu me sento agora. De facto, a floresta é um sector estratégico que em Portugal sempre foi maltratado, não é só de agora, infelizmente, se calhar, também comigo. É um sector que nós nunca nos apercebemos da sua importância, um pouco como a agricultura. Estamos agora a ter uma ideia de como é importante. Em Portugal, temos 5 milhões de hectares, de floresta. É um potencial fabuloso mesmo para a energia, para a biomassa aonde ainda estamos muito longe em termos tecnológicos de descobrir o que é que é melhor. E temos uma coisa terrível que é, de facto, a limpeza das matas florestais. E eu olho para este programa de desenvolvimento rural que gasta dinheiro com tanta coisa, alguma mal gasta, e não tem um tostão para ajudar os proprietários a limpar as matas. O que é uma coisa inacreditável… E, agora, o que é o tema deste debate político dos últimos dias é que o Estado vai concessionar a limpeza das suas matas. Como sabem, Portugal é um dos Países da Europa que tem menores matas públicas. Talvez, 3% mas acho que não é mais do que isso. Das matas da floresta portuguesa apenas 3% são as chamadas matas nacionais, matas do Estado. E o que é que eu verifico? Vocês, não sei se já repararam mas, por exemplo, matas do Estado, aquelas dunas do Pinhal de Leiria, conhecem com certeza, as dunas de Quiaios que eu conheço bem, onde passamos o Verão, até Aveiro, etc. Vocês vão lá e vêem que são as matas mais sujas do País. Ou seja, o Estado que cria leis e obriga os proprietários a limpar as matas, é o primeiro a não cumprir. Eu vi o ano passado, há dois anos, nas matas de Quiaios, houve uma intervenção de limpezas, cortaram algumas árvores, sobretudo infestantes, mas deixaram lá aquilo que foi cortado, matéria seca que é um combustível enorme terrível. Então, a questão é a seguinte: o Estado tem as suas matas. Não dá o exemplo, não é capaz de limpar. Então, se arranjar uma forma qualquer daquilo ser limpo, que seja transparente e eficaz. Tem é que limpar as matas porque, de facto, o que não faz sentido é o Estado criar leis para obrigar as pessoas a limpar e, depois, o Estado não limpar.

 
Dep.Carlos Coelho
- Carla Barros, grupo encarnado e depois Joana Martins do grupo Cinzento.
 
Carla Barros
- Muito boa noite a todos. Um cumprimento especial à mesa, Dep. Carlos Coelho , Pedro Rodrigues, Dr. Arlindo Cunha. Nós, o grupo encarnado no lançamento desta questão tivemos algumas divergências. Uns queriam uma questão mais generalista, outros mais específica e realmente, a questão que eu lhe vou colocar hoje é sobre o licenciamento das vacarias. Sei que há outros problemas, em termos familiares também estou muito preocupada com a situação. É difícil manter uma exploração leiteira, neste momento. Quotas que se compraram há uns anos atrás, agricultores que gastaram milhares de euros, actualmente para vendê-las, temos que pagar para que alguém as compre. A situação é bastante complicada mas é para o licenciamento das vacarias que eu vou direccionar a minha questão. Surgiu recentemente um Decreto-Lei relativamente à obrigatoriedade do licenciamento das vacarias que obriga os agricultores até 31 de Dezembro de 2008, a terem as suas explorações licenciadas. Este problema, neste momento, encontra-se nas mãos, da autarquia. Nós sabemos que todos os problemas que as pessoas têm ao nível local passa para a autarquia, é o Presidente da Câmara que tem que dar resposta a estas situações, mas não há descentralização de competências nesta matéria e o problema está no governo. Perante toda a pressão que os Presidente s de Câmara fizeram, o governo comprometeu-se a criar uma linha de financiamento para esta questão. 31 de Dezembro de 2008 está aí, a linha de financiamento não foi criada, os Presidente s de Câmara continuam-se a debater com esta questão, explicam às populações que o problema está no governo, que é o governo que tem que decidir. Mas as populações querem uma resposta ao nível local. Isto de dizer a um agricultor, olhe, o problema está no governo, quer dizer, isto tem um impacto eleitoral terrível. Nós temos aí as eleições autárquicas. O que é que será que o Partido Socialista quer com isto? Será que ele quer prejudicar o nosso resultado eleitoral ao nível autárquico porque somos predominantemente PSD? Ou será que quer transmitir aos agricultores que nós não precisamos deles, que eles podem deslocalizar as suas empresas para o estrangeiro como assistimos diariamente? É essa a minha questão.
 
