ACTAS  
 
9/3/2008
Jantar-Conferência com o Dr. Pedro Passos Coelho
 
Dep.Carlos Coelho
- Sr. Dr. Pedro Passos Coelho, já está informado que os nossos jantares-conferência começam com um apontamento cultural. Vamos iniciar o nosso jantar com dois momentos que nos são proporcionados pelo grupo Bege e pelo grupo Castanho. O grupo Bege vai, através da Rita Marques e do Nuno Pais, declamar um poema de José Carlos da Silva chamado “Democracia”. E o grupo escolheu este poema porque a democracia é um valor fundamental, essência dos nossos ideais. O grupo Castanho, através da Maria João Costa , vai declamar de Miguel Torga, o poema “Prospecção”. E escolheram este poema porque, da mesma forma que Miguel Torga dignificou a literatura portuguesa, também o grupo quer dignificar esta Universidade. Vamos, pois, ouvir, os dois poemas.
 
Rita Ribeiro Marques

Ainda não aprendi

O que é a democracia

Se é direito de todos

De menos ou da maioria

Se a maioria decide

A minoria se oprime

Ali aquele direito,

Foi violado, é crime.

Onde estão as diferenças?

Ser diferente é doença?

E onde está a inclusão?

Será que é só conversa

Quem tem mais, ganha promessa.

Para os menos aceitação

Tudo isso se compara

A uma discriminação

Viver é direito de todos

Mas viver bem! Isso não!

Quem tem mais, tem mais direito

Quem tem menos, é sujeito

A deixar a opinião.

(APLAUSOS)

 
Maria Costa

Não são pepitas de oiro que procuro.

Oiro dentro de mim, terra singela!

Busco apenas aquela

Universal riqueza

Do homem que revolve a solidão:

O tesoiro sagrado

De uma certeza,

Soterrado

Por mil certezas de aluvião.

Cavo,

Lavo,

Peneiro,

Mas só quero a fortuna

De me encontrar.

Poeta antes dos versos

E sede antes da fonte.

Puro como um deserto.

Inteiramente nu e descoberto.

(APLAUSOS)

 
Sara Catarina Oliveira
- Boa noite a todos os presentes, em especial ao Dr. Pedro Passos Coelho. Tenho muita honra em propor este brinde porque é uma das referências ao nosso partido. O Dr. Pedro Passos Coelho identifica-se com o espírito da Universidade de Verão, uma vez que foi um grande Presidente da JSD, deu muito à juventude e conquistou o espaço no PSD. Durante a candidatura às directas, mostrou uma enorme garra, dedicação e espírito irreverente, típico da JSD, com que nós nos identificamos. O seu espírito democrático e a sua elevação política são exemplo para nós. Deste modo, o grupo cinzento felicita-o.

(APLAUSOS)

 
Dep.Carlos Coelho
- É com especial prazer que dou as boas-vindas ao Dr. Pedro Passos Coelho. Fomos colegas de Direcção Política da JSD, eu, um bocadinho mais velho e, ele um bocadinho mais novo. Somos amigos e partilho aquilo que foi dito agora pelo grupo cinzento. O Pedro foi um grande Presidente da JSD. Foi, aliás, o Presidente da JSD com mais tempo de mandato. Exerceu durante seis anos, a liderança da maior e da melhor organização de juventude portuguesa. E, depois disso, como foi dito e bem, conquistou um espaço no PSD. Conquistou-o por mérito próprio. É uma pessoa particularmente inteligente, foi Autarca, foi Deputado e Vice- Presidente da Bancada Parlamentar. Na Direcção do Partido foi Vice- Presidente do PSD e como foi recordado, concorreu nas últimas directas à liderança do Partido. O nosso convidado tem como hobbie o canto, em particular o repertório lírico italiano; tem como comida preferida moamba de galinha com funge; tem como animal preferido o cão (a mascote mais votada pelos participantes e convidados da Universidade de Verão); o livro que nos sugere é o “O Futuro da Liberdade”; o filme que sugere é “2001, Odisseia no Espaço”, coincidentemente uma opção também do Dr. António Vitorino que esteve connosco esta tarde. E a principal qualidade que mais aprecia é a frontalidade. E para honrar a qualidade que o nosso convidado aprecia, eu que tenho a prerrogativa de lhe fazer a primeira pergunta, quero fazer-lhe uma pergunta frontal.

Estamos a aproximar-nos dum período pré-eleitoral. 2009, é um ano com três disputas muito importantes para o PSD e para o País. Vamos ter eleições europeias, eleições legislativas e eleições autárquicas. Um combate eleitoral é o momento para demarcação de águas. E, vamos ser claros, o nosso principal adversário é o Partido Socialista. E, portanto, meu caro Pedro, a pergunta para dar o pontapé de saída nesta discussão é tão simplesmente esta: qual é, quais são as grandes diferenças e as grandes demarcações que temos de assumir entre o PSD e o Partido Socialista? Minhas senhores e meus senhores para responder à minha e à vossa pergunta, o Dr. Pedro Passos Coelho.

(APLAUSOS)

 
Dr.Pedro Passos Coelho
- Muito obrigado. Muito obrigado, desde já, por me terem dado esta possibilidade de estar aqui convosco. A Universidade de Verão é uma das iniciativas mais relevantes que, ao nível da Juventude Social Democrata e do PSD, se vêm fazendo de há uns anos a esta parte. E sendo certo que, nem todos aqui serão militantes, todos aqui têm seguramente, uma expectativa de intervenção cívica e política que é essencial para a democracia portuguesa e para o PSD.

E, portanto, eu espero que de todos os que tiverem passado por esta iniciativa, que nos próximos anos os possa reencontrar dentro do PSD. Isso seria excelente, mas, pelo menos, que os encontre a assumir um protagonismo cívico como é de exigir a uma sociedade madura e a uma sociedade democrática como é a portuguesa. Muito obrigado, portanto, ao Carlos Coelho, a quem me ligam realmente laços de grande amizade e até de grande colaboração, porque colaborei directamente em equipas dele e depois fomos mais do que contemporâneos. Quando eu fui Presidente da JSD, ele ainda foi Presidente do Congresso durante os primeiros dois anos.

Vamos responder, então, à pergunta como começo de conversa. Estamos em vésperas de actos eleitorais que são muito importantes, ( referi-o, de resto, no último Congresso do PSD em que participei). Se queremos aparecer aos olhos do País, não apenas como o partido que alterna no governo, mas como um partido que tem um projecto alternativo ao do Partido Socialista temos, desde logo, de saber quais são as nossas diferenças. O que é que podemos propor de diferente do Partido Socialista? E o que é que temos na nossa natureza de diferente do Partido Socialista? Reparem que a pergunta apela para uma resposta que não seja acidental. Não vale a pena estarmos a perder tempo com o acessório. Haverá muitas pequeninas coisas em que somos muito parecidos e muitas pequeninas coisas em que somos muito diferentes. Mas, no essencial, o que é que nos pode distinguir do Partido Socialista?

Eu acho que duas coisas, sobretudo.

Em primeiro lugar, a nossa História. Sabem que os partidos, como as pessoas, são muito aquilo que foram fazendo ao longo da sua vida. Todos temos a possibilidade de renascer, de mudar de opiniões , de mudar de ideias , embora não seja muito vulgar mudarmos de ideias quanto ao que é essencial.

Aquilo que vamos fazendo é aquilo que nos define porque senão em qualquer altura escrevíamos uma prosa muito conveniente e passávamos a ser outra pessoa, outra organização. Não é assim, como sabem. Um partido que queira mudar de programa dificilmente consegue manter os mesmos militantes. Porquê? Porque tem de haver uma adesão, uma filiação naquilo em que se acredita, no ideário, nas bandeiras, nas causas. Um partido que se despe de causas é um partido que cai no vazio. O PSD é um partido cheio de História, não é um partido vazio. E essa História foi sendo construída, sobretudo, como os paladinos ou os campeões da sociedade civil são capazes de fazer.

Fomos, na nossa História portuguesa, o partido que mais lutou por um regime civil em Portugal, na altura com o Dr. Sá Carneiro. Conseguimos forçar o Partido Socialista a não ter medo dos militares, a não ter medo das estruturas colectivizantes. O Partido Socialista demorou anos a perceber que já era tarde para que Portugal viesse a implantar uma economia de mercado e uma sociedade política liberal no sentido em que precisamos de ter a separação de poderes: o poder judicial independente, o poder executivo, o poder legislativo.

Uma sociedade, portanto, em que o Estado e o governo estão limitados pela lei, não estão acima da lei e em que se respeitam as liberdades fundamentais, sem tutelas de qualquer natureza. É isto que define uma democracia liberal. E o PSD foi o partido que mais lutou para que ela se instituísse trazendo atrás o Partido Socialista.

Segundo, foi o partido que mais lutou para que a sociedade civil pudesse ter autonomia relativamente ao poder político. Fomos sempre defensores da não colonização do Estado pelos governos e pelos partidos e fomos sempre defensores de respeitar as instituições da sociedade civil face ao poder político e ao Estado. Muitas vezes, por essa razão, estivemos à frente quando defendemos as privatizações, quando viemos dizer que o colectivismo em que o País estava a mergulhar era perigoso, não apenas na Europa que se vivia, e no mundo em que se vivia mas, também, como uma ameaça à liberdade, à própria liberdade em Portugal. Distingue-nos , portanto, uma história e um passado em que, sempre que a revolução esteve perto de conduzir ao descambamento da democracia para um regime não democrático, nós estivemos na linha de demarcação, a lutar pela sociedade civil contra a estatização, pela liberdade da sociedade civil.

E em segundo lugar, distingue-nos do Partido Socialista, hoje, uma revivificação destes valores. Quis o destino que o Partido Socialista ganhasse as eleições em Portugal, em 1995. E desde então para cá, com um acidente relativamente pequeno de três anos, grande parte daquilo que nós construímos enquanto País, enquanto Estado, nestes anos é reflexo do Partido Socialista, da sua acção, do seu pensamento. Ora, nós estamos a chegar a uma situação de esgotamento da solução que o Partido Socialista tem defendido para o País. O Eng. José Sócrates tem representado em Portugal uma espécie de terceira via à portuguesa, de Blairismo à portuguesa que está a mostrar a sua incapacidade, quer para reformar o Estado, quer para pôr o Estado a responder àquilo que é o núcleo essencial das suas funções.

Dito de outra maneira, o Estado democrático, hoje, não consegue, naquilo que são suas funções indelegáveis e essenciais, responder às necessidades das pessoas. Chegámos a um esgotamento na Justiça e chegámos a uma situação insuportável na Segurança Interna. E estas são duas das funções ao nível da soberania clássica, são duas das funções essenciais do Estado. Não há hoje ninguém que não tenha a percepção de que a política ao nível da Justiça desde que o Dr. António Costa foi Ministro da Justiça, de ir fazendo pequeninas reformas, pequenos remendos, conduziu a uma manta de retalhos em todo o sistema judicial que nem permitiu fazer uma grande reforma, nem permitiu estabilizar as normas jurídicas de modo a que a auto-regulação pudesse funcionar em Portugal. E do ponto de vista da Segurança Interna, a manter-se esta lei de segurança que o Partido Socialista fez aprovar, nós vamos ter maiores problemas do que aqueles que temos vivido nos últimos anos e até, mais recentemente, nos últimos meses.

Ao politizar e ao governamentalizar, seja através da figura do novo Secretário-Geral, seja do papel cometido aos Governadores Civis ao nível dos distritos, nós estamos a confundir o plano da intervenção do Estado, e estamos a colocar pessoal político a intervir ao nível das operações de forças em Portugal. E isso é intolerável. E é uma confusão que no Partido Social Democrata não pode ser feita, mas que, pelos vistos, se faz muito no Partido Socialista e no actual governo.

Quando há incidentes, por exemplo, com armas de fogo , havendo risco de vidas humanas poderem estar em perigo, está previsto que o governo nessas situações possa por lei, dar autoridade ao Secretário-Geral da Segurança Interna para poder fazer a intervenção, o controlo e a intervenção do sistema de forças. Bem, isto é não só ridículo, reparem que nos últimos meses em Portugal a média de intervenções desta natureza andou na casa das 4 por dia. Imaginam o que é, o Secretário-Geral recém-indigitado estar a este ritmo, a coordenar a intervenção das forças policiais no terreno por dia. É um absurdo. Mas não é só um absurdo, é perigoso. E é perigoso porque não só não responde à necessidade que nós temos que é a de coordenação da acção dos efectivos e de coordenação ao nível a partilha de informações para que os sistemas de força possam agir de uma forma coordenada e eficiente. Mas estamos, sobretudo, a colocar ao nível do plano do Estado, pessoal político responsável pela intervenção policial. E este é um passo muito pequenino, mas de gigante que nos pode atirar rapidamente para a perversão democrática. Isto é intolerável.

Nós, enquanto Partido Social Democrata temos a obrigação de restaurar não apenas a eficiência, mas também a razão de ser das funções nucleares do Estado. E, pelo menos nestas duas, Segurança Interna e Justiça, nós temos de mostrar a todos os cidadãos que o Estado cumpre a sua parte do contrato que é a de responder satisfatoriamente às necessidades que as pessoas têm. E sendo que, nomeadamente ao nível da Segurança, muitas das situações que hoje ameaçam as pessoas não estejam à disposição do sistema de forças nem do governo são questões que se põem, digamos, no upstream, que estão antes: É o facto de vivermos numa sociedade aberto, é o facto de termos durante muitos anos conduzido políticas de urbanização que não estão correctas, é o facto de incidentalmente estarmos a viver situações de estagnação económica e que, portanto, apelam para dramas sociais e para problemas sociais que se reflectem na criminalidade. Tudo isso é verdade, mas também é verdade que nós estamos a criar todas as condições para que a intervenção das forças de segurança seja cada vez menos efectiva, coordenada e eficaz. E isso seria, pelo menos, ultrapassado se nós deixássemos de ter a inibição de defender que todos estes sistemas de forças devem ter uma mesma tutela, devem estar na Administração Interna, nomeadamente a Polícia Judiciária que não tem nada que estar na dependência do Ministério da Justiça, e que o Secretário-Geral, figura recentemente criada, deve funcionar ao nível da coordenação destas forças, responder perante um único Ministro, não perante o Primeiro-Ministro. Isto é absurdo. Como é que o Primeiro-Ministro, em última instância, é o responsável pela intervenção das forças de segurança?

A razão de ser, hoje, dessa inserção, é porque ninguém quer explicar que ele não pode estar na dependência do Ministro da Justiça, ao Ministro da Administração Interna, e na dependência do Ministro da Administração Interna, ao Ministro da Justiça. Então fica no Primeiro-Ministro. Isto é absurdo. Nós temos de fechar de uma vez, esta dificuldade em arrumar o nosso sistema de forças. Pode o PSD fazê-lo? Pode e deve. Já o defendeu no passado e tem hoje condições para o poder concretizar.

Mas há um segundo campo importante onde o PSD tem obrigação de se distinguir do Partido Socialista. Tem que ver com a maneira como encara a iniciativa dos cidadãos e como sabe diferenciar isso, daquilo que respeita à responsabilidade do Estado. Nós fomos criando ao longo das últimas dezenas de anos e em Portugal, pelo menos, ao longo dos últimos 25 anos, um Estado assistencialista que tem sido muito típico das sociedades democráticas. E o PSD também contribuiu muito para que esse Estado se implantasse em Portugal. Isto é, para que as pessoas vissem alguns dos seus direitos garantidos, direitos sociais, evidentemente, económicos, garantidos pela intervenção do Estado. Ora, a verdade é que esse Estado, hoje, foi longe demais. E no contrato que existe, no contrato social pré-existente em que as pessoas pagam impostos, os cidadãos pagam impostos e em reverso o Estado lhes presta estes serviços, foi-se criando uma distorção imensa na sociedade. Em primeiro lugar, visível no facto de aqueles que mais precisam, os mais desprotegidos serem os primeiros que estão na marginalidade da resposta que o Estado dá.

Não tenham dúvidas, hoje aqueles que mais precisam não são aqueles que chegam primeiro aos subsídios nem aos apoios. E como foi visível, de resto, durante os problemas que incendiaram alguns bairros da periferia de Lisboa, nós pudemos verificar dentro de casa das pessoas que tínhamos elementos na sociedade que recebiam o Rendimento Mínimo Garantido, dito de Inserção agora, que praticamente não pagavam renda de casa porque tinham a casa disponibilizada pelo Estado. Mas em contrapartida queixavam-se de que os seus plasmas, as suas aparelhagens de alta fidelidade haviam sido roubadas. É inevitável fazer a pergunta: mas estamos a canalizar para quem precisa os apoios que existem? O que pensarão todos aqueles que, não tendo conseguido ascender à classe média, se vêem privados da maior parte destes apoios e olham para o lado e vêem os que exibem um sinal exterior de bem-estar muito superior ao seu, a receber os apoios. Aqui há muitos anos isso aconteceu, até com um governo do PSD, quando houve uma guerra intensa com a lei das propinas. Faz parte da historiografia, faz parte da minha vida também. Na altura era impossível não estar atento a essa realidade. Uma das condições que mais directamente contribuiu para que aquela lei não fosse respeitada foi o facto de muitos dos estudantes nas universidades observarem que aqueles que exibiam maior riqueza eram aqueles que estavam na primeira linha do apoio social que as universidades ofereciam. Os jovens que iam em melhores carros para as cantinas eram aqueles que obtinham as melhores bolsas. Eram aqueles que estariam isentos do pagamento das propinas.