Joana Martins
- Boa noite a todos. Em nome do grupo cinzento quero agradecer a presença do Dr. Arlindo Cunha. A nossa questão é a seguinte: Sendo o Dr. Arlindo Cunha, o Presidente do Conselho de Administração da sociedade Porto Vivo criada para a reabilitação da zona histórica da cidade do Porto, na sua opinião que medidas devem ser tomadas para que estas zonas atraiam as pessoas, nomeadamente os jovens para a habitação e comércio nas três cidades mais afectadas, Lisboa, Porto e Coimbra? Obrigada.
 
Prof. Dr.Arlindo Cunha
- Foram duas questões muito específicas, uma sobre agricultura, outra sobre o meio urbano, aliás eu tenho um equilíbrio na minha vida profissional de há muitos anos entre o rural e o urbano. Faço as duas coisas. Bom, as vacarias… há pouco falei um pouco por alto. A questão levantada pela Carla do grupo encarnado, é uma questão muito importante porque vocês sabem, aqui os presentes e não é preciso ser especialista porque 80% da produção de leite em Portugal é feita naquela orla litoral que vai de Aveiro até Braga, nessa faixa. E é uma zona densamente povoada, muito urbanizada e o que é curioso é o seguinte: a agricultura e as leitarias estão ali há muitos anos, só que por força do expansionismo urbano e de alguma permissibilidade autárquica em matéria de urbanização, foi alastrando a mancha urbana para junto das vacarias que estavam ali há gerações. E, portanto, às vezes chega um novo morador, ao fim de meia dúzia de meses, já está a vociferar contra o produtor agrícola que está ali há duzentos anos. E este é um conflito complicado, sério, não é de subvalorizar, está a acontecer nesta zona, nesta área de Portugal. Por isso é que era fundamental (e eu há pouco falei disso num outro contexto) que neste programa de desenvolvimento rural que é o programa de, supostamente, de apoio à agricultura daqui até 2013, à sua modernização estrutural, um dos programas que, a mim, me parecia elementar e que devia ter dinheiro e condições era um programa para resolver os problemas ambientais da agricultura. Não faz sentido, o governo estar a exigir licenciamentos aos agricultores sem lhes dar condições. Não faz sentido. Aliás, isso é desonesto. É desonesto politicamente ou então é a política de fachada que é dar a entender que faz e que exige, mas depois não faz, não cria condições para fazer. É como a história do crime violento, como é que resolve o problema do crime? Pondo as brigadas a fazer auto stops na noite. Pronto, ok, já fez. Deu a ideia no dia seguinte, polícia apanhou 300 meleantes só que …

(Um minuto inaudível)