Têm ideia de qual é a consequência que isto tem numa sociedade? Quando nós dizemos àqueles que mais precisam, montámos um esquema de assistência a pensar em vós, não porque pensemos que seja possível igualizar todos, (de resto, nem é desejável, a diferença essencial para não nivelar por baixo, mas para puxar o progresso para todos para cima), mas com o objectivo de criar igualdade de oportunidades, de dar a todos oportunidade de poder desenvolver e aceder ao bem-estar. Mas, afinal, pedimos desculpa porque quem beneficia deste sistema que nós criámos pago por toda a sociedade são aqueles que não precisam dele. E os senhores manifestem-se, vão votar, mostrem que estão descontentes, mas percebam que não têm alternativa porque o Estado não consegue eficientemente fazer esta distinção. Sabem porque é que o Estado não consegue fazer esta distinção? Porque se instalou esta ideia de que só os poderes públicos são idóneos para poder transferir estes apoios. Mas como eles não são monotorizados, como eles não são controlados, como eles não são auditados, a verdade é que criamos esta distorção imensa, aqueles que precisam mais são os que ficam excluídos e depois aqueles que estão no sistema, muitos daqueles que estão no sistema pagam duas vezes e três vezes, os bens e os serviços a que teriam direito.

E nós, hoje, temos uma quantidade apreciável de pessoas que paga impostos e vê reduzir a sua riqueza disponível porque, apesar de irem ao hospital do Estado também têm de ir às clínicas privadas e pagam. Apesar de ter a escola pública também precisa das explicações e paga. Apesar de ter direito à reforma também faz um plano complementar de reforma, e paga. A isto chama-se, pelo menos, ineficiência social. Nós não podemos andar todos a pagar duas e três vezes aquilo a que temos direito e que já pagamos quando pagamos impostos. E a coisa mais incrível que eu espero não faça escola pelo PSD, é daquelas pessoas que acham que mesmo dentro de um mesmo sistema, a regra da capacidade deve valer para os diversos momentos em que os serviços são prestados. Quer dizer, eu pago em função da minha capacidade nos impostos e, portanto, tenho um sistema progressivo de impostos. Mas depois quando vou ao hospital também devo pagar, há quem defenda isto. O Partido Socialista começa a dar mostras de não ser alheio a isto, de pagar em função dessa capacidade. Ora, já repararam a distorção que isto causa? O que seria suposto para transparência, simplificação de todo sistema é que nós possamos ao nível fiscal fazer a diferença em função da capacidade e depois os apoios não podem deixar de ser equitativos, com uma excepção para aqueles que são os mais desprotegidos. Esses, evidentemente, não podem pagar mais nenhuma taxa de esforço sobre esses bens ou sobre esses serviços pela simples razão de que se tiverem de o fazer, não podem aceder a esses bens ou serviços. Os outros devem receber, como se costuma dizer, tudo aquilo a que têm direito. E aquilo a que têm direito no contrato que foi estabelecido é aquilo que o Estado pode propiciar. Agora, mais uma vez aqui e peço desculpa de estar a alongar-me um bocadinho de início, mas queria fechar bem esta questão do que não é função essencial do Estado. São funções, umas supletivas, outras são funções essenciais que visam, se quiserem, responder a falhas de mercado e o Estado tem de intervir que são as áreas sociais pesadas, a saúde, a educação, a assistência social, a cultura também.

Nestas áreas, o Estado tem de passar do paradigma em que garante e presta os serviços para um novo paradigma em que, garante esses serviços mas não tem necessariamente de os prestar. E, portanto, nós precisamos de dar mais eficiência e mais competitividade aos próprios sistemas públicos.

Ora, o PSD, ao contrário do Partido Socialista, tem condições objectivas e de coerência para defender isto, para defender um novo contrato com a sociedade civil e com os cidadãos. Rescrevê-lo. Rescrevê-lo significa redesenhar as funções do Estado, passar de um paradigma a outro e, ao mesmo tempo, garantir que são os cidadãos que estão no centro das escolhas políticas e são eles que devem escolher os serviços exactamente a que querem aceder. E, então, reparem que se não estivermos em terreno pantanoso como é aquele que hoje temos, em que o Estado tem serviços públicos prestados por ele próprio, mas depois cria uma distorção no mercado quando é ele próprio a reconhecer a terceiros, a capacidade para transferir recursos em troca de serviços que são prestados. Chamam-se convenções. Sabem, há hospitais privados, clínicas privadas, serviços privados que só têm utentes se forem do Serviço Nacional de Saúde. Não vale a pena pensarem que se quiserem abrir uma clínica com bons médicos, com bons serviços, a vão ter cheia se não tiverem a convenção do Estado. Aquele que tiver a convenção do Estado ao lado é que vai ter utentes, não é o outro.

E como é que Estado define quem é que tem a convenção? Por antiguidade, no mínimo, por antiguidade. E quando não é por antiguidade pode-se dizer que não é seguramente, por critérios de transparência. O que significa que, ou se é amigo do governo, ou pode não se ter a convenção. Significa isto, portanto, um risco de empobrecimento da democracia ou, pelo menos, da democracia liberal como nós a concebemos em que o Estado tem uma mão longa fraterna, paternal que chega a todo o lado. Confia muito na iniciativa dos cidadãos desde que ele controle, e desde que os cidadãos precisem não apenas do apoio do Estado, mas da complacência e da cumplicidade dos poderes públicos.

Ora, isto sugere nas pessoas um sentimento de revolta e de indignação. Porquê? Porque não são os serviços que são melhores prestados, aqueles que são mais financiados, desde logo. E, em segundo lugar, porque a escolha das pessoas não é verdadeira. Só pode escolher, hoje, em Portugal em liberdade, quem tem muitos meios e quem é privilegiado. Quem não é, quem não preencha esses requisitos não pode escolher em liberdade, tem de se sujeitar àquilo que o Estado dá no seu serviço ou na convenção que ele próprio reconheceu. Não interpretem isto como partindo do princípio que o Estado só tem maus serviços e presta um mau serviço. Há muitos serviços públicos de grande excelência em Portugal. O que não existe em Portugal é a independência na forma como o Estado oferece esses serviços e não existe auto-regulação. E eu acho que é indispensável e acho que um projecto de mudança do PSD que nos distingue bem do Partido Socialista não pode deixar passar por apostar em que o Estado consiga conferir competitividade aos seus serviços de modo a que as pessoas possam escolher entre público e privado, livremente. E, em segundo lugar, que o Estado crie função de regulação. É muito comum nas áreas económicas assistir à existência de reguladores: há o regulador para a comunicação social, há o regulador para a energia, há o regulador para as comunicações, enfim, há uma panóplia de reguladores. Existe um para a saúde. É caso para dizer que é uma perfeita caricatura. A regulação na saúde, pura e simplesmente, não funciona. E na área económica, muitas delas, também deixam muito a desejar. Para terem uma ideia, um regulador para poder exercer convenientemente a sua função não pode ter uma dependência orgânica do governo que o nomeia porque senão faz, evidentemente, aquilo que o governo pretende e já não é um regulador independente, é um regulador que depende do governo. E não pode deixar de ver as suas decisões ou deliberações respeitadas pelos órgãos que os criam. Ora, isso não acontece.

Na energia, por exemplo, nós temos em Portugal um dos maiores défices tarifários da Europa. Só a Espanha é que tem um défice tarifário superior ao nosso, mas aonde justamente a regulação enferma do mesmo problema que em Portugal. Ora , nós não podemos … (Um minuto inaudível)

… deliberação ou substitui o regulador. Eu acho que para fugir a este problema, os reguladores deveriam ser nomeados pelo Parlamento. As entidades reguladoras deviam depender do Parlamento e não dos governos. Porquê? Porque teriam autonomia orgânica, reparem que não ter autonomia orgânica, pode-vos parecer uma coisa irrelevante, mas não é. É o facto da Assembleia da República poder gerir livremente o seu orçamento que materialmente lhe dá condições de isenção e de independência face ao governo.

Na Rússia, por exemplo, cada vez que pretendia que a DUMA aprovasse uma proposta, que dificilmente passaria, o ex-presidente Putin, agora Primeiro-Ministro fazia uma coisa muito simples: suspendia os vencimentos aos deputados. Agora vamos ver quanto tempo é que essa gente lá pelo Parlamento aguenta sem ratificar, sem aprovar aquilo que o governo propõe? Claro que não sugiro que em Portugal, o Partido Socialista esteja nesta posição, evidentemente. As coisas são muito mais subtis. Mas não é por serem subtis que deixam de existir. Se queremos uma garantia de isenção e de independência não pode haver dependência orgânica face ao governo e a forma mais alargada de obter o suporte da sociedade é fazer depender essa nomeação do Parlamento.

Para finalizar, foi durante um governo do PSD que se criaram os primeiros bancos privados em Portugal e que se privatizaram os primeiros bancos em Portugal.

Eu acho que o PSD não deve ter qualquer receio de criar neste novo contrato que nós precisamos de escrever, de criar a ideia à sociedade de que nós temos de colocar o Estado a fazer aquilo que mais ninguém faz, de forma subsidiária e bem. E naquilo onde a sociedade funciona, ter o Estado a não atrapalhar e a facilitar, garantindo o pluralismo, a isenção, a autonomia, a concorrência, isto é, evitando um Estado de batota, numa sociedade haver só mérito ou demasiado dependente dos poderes públicos. Se fizermos isto, eu estou convencido que a diferença para o Partido Socialista será clamorosa.

E vou dizer mais, é essencial para o País que essa diferença seja evidenciada. Nós vivemos um mundo que tem vindo a aperceber-se, talvez durante esta Universidade, durante esta edição se apercebam com maior nitidez, nós vivemos num mundo em que as autonomias são cada vez mais relativas, as dos próprios Estados face a outros Estados. As coisas circulam a uma velocidade enorme. Aqueles que forem mais ágeis e mais rápidos são aqueles que vão ter vantagem e vão ser os vencedores. Não tenham dúvidas disto. Vão ser os vencedores. Nós sabemos que isto não é justo nem injusto. Isto é assim. Há novas desigualdades que, de resto, eram bem previsíveis e previstas.

Há muitos anos recordo-me quando colaborei com o Carlos Coelho na redacção daquilo que se chamou o Projecto Político para a Juventude Portuguesa, quando reflectimos sobre o que seria a sociedade da informação e a sociedade do futuro, isto foi em 1980, dizíamos que havia novas ameaças ao princípio e ao valor da liberdade, mas também ao da igualdade na velha acepção que nós devemos ser iguais perante a lei. Ora, as tecnologias acentuam muito estas desigualdades. Aqueles que são mais lentos, aqueles que demoram mais tempo a perceber a diferença entre o essencial e o acessório, a distinguir o lixo daquilo que é importante, esses são perdedores.

E isto é tão válido para as pessoas, para os indivíduos quanto para os Estados. Quanto mais rígidos forem os Estados, quanto mais assentarem a sua natureza em estruturas verticalizadas, oligárquicas, burocráticas, pesadas mais vão ser perdedores, menos se ajustam com rapidez às situações, menos conseguem criar riqueza, menos a conseguem distribuir. Ora, para mim, que assisti a todo o processo pós 25 de Abril da maravilha da democracia, em que foi possível, enfim, podemos criticar muito as várias fases por que passámos, mas realmente Portugal cresceu muito e mudou muito. Eu tenho essa percepção. Tenham também a percepção de que o caminho que nos trouxe até aqui, por mais que as pessoas estejam distantes do sistema político e das estruturas políticas, não duvidem de que progredimos nestes anos. Não progredimos tanto quanto os outros em igualdade de circunstâncias. E é isso que é hoje julgado. Vai ser cada vez pior. Quando entrámos na então Comunidade Económica Europeia, nós estávamos na cauda da Europa. O Prof. Cavaco Silva fez a sua campanha dizendo temos de sair da cauda da Europa. E ganhou. As pessoas acreditaram que Portugal ia realmente ser um País que durante os próximos anos ia convergir com a Europa, isto é, convergir com as suas taxas de crescimento, com os seus valores, com o seu bem-estar.

E aquilo que se passou é que, a partir de determinada altura, nós empobrecemos relativamente. Quase todos aqueles que numa segunda e numa terceira vaga foram aderindo à União Europeia, ultrapassaram-nos ou estão em fase de ultrapassar. E qualquer dia, tirando a Bulgária provavelmente e a Roménia, não haverá ninguém atrás de nós na União Europeia. Isto dá que pensar. E em 13 anos de orientação predominante do Partido Socialista, isto dá que pensar. Portanto, nós temos de pôr um travão. Ou mudamos o tipo de sociedade que temos, o tipo de Estado que temos, preparando as estruturas da sociedade civil para uma nova autonomia, para um novo poder, para uma nova exigência ou vamos ficar para trás como já estamos a ficar. E então serão os mais jovens que continuarão a sair e os mais qualificados. Serão as empresas que mais facilmente vão fechar as portas e lançar um modelo como é aquele que o Eng. José Sócrates já hoje tem nas suas mãos e na sua consciência, de mão de obra barata e desqualificada, aquela que merece a sua presença em obras de inauguração: call centers e outras maravilhas para a juventude portuguesa como os call centers.

É este o modelo que queremos para Portugal?

É redistribuir a pobreza e forçando a emigração daqueles que, realmente, são diferentes, são melhores, são vencedores? É isto que queremos? Eu penso que não. E eu acho que está nossa mão poder inverter esta situação.

Agora, da mesma maneira que uma boa imagem sem conteúdo é um vazio completo, sem uma boa estratégia de comunicação, sem um bom embrulho de comunicação, nós perdemos as referências e as pessoas deixam de perceber o que é que nós queremos. Porque todas as nossas ideias parecerão desarrumadas e não chegarão aos destinatários dessas propostas. Se o PSD tiver a possibilidade de concertar uma comunicação como aquela que quer para o País, veloz, ágil, rápida, com estas bandeiras, eu acho que estas são bandeiras importantes para o PSD. Mas outras que pelo PSD, hoje predominem e que possam ser importantes, elas são essenciais para que as pessoas percebam quais são as diferenças e na hora de votar possam decidir com emoção mas decidir, sobretudo, também com base no contraditório e na razão sabendo que estão a preparar um governo diferente daquele que tem estado à frente dos destinos do País nos últimos 4 anos. Acho que falei bem mais do que aquilo que pretendia. Peço-vos desculpa por isso. Estou à vossa disposição para todas as perguntas que queiram fazer. Sei que o Carlos Coelho não vai deixar fazer todas pela simples razão de que não sairíamos daqui se isso acontecesse, se a tradição se honrasse. Mas tenho a certeza que sabereis, ao contrário de mim, ser mais enxutos nas perguntas que ireis fazer e fareis com certeza, as mais importantes e eu terei oportunidade de responder ao essencial também. Obrigado pela vossa atenção.

(APLAUSOS)

 
Dep.Carlos Coelho
- Muito obrigado, Dr. Pedro Passos Coelho pela resposta que dá o pontapé de saída à nossa conversa. Vamos fazer blocos de duas questões e vamos começar pelo grupo Roxo, Frederico Saraiva, e depois Rita Lapa do grupo Encarnado.
 
Frederico Saraiva
- Ilustre convidado, Dr. Pedro Passos Coelho, Magnífico Reitor da nossa Universidade de Verão de 2008 , Ilustre Presidente da nossa JSD, Dr. Pedro Rodrigues, é com muito orgulho que o grupo Roxo dá as boas vindas ao nosso convidado e tem uma questão para lhe pôr que se prende com aquilo que no mediatismo da comunicação social vem sendo dito ultimamente, que o Dr. Pedro Passos Coelho está num momento em que pretende avançar com um novo movimento de reflexão. Esse movimento de reflexão, pelo que percebemos pela comunicação social, poderá ter várias vertentes. Aliás, hoje de manhã saiu uma notícia no Diário de Notícias em que mencionava que o Dr. Pedro Passos Coelho pretendia que a primeira reflexão fosse a Segurança Interna e, como tal, essa seria a mais importante, neste momento. Nós temos uma grande dúvida. Este movimento de reflexão e neste caso, em particular, da Segurança Interna, de que forma pode ser útil a nós, ao nosso Partido e ao País? Obrigado.
 
Rita Lapa
- Muito boa noite, Dr. Pedro Passos Coelho. Temos imenso orgulho em recebê-lo aqui, não só pelo seu trabalho e, portanto, pelo que gostamos de si pelo seu trabalho e pela pessoa que é, como também por ter sido líder da nossa JSD. Ora bem, a pergunta que eu tenho para fazer também tem que ver um pouco com o mediatismo da comunicação social e, recentemente, declarou que o governo anda à solta como comentário ao silêncio da Dra. Manuela Ferreira Leite. A nossa pergunta prende-se com, no caso de ter ganho as eleições directas e de ser o actual Presidente do PSD, qual seria então a diferença principal da sua postura relativamente à actual líder e, portanto, em que consistiria o seu discurso? Muito obrigada.
 