Prof. Dr. Arlindo Cunha: - … Porto, que é uma sociedade de capitais públicos, portanto, 60% do Estado, 40% do município. O problema é que em Portugal, portanto, nas principais cidades, os centros históricos sobretudo, estão numa decadência terrível, fruto de uma lei, curiosamente que foi decidida em termos sociais, pelo Dr. Salazar nos anos 40. Foi a lei do congelamento de rendas. Ou seja, para evitar a especulação e a exploração das famílias, fez uma lei em que as rendas eram congeladas. Naquele tempo não era como hoje. Hoje, cada um compra casa, naquele tempo, 90% era mercado arrendado. Bom e então criou uma lei que funcionou muito bem para não explorar os mais pobres, eram congeladas as rendas. Isto funcionou tudo muito bem até que começou a inflação nos anos 60. A partir daí a inflação foi galopante e os proprietários deixaram de ter dinheiro para pagar as obras nas casas. Portanto, foi-se tudo degradando e, hoje em dia, os centros históricos são montes de ruínas. E, então, começámos há algum tempo atrás, ainda no tempo do Dr. Durão Barroso, com uma política de tentar criar condições para reabilitar os centros das cidades. É um trabalho muito difícil porque as empresas de construção civil estão formatadas para construir de novo, em zonas novas, portanto, ganham mais dinheiro, do que reabilitar. Mas noutros países da Europa onde também aconteceu o mesmo problema ainda que sem a mesma gravidade, começou já a funcionar uma política de apoios à reabilitação urbana. Portanto, aqui há várias medidas que estão a ser tomadas. Infelizmente, o governo actual não definiu ainda linhas de financiamento fundamentais para essa reabilitação, mas algumas já estão a ser tomadas, outras ainda faltam. Por exemplo, essencialmente, criar condições de incentivos económicos e financeiros para quem reabilitar casas nos centros históricos pagar menos. Por exemplo, não pagar IVA, aliás, actualmente o IVA já é de 6%, aliás de 5. Já não é de 21. Portanto, já foi um bom incentivo. O IMI e o IMT serem mais baixos. Depois podia, por exemplo, aos jovens que quisessem instalar-se nos centros históricos dar-lhe um subsídio de renda que era uma forma também de os ajudar. Há várias formas nesse sentido mas, para mim, a mais importante é criar condições para que, quer os proprietários, quer empresas imobiliárias poderem apostar a sério na reabilitação das cidades e fazê-lo em condições económicas, ou seja, que lhes permita depois fazer preços de rendas ou de venda que sejam atractivos para quem comprar e, sobretudo, para os jovens.

 
Dep.Carlos Coelho
- Grupo Castanho, Mafalda Reis e Rita Batista do grupo Verde.
 
Mafalda Reis
- Boa noite a todos os presentes, em particular ao Exmo. Prof. Doutor Arlindo Cunha a quem, em nome do grupo Castanho, gostaria de agradecer a sua presença esta noite e colocar a seguinte questão. É sabido que nos dias de hoje há uma escassez mundial de água doce. Mas também é sabido que esta é fundamental para a produção agrícola. Acredita que algum dia a desanilização poderá substituir a utilização de água doce, a nível da agricultura? Esta questão torna-se fundamental num País como o nosso, uma vez que se trata de um País costeiro e num País onde a agricultura sempre foi fundamental a nível económico. Muito obrigado.
 
Rita Batista
- Boa noite a todos. Dentro da infelicidade que foi o dia de hoje para o grupo verde, dado que perdemos um elemento do grupo, que teve de se ausentar, o carro do Ricardo foi atingido por um candeeiro, P.S.V., se alguém tiver boleia para Lisboa, ele agradece. É uma grande felicidade para nós poder privar com uma personalidade desta grandiosidade. A nossa pergunta vai totalmente ao lado do que foi a sua exposição. Afirmou que havia uma grande rigidez na aplicação das medidas sócio-económicas de compensação de tripulantes e pescadores, que passou à inactividade relativamente ao programa de compensações financeiras quanto à reconversão da frota no âmbito do acordo das pescas com Marrocos. Que medidas propõe para a sua flexibilização? Obrigada.
 