Dr.Pedro Passos Coelho
 - Ora bem, vamos responder então rapidamente. Vou começar por esta última. A Rita fez-me uma pergunta, sem desmerecer a oportunidade, mas fez-me uma pergunta que já outros jornalistas me fizeram. Até nessa entrevista que citou do Expresso. Acabou por não ser editada na parte do Jornal, na parte da edição impressa em papel mas, foi editada no on-line e, portanto, não creio que haja razão para responder de outra maneira.

Eu não fui eleito Presidente do PSD e não quero fazer do meu exercício cívico e de militante um exame permanente de comparação e de competição com o que a Dra. Manuela Ferreira Leite está a desempenhar. Não aceito esse papel para mim próprio. E, portanto, não me tomo como um contraponto, não quero estar a criar uma permanente comparação entre o que faz um e o que faz o outro. Pela simples razão de que essa eleição terminou, a Dr. Manuela Ferreira Leite foi eleita líder do PSD e é a ela que cabe conduzir, de acordo com os estatutos, com a sua Moção, com os órgãos do partido. É a ela que cabe dirigir, agora, e conduzir a estratégia do partido. Não é a mim. E, portanto, eu não quero estar a contribuir para fazer essas comparações. Não posso. A única excepção que abro é não deixar de dizer em qualquer caso que coerentemente se, porventura tivesse ganho a eleição estaria a fazer boa parte daquilo que foi o discurso político com que me defrontei nessas eleições e que verti na moção de estratégia que apresentei também, na carta de princípios com as prioridades que lá estavam. Acho que era isso que seria de esperar. Quando a seguir às eleições no próprio Congresso, disse não me colocaria numa posição de oposição quero também matar já essa conversa aqui e voltar a reafirmá-lo com todas as letras.

E, de resto, houve uma pergunta que seleccionei que amanhã será publicada no vosso jornal da Universidade aonde explico porquê. Não me vou repetir, mas o meu objectivo é o de poder contribuir para que o PSD ganhe as eleições e ganhe em condições de poder formar um governo de mudança no País. Essa é a minha visão. Agora, qual é a função de um militante tenha-se candidatado ou não a Presidente do PSD? É de lutar pelas suas ideias. A melhor maneira que eu tenho de ajudar o PSD a fazer isto é com as minhas ideias, não é a comprar as ideias dos outros ou a mudar as minhas opiniões. Respeito, como é próprio da regra da maioria em democracia, quem venceu. Acho que é um imperativo ético. As ideias que eu tenho são aquelas com que posso ajudar, quer a líder do PSD, quer o meu partido a trilhar o caminho que está para a frente. O que é que eu diria? O que aqui disse hoje. São as minhas ideias. É aquilo em que acredito. Umas vezes podem parecer mais convenientes, outras vezes poderão parecer menos convidativas, mas são as minhas. E, portanto, não me poderão acusar de oportunismo por umas vezes dizer umas coisas e outras vezes dizer outras. É aquilo que eu penso.

O Frederico Saraiva colocou uma questão sobre a plataforma de reflexão estratégica, Construir Ideias, foi assim que foi baptizada. Que utilidade é que ela pode ter? Uma utilidade marginal muito parecida com estas edições. Com uma diferença, estas edições são limitadas no tempo e por definição, por natureza, todos os anos acolhem um universo diferente novo de candidatos. Mas os partidos precisam além de manter essa renovação de ideias e de pessoas , precisam também de ter alguma continuidade na substância das ideias que vão sendo criadas e das soluções que vão sendo estudadas. Há partidos noutros Países, seja nos Estados Unidos, seja em alguns Países , mais da tradição anglo-saxónica do que da tradição latina que têm um, dois, oito, dez think tanks, uns às vezes mais especializados numas matérias do que noutras, uns mais institucionais do que outros mas que, de um modo geral, representam um alfobro de ideias e uma aposta permanente na qualificação das ideias que vão sendo geradas. Isso hoje é essencial. Nós temos de ser rápidos a decidir, a analisar as situações, a responder. Se não tivermos permanentemente um arquétipo de análise, uma visão dos problemas que seja perdurável e estável, passaremos a ser ocasionais, marginais na maneira de abordar as questões oportunistas, e teremos a tentação de ceder mais rapidamente ao mediatismo e à agenda superficial do que à essência dos problemas. E, como sabem, é muito difícil com os meios que hoje existem, nós tomarmos atenção àquilo que é permanente e àquilo que é mais positivo.

É conhecida a ideia de que o que é notícia é o dono que morde o cão e não é o cão que morde o dono. Quer dizer, nós, todos os dias pela comunicação social, temos a tendência para nos apercebermos do que é acidental, do que marcou a agenda daquele dia. Dificilmente ficamos com a ideia do que é permanente, do que tem um alcance de fundo, daquilo que é estratégico. Ora, a utilidade que esta plataforma pode vir a ter é justamente a dar um contributo para que pessoas filiadas ou não no PSD, se possam de uma forma regular, não direi que com a ambição ainda porque não há meios para isso, de ter investigadores residentes, pessoas a quem confiamos o trabalho de sistematizar as análises, juntar especialistas, não é só especialistas técnicos, é especialistas políticos que nos ajudem a encontrar a melhor visão e a melhor solução dentro do nosso quadro de valores. É esta a ambição que a plataforma tem, estou muito empenhado em que ela não seja uma perversão. E seria uma perversão se nós pedíssemos às pessoas que viessem fazer uma simulação de exercício connosco que era autorizando apenas no site, nomeadamente que vamos criar, a que fossem apenas publicadas as conclusões que estão de acordo com as premissas que nós pretendíamos.

Ora, há um quadro de valores que nos define, mas depois estamos genuinamente interessados em ouvir a controvérsia e em ver quais são as melhores soluções. Saber depois quais são, de facto, só o tempo dirá. Mas o tempo não dirá se nós não as provocarmos e não as trouxermos à colação. E, portanto, é esta a ambição. Nós não temos tradições no PSD nesta matéria. Houve várias tentativas, o Instituto Sá Carneiro o então IPSD, já aqui há uns anos atrás funcionou um pouco com esta lógica e eu até evoquei isso (e até nessa entrevista ao Expresso que já aqui há pouco citei) um trabalho que o Carlos Coelho acompanhou mais de perto e eu acompanhei mais ao largo, mas com o qual também aprendi, que foi feito na altura em que o Carlos Pimenta dirigiu uma equipa relativamente alargada com o propósito, justamente, de redefinir políticas, nomeadamente políticas públicas e de encontrar um novo caminho estratégico para o País. Chamou-se a “Aposta no Homem”, foi depois publicada e constituiu, calculem, a base de trabalho do primeiro governo do Prof. Cavaco Silva, que não tinha tido, evidentemente, nenhuma possibilidade de constituir um gabinete de estudos , de criar uma visão estratégica para o governo, embora tivesse evidentemente a sua visão estratégica do País. E, curiosamente, aquela equipa que acompanhou o Carlos Pimenta, à época, foi a mesma que em peso, em peso, havia uns independentes, nomeadamente o José Manuel Fernandes que não era militante do PSD e não era congressista, portanto. Mas tirando isso, em peso, toda aquela equipa apoiava no Congresso da Figueira da Foz em que o Prof. Cavaco Silva foi eleito, o Dr. João Salgueiro. E reparem como é nestas pequenas coisas que nós vemos a importância de termos um sentimento de pertença ao mesmo partido. É pouco relevante que se tenha apoiado um candidato diferente, se temos a possibilidade de, uma vez no governo, podermos realizar aquilo que estrategicamente corresponde ao nosso pensamento. E aconteceu que o primeiro governo do Prof. Cavaco Silva não só adoptou muitas daquelas ideias e estratégias, como por acaso até foi buscar várias daquelas pessoas para o governo e muitos deles acabaram por ser Secretários de Estado e Ministros. Não tinha de ser assim. Não tinha que ser assim e não há esse nexo de causalidade. Mas, por acaso, até aconteceu. Mas foi incidental, também. Creio que depois disso, tirando a Área de Juventude do IPSD, o IPSD perdeu essa tradição, não chegou a ganhar essa tradição. Espero que, agora, a possa reconquistar, tem uma equipa que ainda não está toda nomeada mas que, por aquilo que se vai sabendo, é uma excelente equipa e que vai ter, com certeza, a oportunidade de, em conjugação como o gabinete de estudos nacional, pelo menos, foi assim que a Presidente do PSD apresentou essa solução no Conselho Nacional, de construir o programa eleitoral do partido. E ele será tão mais mobilizador quanto traduzir uma visão mais alargado do partido para o País. Está respondido?

 
Dep.Carlos Coelho
- Mais duas perguntas. Grupo cinzento, Hugo Sampaio e Mafalda Reis do grupo Castanho.
 
Hugo Sampaio
- Dr. Pedro Passos Coelho pergunto-lhe, uma vez que o próximo ano é um ciclo eleitoral decisivo e determinante para o partido, nomeadamente através das eleições autárquicas, quais os novos desafios do poder autárquico que considera?
 
Mafalda Reis
- Boa noite. Em nome do grupo Castanho gostaria de cumprimentar todos os presentes e principalmente o Dr. Pedro Passos Coelho a quem gostaríamos de colocar a seguinte questão. Em Maio de 2008, o Dr. afirmou em entrevista à agência Lusa que já foi adepto das Regiões Administrativas. Afirmou também na mesma entrevista que alterou a sua opinião. Nós gostaríamos de saber o porquê do não à regionalização. Obrigado.
 
Dr.Pedro Passos Coelho
- Ora bom, não são perguntas fáceis, evidentemente. As outras também não eram, mas estas apelam para questões, digamos, mais complexas. Espero, apesar de tudo, poder dar uma resposta satisfatória. Quais os novos desafios para o poder autárquico pergunta-me o Hugo Sampaio. Nós estamos aqui um bocadinho numa encruzilhada ao nível do poder local, que é esta: Apesar de não ter sido fechado inteiramente o ciclo das chamadas infra-estruturas que foi, no entanto, essencial para recuperar o atraso que o País tinha (sobretudo ao nível das áreas menos urbanas e mais distantes do litoral), ele ainda não está fechado. Mas a verdade é que ainda não temos um ciclo de verdadeira qualidade que se possa ter espraiado por todas as autarquias.

E isso não significa que haja um problema de qualidade dos agentes no poder local. Os agentes do poder local qualificaram-se muito ao longo destes anos, não só os eleitos mas também, todo o aparato burocrático e técnico das câmaras municipais. Eu tenho memória, ainda, da generalidade das câmaras do País dependerem quase exclusivamente do Chefe de Secretaria. Provavelmente não têm esta noção, mesmo aqueles que hoje têm alguma colaboração ao nível do poder autárquico. A maior parte dos autarcas que foi eleita nos primeiros anos, como era próprio de uma democracia nascente, tinham pouca experiência e durante vários anos isso fez que o antigo Chefe de Secretaria, fosse de facto a pedra angular da intervenção que a maior parte das câmaras faziam.

Ora, isso, hoje, está ultrapassado. Não estou a dizer que as câmaras têm todas um corpo técnico excelente mas o nível, por exemplo, de licenciados, de técnicos superiores que estão à disposição das câmaras municipais, não tem qualquer comparação com o que se passava no poder local há 15 anos atrás. Em segundo lugar, as câmaras municipais foram recebendo da Administração Central, um conjunto de competências que não foi acompanhado ou devidamente acompanhado da respectiva transferência de meios. O que para as contas públicas foi bom porque o Estado foi transferindo, um conjunto de obrigações que passaram a ser prestadas com menos recursos do que até aí. Mas a verdade é que isso começou, a partir de certa altura, a criar algumas distorções. E significa que a maioria das câmaras municipais sofre um certo estrangulamento que impede que algumas das suas competências possam ser devidamente cumpridas. Claro que há uma taxa de esforço que todos temos de fazer para a contenção do défice e para a saúde das finanças públicas. Mas cabe aqui dizer que aqueles que têm atacado com mais ênfase o poder local, (não sei se será por o PSD ter larga maioria das câmaras municipais que isso acontece, precisamente por esta época), mas a verdade é que aqueles que acusam os municípios do esbanjamento de meios, são aqueles que menos autoridade moral têm para o poder fazer. Porque o nível de desperdício e de ineficiência no Estado central é muitíssimo maior do que aquele que acontece nas câmaras municipais.

E, de um modo geral, o Estado de Administração Central é muito menos cumpridor das suas obrigações do que os municípios. Eu durante a campanha de há três meses atrás, insisti muito numa questão que aproveito para voltar a insistir. O Estado como pessoa de bem, não pode deixar de respeitar os seus compromissos, nomeadamente o pagamento aos seus fornecedores. Há, hoje, um conjunto muito largo de empresas que prestaram serviços ao Estado, que têm os seus créditos naturais, legítimos, a haver e o Estado, pura e simplesmente, não os paga. E não os paga durante três meses, cinco meses, nove meses, mais de um ano. Isto acontece. Ora, o Estado central é pior pagador em volume e em média do que muitas das câmaras municipais. Não é em todas, evidentemente, há algumas que têm dificuldades muito grandes e que também têm prazos de pagamento a fornecedores muito dilatados, incompreensivelmente dilatados. Mas a Administração Central é a primeira a não dar o exemplo.

Ora, eu na altura sugeri uma coisa que aproveito para voltar a recordar. Todos os créditos que os fornecedores têm face ao Estado constitui uma dívida que está reconhecida no Estado pelos serviços que foram prestados, a dívida foi contraída, ela está reconhecida. Se o Estado não paga é porque não tem liquidez, não tem tesouraria. Não aumenta o défice por pagar, a dívida já lá está. Portanto, é o problema de pagar. Porque é que o Estado não paga? Não tem lá dinheiro, vá buscá-lo. Simples. Há um processo expedito que é emitir certificados de dívida, recolhe os devidos meios financeiros e paga. Na sequência desta minha proposta, o Primeiro-Ministro foi dizer que Estado ia pagar 1/3 daquilo que devia, disse isto no Parlamento, 1/3 daquilo que devia ia pagar. E eu pergunto, mas porquê 1/3? Porque é que paga 1/3? O Estado deve ou não deve? Então pague o que deve. Se não quer neste momento preciso ir ao mercado, emitindo dívida para poder ter liquidez, que utilize um mecanismo muito simples que se chama a compensação dos créditos, pura compensação de créditos. As empresas devem dinheiro ao Estado, o Estado deve dinheiro às empresas, faz-se a devida compensação. Mas a compensação é devida não como resposta de princípio, mas porque o Estado não paga o que deve. Agora, imaginem uma empresa como há muitas, que boa parte da sua actividade é prestar serviços para o Estado. Liquida o IVA, é obrigado a devolvê-lo, o Estado não paga, as empresas vão pagando os impostos e vão pagando o IVA e o Estado não lhes paga. Chega a uma altura em que as empresas entram em incumprimento. O que é que acontece? Por lei, desde que entrem em incumprimento, o Estado não lhes pode pagar e eles não podem continuar a prestar serviços ao Estado.

Já imaginaram situação mais absurda do que esta? Não há. As autarquias precisam de aprofundar o nível de descentralização de competências e isto até me faz uma boa ligação para a questão seguinte que a Mafalda Reis me pôs. Nós precisamos de acentuar a transferência de competências. Uma das áreas de que se fala há mais anos, que foi o PSD que iniciou, foi na área da educação. Não há hoje nenhuma razão para que o Ministro da Educação ou o Ministério da Educação seja responsável pela direcção de perto de 4.500 ou 5.000 unidades educativas ou escolas. Julgo que é este o número, aproximadamente. Já chegou a ser mais de 5.000 e tal, quase 6.000. Não há nenhuma razão. Não há nenhuma razão para que o Estado esteja a nomear professores para essas escolas todas. Não há nenhuma razão. Na Educação nós devemos transferir boa parte destas competências para as próprias escolas e para as autarquias locais e o resto o Estado deve-se remeter à sua função de fiscalizar, de definir as grandes linhas do que devem ser os programas porque até aí devemos permitir alguma modelação regional, não tem de haver necessariamente o mesmo programa em todo o lado, embora deva existir o mesmo arquétipo de base. Ora, as autarquias para poderem funcionar desta maneira precisam de mais qualificações também, mas também precisam de maiores recursos e não me parece que o Estado esteja disponível para os dar.

Eu acho que o principal desafio é passar, portanto, para um nível qualitativo diferente em que as autarquias de direito próprio possam funcionar ao nível da coordenação e das respostas públicas, a um nível muito mais aprofundado do que é hoje, seja na área do ambiente, seja na área da educação, seja na área da segurança social.

Agora, põe-se a pergunta, o nível das câmaras municipais é suficiente ou não para que um conjunto de competências sejam transferidas?

Quando se falou em Portugal da regionalização, chamou-se a isso regionalização, ficámos todos com a ideia e eu também fui um partidário dessa ideia até porque do ponto de vista do princípio é uma ideia correcta, a da descentralização política, eu sou um defensor da descentralização política e as actuais sociedades são o mais descentralizadas que existem. Portanto, não há nenhuma razão para que o Estado não seja também descentralizado. Devemos descentralizar para as autarquias. Faz sentido ou não, criar novas autarquias de âmbito supramunicipal e abaixo do Estado? Em teoria faz, em teoria faz. Na prática todos os modelos que até hoje foram apresentados são maus modelos, do meu ponto de vista. Porquê? Por duas razões. Primeiro, porque se confundiu o processo de descentralização administrativa com descentralização política. E muita gente acha ou tem a expectativa de que venham a instituir-se no território continental, experiências semelhantes àquelas que existem nos Açores e na Madeiras. Governos regionais, parlamentos regionais. Ora, isso é uma descentralização política e não administrativa.