Prof. Dr.Arlindo Cunha
- Bom, eu em relação à questão, esta questão das pescas foi muito específica. Começo já por aí, do grupo verde. Aliás, o grupo verde para falar das pescas devia ser o grupo azul porque em termos de simbologia, a agricultura está ligada ao verde e as pescas ao azul. A questão com Marrocos é uma questão que a União Europeia já tem há muitos anos acordos com Marrocos e com a Mauritânia e com quase todos os Países de África. Nós, no Parlamento também acompanhávamos de perto esses acordos. Como sabem, nas águas europeias há, infelizmente, uma grande escassez de peixe, cada vez maior. Começa a haver planos de recuperação de algumas espécies, por exemplo, agora do bacalhau e, portanto, uma das soluções que tem sido seguido, além da aquacultura, tem sido negociar o acesso da frota comunitária às águas destes Países. E isso é o que tem que se fazer, continuar a fazer, procurando que o apoio que se dá a esses Países seja direccionado para a própria preservação da pesca lá, para a modernização das indústrias ligadas à pesca, ou seja, para criar desenvolvimento. Ou seja, que o dinheiro que a União Europeia paga para esses Países, não vá apenas engrossar o orçamento do Estado, mas vá ser dirigido ao desenvolvimento das próprias pescas e dos sectores que dela derivam.

Em relação à primeira questão, do grupo castanho. A questão que a Paula colocou sobre a água e a desanilização. Como sabe, há zonas do planeta onde a desanilização, hoje em dia, é a única solução que têm. Desde logo, aqui perto de nós, Porto Santo. Porto Santo tem muito pouca água potável e, portanto, a água que tem é de uma estação de desanilização. Eu estive em 2002 no Qatar, precisamente na tal Conferência Internacional da Organização Mundial do Comércio em que a China entrou na OMC e verifiquei que todo o Qatar é um oásis, junto da cidade, alimentado por quê? Pela água que é desanilizada. Porquê? Porque têm petróleo barato, têm o petróleo que querem. Portanto, o problema de desanilizar é indissociável do custo da energia. Esse é o problema. Portanto, nós temos sempre que equacionar a questão da água em função do seu custo. Daí que uma das nossas principais estratégias seja encontrar formas de irrigação que sejam eficientes em matéria de uso da água, portanto, rega gota a gota ou (cá está, a tal questão de não termos preconceitos sobre a melhoria genética ou os organismos geneticamente modificados, os OGMs) criar plantas que sejam resistentes e que não consumam muita água. São desafios novos que nós temos que procurar.

 
Dep.Carlos Coelho
- Sr. Professor temos um costume na Universidade de Verão que é dar a última palavra ao nosso convidado, portanto, não regresso ao microfone. Aproveito para lhe agradecer em nosso nome, o facto de aqui ter vindo e ter respondido às nossas questões e dou a palavra ao último grupo de perguntas. Grupo Bege, Tiago Gonçalves e Dino Alves do grupo Azul.
 
Tiago Gonçalves
- Muito boa noite, Professor Arlindo Cunha. Em nome do grupo Bege queria agradecer-lhe imenso a aula com que nos brindou e permita-me uma nota a título pessoal. Eu sou do interior, sou da Guarda, o Professor Arlindo Cunha é uma pessoa, talvez das poucas neste País, que tem tido sensibilidade para os problemas do interior e que tem tido a coragem de os colocar na ordem do dia onde quer que vai. Quero dizer-lhe que, por esse mesmo motivo, é um orgulho enorme estar aqui consigo, poder agora fazer-lhe esta questão e dizer-lhe também o quanto, em nome de todas as pessoas do interior e por este País, agradecemos o que tem feito pela nossa terra. Posto isto e porque sou do interior, como disse, sou das pessoas que tenho que vir aqui levantar estes temas porque também eu entendo isto quase como uma responsabilidade própria, fazer com que estes assuntos andem na ordem do dia, seja do nosso partido, seja do nosso País. E, como já o ouvi falar muitas vezes sobre interioridade e sobre os problemas da interioridade, eu ia, hoje, direccionar isto para outro assunto sobre o qual penso que o nosso partido tem que se debruçar e tem que ter propostas sérias para apresentar no próximo ano, sendo que em Portugal não há nenhum partido que, até hoje, as tenha apresentado e não me parece que esteja para ser apresentadas quaisquer propostas que é o domínio da ruralidade.