A maior parte do modelo que esteve por base da regionalização tinha um pressuposto de Estado regional que não é aquele eu defendo. E reparem bem que a maior parte das pessoas foi sensível a estes argumentos, nós não precisamos de mais parlamentos, não precisamos de mais governos, não precisamos de uma nova classe política ao nível regional. O que nós precisamos é de entidades que congreguem um nível maior do que as meras autarquias actualmente existentes, e que possam coordenar os investimentos, nomeadamente os investimentos públicos. Ora, esses movimentos são muito diferentes da ideia de que devemos ter uma grande região Norte, uma grande região Centro, o Alentejo. Os partidários deste modelo dizem, não faz sentido defender regiões mais pequenas. Porquê? Porque regiões mais pequenas não têm dimensão crítica. Quer dizer, não podem, na prática, funcionar como Estados regionais. Ora, mas eu não quero Estados regionais. As chamadas NUTs II, representam já um razoável arquétipo de cooperação entre autarquias que pode perfeitamente funcionar. Porque é que as autarquias não escolhem, elas próprias, esses modelos? Eu preferiria um modelo desta natureza.

Por último, acho pouco provável que, tal como a Constituição reconhece a descentralização administrativa, que ela se venha a realizar no quadro desta Constituição. E é preciso uma maioria de 2/3 para que o quadro mude. O actual quadro exige duas coisas. Um, que haja acordo no modelo e não há. Os defensores da regionalização defendem modelos diferentes. Segundo, que o referendo que institui a regionalização seja participado por mais de 50% dos eleitores. Ora, reparem bem. Uma coisa é, como nos restantes referendos, exigir uma maioria de 50% para que ele possa ter um efeito vinculativo. Outra coisa é dizer, nós não temos regionalização se mais de metade dos eleitores não participar naquele referendo e ele não conduzir à aprovação.

Eu acho que, neste quadro, nunca mais há regionalização em Portugal ou, pelo menos, nos próximos anos. E, porém, nós precisamos de descentralizar. Eu defendo um modelo diferente do das grandes regiões que os partidários da regionalização defendem por estas razões que julgo que consegui explicar.

 
Dep.Carlos Coelho
- Grupo Verde, Rafael e depois grupo Bege, João Oliveira.
 
Rafael Remondes
- Antes de mais, queria cumprimentar o Exmo. Dr. Passos Coelho e dizer que, em nome do grupo verde, é uma honra receber uma personalidade política do calibre do Sr. Dr. que fez tanto por esta JSD que hoje representamos. A questão que lhe quero colocar é a seguinte, tem a ver com a carga fiscal sobre o preço dos combustíveis. Quando se desenrolou a campanha eleitoral para a liderança do PSD, o Sr. Dr. defendeu que deveria haver uma menor carga fiscal sobre os combustíveis. Depois, o preço desceu e depois vários economistas vieram dizer que o aumento do preço do petróleo foi apenas mera especulação e que até os Países produtores de petróleo estavam a produzir mais. Actualmente, ainda defende que o Estado deve diminuir a carga fiscal sobre os preços dos combustíveis? Obrigado.
 
João Oliveira
- Antes de mais, boa noite a todos. Queria começar por, em nome do grupo bege, saudar o Dr. Pedro Passos Coelho pela sua presença aqui na fantástica Universidade de Verão 2008. Queria também aproveitar, a nível pessoal, para lhe dar os meus sinceros parabéns pelo resultado bastante significativo que teve nas últimas eleições directos do Partido Social Democrata. A nível da pergunta que lhe quero dirigir, ela tem a ver exactamente com essas mesmas eleições directas. O Dr. Pedro Passos Coelho em campanha, defendeu o casamento dos homosexuais pelo que é público. Aquilo que eu lhe queria perguntar era se, tendo sido o Dr. Pedro Passos Coelho candidato ao Partido Social Democrata, se considera que a maior parte dos militantes do Partido Social Democrata estão exactamente de acordo com essa mesma medida que propôs? Queria também perguntar se essa mesma proposta que fez, de certa maneira, influenciou ou não, o seu resultado eleitoral e se sim, na positiva ou na negativa?
 
Dr.Pedro Passos Coelho
- Não tive tempo de tomar nota de tudo e, portanto, vou responder já para não me esquecer. Muito obrigado pelos cumprimentos, de resto, que outros também aqui me têm feito. Deixem-me dizer-lhes, podia deixar isto para o fim, mas não razão para acabar de maneira tão convencional. Prefiro dizê-lo agora, disse-o um bocadinho no início mas é, para mim, de facto uma honra muito grande poder estar aqui convosco. Sem querer medir quem é se sente mais honrado, eu posso dizer que indiscutivelmente sou eu. Não vale a pena estar a fazer essa discussão. Tenho de ser eu. Eu estive na JSD muitos anos, realmente. Foi uma escola extraordinária até porque, ao contrário do que alguns críticos foram notando, de resto, com grande pertinácia e persistência porque se mantêm ao longo dos anos e são quase sempre os mesmos, o que não é mau. Não têm crescido, não têm variado. Aqueles que vão dizendo que a JSD é uma escola de vícios, eu tenho pena, sinceramente, que eles não tenham conhecido e não conheçam a JSD. Tenho pena. Porque realmente não digo que não queiram ver a realidade mas, às vezes, há barreiras mentais que as próprias pessoas criam, não vêem porque têm barreiras que as impedem de ver. São elas próprias que constroem. Essas barreiras chamam-se preconceito. Ainda há algum preconceito nos partidos políticos relativamente às estruturas mais jovens. E esse preconceito é velho como a sociedade. Recordo-me de uma citação que usámos no Projecto Político para a Juventude Portuguesa, justamente para retratar esta situação e que era um provérbio milenar chinês que dizia que o mundo estava perdido com a juventude que tinha. Se estava perdido há 2.000 e tal anos, imaginem como não está perdido, hoje.

É, de facto, uma honra ter estado na JSD, ter tido a oportunidade de, com frontalidade ter discordado de muitas coisas que o PSD defendia, muitas dessas diferenças eram assumidas internamente, outras tiveram grande eco público e isso reforçou, quer o PSD, quer a sua base de recrutamento de juventude. Porquê? Porque ela era feita com autenticidade. Era autêntica. Não há carreirismo na JSD? Há. No meu tempo havia. Há-de haver hoje. Não há carreirismo no PSD? Há. Então não há? Todas as organizações têm carreiristas. Todas as organizações conhecem oportunistas, todas as sociedades têm os defeitos e as qualidades dos seres que a compõem. Favorecia a JSD, a estrutura da JSD, esse tipo de comportamentos? Não. Combateu-os. Combateu-os, às vezes, roçando o limite da impossibilidade. Aconteceu comigo quando impedi politicamente, que membros de órgãos nacionais fizessem parte de estruturas do governo. Não podiam ser assessores de Ministro, Adjuntos, membros do Governo, aconteceu com uma Vice- Presidente minha, que era minha 1ª Vice- Presidente , deixou de o ser com outros membros das minhas comissões políticas, tiveram de sair da JSD quando um dia optaram por uma colaboração com o governo. É muito discutível que tivesse de ser assim. Mas a verdade é que, na altura, me pareceu ser uma maneira de vincar bem a autonomia e a diferença que vinha para a JSD e isso só era possível de fazer não houvesse um conflito de interesses. Mas, portanto, peço desculpa porque não me fizeram esta pergunta e eu estou a cometer um vício dos políticos mais velhos que é responder ao que quero, dizer o que quero, mesmo quando não me fazem a pergunta. Mas atendendo ao comentário que vou fazendo, eu creio que aceitam a pertinência desta observação.

A JSD, portanto, foi uma escola extraordinária. Hoje não a conheço tão bem. Ainda bem. É um bom sinal. Mas não há nenhuma razão para passar a usar do preconceito e do vício que critiquei nos outros no passado. Portanto, a honra é duplamente minha.