De facto, como o Professor falou e muito bem, tem-se assistido ao longo dos anos a um decréscimo enorme da população rural. Hoje em dia, não há praticamente ninguém que queira viver numa aldeia. A desertificação das zonas rurais pode ser um problema gravíssimo em termos de ordenamento do território. E é importante que chamemos a atenção para estes problemas. É importante que o PSD esteja à frente também neste domínio e que mostre como no nosso País é necessário trazer novamente pessoas para as aldeias, é necessário fomentar a criação de emprego nas aldeias, é necessário dar condições às pessoas para se fixarem nas aldeias e, por esse aspecto, termos boas condições, criar coesão territorial que é, se calhar, um dos factores mais importantes para o desenvolvimento do nosso País. Uma das coisas que devíamos aproveitar da experiência europeia era isso. Os Países mais desenvolvidos da União Europeia são aqueles em que existe maior coesão territorial entre as diversas regiões. E por esse motivo queria que o Professor, pudesse também aqui tocar nessas questões e dizer-nos quais são as melhores práticas ao nível europeu, que se estão a fazer neste domínio das políticas de desenvolvimento rural e deixar-lhe, precisamente, esse repto. Que continue aqui a ter que trabalhar com o PSD, que continue a colocar estas questões na ordem do dia e que faça com que, no próximo ano, o PSD se apresente aos eleitores com políticas sérias neste domínio. Muito obrigado.

 
Dino Alves
- Boa noite, Doutor. Antes de mais, gostava de lhe dizer que é uma grande honra dirigir-me a si, é um orgulho. Um homem que sempre serviu com grande empenho a Europa, o País, o PSD e Tábua que também é a minha terra. Bom, em 1992, o Doutor assinou a nova reforma da PAC. Foi altamente contestada e, portanto, Portugal tinha acabado de entrar na União Europeia, em 86, ainda tinha uma agricultura muito frágil, muito débil e tínhamos, portanto, pouquíssimas condições para entrar numa nova fase, na nova fase da PAC. No entanto, competíamos com outras economias, com outras agriculturas que tinham já uma economia consolidadíssima do ponto de vista agrícola que desde 62, beneficiavam do financiamento da PAC e qual é que era a reforma? A reforma prendia-se com uma redução da produção porque passávamos por uma crise de sobreprodução e, então, estimulava-se o pousio, estimulava-se a retracção da produção e impunham-se quotas, tantas quotas que já falámos aqui nesta Universidade de Verão, aí também se impunham quotas e incentivasse aquilo a que se chamava o set-aside. As coisas poderiam ter sido feitas doutra maneira. O Doutor conseguiu para Portugal, graças à sua grande luta contra essas potências europeias, conseguiu para Portugal um regime especial e com o qual nos congratulamos, mas que não resolveu todos os problemas. E Portugal continua a atravessar uma crise estrutural dentro da agricultura.

Gostava de lhe perguntar, se agora pudesse voltar atrás, o que é que teria feito, como é que teria agido? Se teria agido noutro sentido? Obrigado.

 
Prof. Dr.Arlindo Cunha
- Bom, então tenho aqui um conterrâneo, o Dino, muito gosto. Bom, essa sua pergunta, começo por si, essa pergunta é também muito vasta, dava para uma conferência porque, na verdade, é assim. Se fosse hoje, se calhar, não fazia as maldades que fiz nessa altura. Uma delas foi ter tirado a palavra ao Ministro Italiano que depois já não teve hipótese, que disse que ia vetar o Acordo e eu não lhe dei a palavra e assim não a vetou. Portanto, e foi assim que passou a reforma. De resto, sabe que as políticas agrícolas como as políticas económicas em geral têm de ser elaboradas em função do contexto. E o contexto, como eu disse há bocado na minha exposição, o contexto de há 15 anos e de há 10, e de há 5, era um contexto de excesso de alimentos , de abundância, de excedentes, como se dizia, excedentes estruturais que as políticas o que tinham era visar livrarmo-nos deles. Como é que nós produzimos pouco e nos livramos de excedentes? A situação mudou e, portanto, naturalmente que, hoje em dia, as políticas agrícolas têm que ser diferentes. Por isso é que eu defendo, hoje, que a PAC tem que ir um caminho diferente. A PAC, hoje em dia, não deve permitir o pousio, aliás, já há poucos meses decidiu acabar com ele. A PAC, hoje em dia, não deve dar ajudas desligadas da produção. Ou seja, para dar ajudas, o agricultor tem que produzir porque na reforma de 2003, criou uma política de dar as ajudas para o agricultor as receber não tinha necessidade de as produzir. Isso não pode ser. E em termos de liberalização do mercado internacional, já vimos que o mercado tem que ser regulado porque a mera liberalização leva a que as grandes potências agrícolas quando produzem muito, deprimam os preços e, depois, desencoraja a produção nos Países mais pobres. Portanto, as coisas são hoje em dia diferentes e, portanto, cada coisa no seu contexto.

Em relação ao grupo Bege do Tiago. Bom, é um tema fundamental, o da ruralidade. Aliás, o tema da ruralidade está associado muito à questão da regionalização, à questão do desenvolvimento regional. Mas agora ponho de parte a regionalização que é um outro tema mais político e já aqui falaram nele, com certeza, ou falarão. Mas falo de desenvolvimento regional. Coesão, como você disse e muito bem.

Bom, o desenvolvimento rural, no fundo, é o desenvolvimento regional das zonas mais marcadamente rurais. Zonas com uma urbanidade dispersa, com baixa concentração e que está a ser, a zona de Portugal mais martirizada, mais abandonada, as regiões de baixa densidade como hoje em dia se diz.

Em Portugal, desde a adesão à União Europeia que temos tido sempre uma política de desenvolvimento regional. De um modo geral que cria subsídios à fixação no Interior, às empresas, sobretudo, infra-estruturas, etc. Mas o que acontece é que nunca houve em Portugal uma política séria de apoio às micro-empresas. E hoje em dia, o problema é que no mundo rural, naquele mundo que já não é urbano, portanto, mais do Interior é muito raro ir para lá uma grande empresa ou mesmo uma PME no conceito normal, de 400 empregados. Não há. Portanto, há empresas de 5 pessoas, 7, 8, 9, 10, 3, 1, portanto, e o que é preciso criar, um dos principais elementos de uma política em Portugal de desenvolvimento rural que não é apenas agricultura, atenção, não é apenas agricultura é uma medida de apoio às micro-empresas para encorajar os investimentos em pequeníssima escala que pode ser transformar produtos agrícolas ou agro-industriais, por exemplo.

Outra medida fundamental para as pequenas, para as médias e para as grandes, no mundo rural, e é fácil definir o mundo rural na óptica das densidades demográficas, é a política de IRC para as empresas. O governo há pouco tempo  fez lá uma coisinha que foi baixar para 10%, para as novas empresas, o IRC, mas então as que lá estavam? Pagam 15, pagam 25? Ou seja, uma medida fundamental se queremos ajudar o Interior e o mundo rural é ter uma taxa baixíssima de IRC, até porque em termos reais, o Estado não tem grandes perdas, estão lá muito poucas empresas. Baixar, por exemplo, para 5% o IRC e, nessa altura, podia ser uma belíssima medida para as empresas e os investidores serem encorajados e investir no Interior. Portanto, eu penso que, além do apoio à agricultura, à sua modernização dirigida para sectores chaves era, de facto, estas duas medidas, essencialmente, a questão do apoio às micro-empresas e o IRC para todas as empresas que lá existam.

(APLAUSOS)

 

 

 

 
10.00 - Avaliação da UNIV 2008
12.00 Sessão de Encerramento da UNIV