Eu não defendi o casamento entre homosexuais. Eu disse que, quando essa questão me foi colocada, eu defendi que o Estado não devia discriminar ninguém em razão do sexo, em razão da religião ou de qualquer outra crença. É a minha convicção, é um espírito absolutamente liberal, desse ponto de vista. E se na democracia me defino … (Um minuto inaudível)

Não pode no plano social também ser discriminatário. Não pode, portanto, não pode discriminar. Não sei se pelo facto de serem do mesmo sexo, as pessoas que querem ter uma vida em conjunto e com o qual o Estado não tem nada que ver, o Estado não tem que se meter nisso. Isso é uma questão que respeita às pessoas, não respeita ao Estado. Se essas duas pessoas quiserem viver em conjunto não podem ser discriminadas face à lei do Estado, às leis públicas. Ora, já hoje, grandemente não são. Excepto, talvez, face à lei, excepto talvez naquilo que tem que ver com o direito sucessório. Porquê? Porque, como sabem, o casamento protege um certo direito sucessório enquanto que a união de facto não protege. E, nessa medida, a união de facto, julgo que têm a noção disso, eu não sou jurista e, portanto, se a minha terminologia não for absolutamente impecável dêem o respectivo desconto.

Mas, a união de facto não se aplica a qualquer tipo de sexo. O género não é para ali chamado. A união de facto aplica-se a todo o universo de dois indivíduos, sejam eles do mesmo sexo ou não sejam que tenham uma vida em comum. Ora , aí há uma distinção face ao casamento. Se essa distinção perante a lei pode ser suprimida através da lei civil no capítulo do casamento, ou no capítulo naquilo que diz respeito à união de facto, ou criando uma outra figura qualquer que não se chama o casamento, chama-se o A, o B e o C que resolva esse problema, não sei. Deixo isso, sinceramente, não tenho uma opinião definida sobre isso, isso é uma questão, não sendo de todo uma questão não política, é uma questão mais técnica do que política.

Agora que o Estado não tem que discriminar, não tem. Pergunta, acha que a maioria dos militantes tem essa posição? Não sei. Não perguntei. Não fiz um referendo e não faria submeter a minha apreciação a esse julgamento. E acho que isto é muito importante, para mim é muito importante, espero, sinceramente, que o seja para vós também. Nós não podemos transformarmo-nos numa espécie de reprodutores de senso comum ou da opinião comum, ou da opinião publicada. Isso torna-se medíocre em democracia, empobrece as democracias, enfraquece os mandatos representativos e aliena as sociedades. As sociedades dificilmente aceitariam ser governadas em mecanismos de democracia directa ou sob mandatos vinculados. Porquê? Porque frequentemente não se consideram a elas próprias capazes para isso. Eu gostava muito de não precisar de ir ao médico e de me auto-medicar e auto-diagnosticar. Há o pequeno problema de que não sei, não sei e tenho de confiar em alguém para tratar desse aspecto da minha vida. Há outros aspectos da minha vida fazendo parte de uma sociedade que evoluiu ao longo dos séculos, eu preciso, em função da especialização, de partilhar com outros algumas decisões e de confiar no talento e na especialização de outros. Tenho de fazer isso, não pode ser de outra maneira.

Ora, também assim é com a democracia. Há um livro que, quando preenchi aquele inquéritozinho, não sei onde está, com as minhas recomendações sugeri que é “O Futuro da Liberdade” do Fareed Zakaria ou Zacaria. Ele tem origem indiana, apesar de estar radicado nos Estados Unidos há muitos anos. É um livro que, sinceramente, espero que possam ler. E, já agora, junto um outro que não é o “O Futuro da Liberdade” é o “Futuro da Democracia” do Norberto Bobbio que está editado pela Dom Quixote. São dois livros que têm perspectivas, não direi antagónicas, mas que olham para o mundo assim, enfim, com uma década e meia de diferenças e de prismas relativamente separados. Alguém que veio tradicionalmente da esquerda, alguém que está tradicionalmente mais à direita, se é que isto, hoje em dia, é muito elucidativo. Em qualquer deles, temas como estes são tratados com algum detalhe e com alguma surpresa. Até alguém mais iconoclasta como eu se sentiu, várias vezes, surpreendido com algumas das abordagens. E às vezes é preciso ser absolutamente aberto a outros juízos, para não recusarmos a ideia de que o excesso de democracia pode ser anti-democrática, por exemplo. Ao longo da História, eM sociedades democráticas cometeram-se horrores, mandou-se assassinar gente, instituí-se escravatura por métodos absolutamente maioritários. As maiorias não têm sempre razão, não têm sempre razão. Mas é, até hoje, como dizia na “Sociedade Aberta e seus Inimigos”, Karl Popper, o melhor sistema que se conhece, que permite que possamos substituir a classe dirigente que nos governa sem derramar sangue, de facto. E esse já um desiderato muito importante.

Portanto, a função dos políticos não é, quais ventríloquos que têm um boneco na mão e que manipulam, a seu belo prazer, colocando-lhes na boca aquilo que lhes interessa, o mandato de representação não cabe na imagem do ventríloquo. Não pode ser um mandato vinculado. Essa é a negação do mandato representativo. E, portanto, quando escolhemos alguém para nos representar não queremos que ele esteja sempre a ouvir-nos ou que ouvindo-nos esteja sempre a reproduzir aquilo que nós pensamos. O nosso representante é alguém a quem nós confiamos para um determinado mandato, e depois vamos avaliá-lo e julgá-lo, e vamos saber se ele abusou do mandato que lhe confiámos ou não, se ele administrou bem essa confiança ou não e, às vezes, não chegamos à mesma conclusão em todos os momentos. Há alturas em que nos irritamos e nos revemos menos nas posições que os nossos representantes assumem, e há momentos em que nos revemos mais. E, a seu tempo, temos ocasião de saber se o saldo é satisfatório ou não é. Portanto, eu não sei o que é que a maior parte dos militantes do PSD pensa sobre esta matéria. Isso não me impediria, caso a sua opinião não fosse maioritariamente a minha, de defender o que defendi. E devo dizer que aceitaria de bom grado que alguma penalização eleitoral recaísse sobre mim se houvesse esse desacerto de pontos de vista. Mas é isso que faz que os partidos possam ter alternativas e pontos de vista diferentes, com gente com pontos de vista diferentes. Se ouvíssemos todos os militantes antes de decidir aquilo que queremos comunicar, diríamos todos a mesma coisa e diríamos todos coisas incongruentes dependendo do tempo em que falássemos porque a maior parte dos militantes não pensa sempre a mesma coisa sobre os problemas, o tempo todo.

Quanto à questão da carga fiscal sobre os combustíveis. Eu defendi, na altura, uma coisa que mantenho. Nós temos um excesso de fiscalidade na sociedade portuguesa, seja ao nível do IRC, seja ao nível do IRS, seja ao nível dos impostos indirectos e também ao nível do ISP. Claro que, no caso dos combustíveis, ele é agravado pelo facto de ser um efeito conjugado de IVA mais ISP. Mas a verdade é que, quando comparado com a média da União Europeia, o nível de fiscalidade que incide sobre os nossos combustíveis é superior à média da União a vinte e sete. E aquilo que eu disse, na altura, foi, se estamos com um grave problema e um problema emergente, ele não é só um problema de curto prazo, mas no curto prazo, nós podemos aliviar esta situação se fizermos aquilo que podemos fazer noutras áreas que é diminuir o excesso de fiscalidade. Dir-me-ão assim, bem, mas isso é contraproducente. O que nós precisamos é de penalizar os combustíveis fósseis de modo a acelerar as mutações na sociedade que nos permitam aceder a outras tecnologias e disseminá-las mais depressa. No médio/longo prazo, isso é inteiramente verdade. Mas isso corresponderia a aumentarmos o ISP. Então vamos aumentar a carga fiscal. Vamos usar a carga fiscal, reparem, como um meio de dissuadir aqueles consumos. É simples. Vamos dizer que o ISP ainda é baixo demais. Não era isso que estava em causa.

Nós sabemos que há um problema do lado da oferta nos combustíveis fósseis. O preço pode ter uma componente de especulação, mas essa componente é ocasional. O preço dos combustíveis reflectirá o aumento na origem do preço do crude e ele só pode aumentar sustentadamente pela simples razão de que as reservas existentes para exploração aos custos mais acessíveis, típicos das grandes reservas que vimos tendo, sobretudo na Arábia Saudita, estão a desaparecer. Claro que temos muito outra boa forma de ir buscar petróleo. Ao nível das areias, aquele que, mesmo nos oceanos, existe em maior profundidade. O problema não é esse. O problema é que, como os economistas conhecem pela lei dos rendimentos decrescentes, torna-se cada vez caro, em termos marginais, explorar esses recursos. E isso vai-se reflectir no preço, a menos que haja um subsídio. Se não houver subsídio, por mais que evolua a tecnologia, os membros da OPEP não podem aumentar muito mais a produção. Há limitações tecnológicas para isso. E mesmo que aumentem um pouco mais a produção e ela tem sido aumentada, não têm a possibilidade de nos próximos dez anos, quinze anos, vinte anos de assegurar o mesmo nível de oferta. E nós sabemos que há Países que estão a industrializar-se em grande escala, em particular a China e a Índia mas, sobretudo, a China que têm causado do lado da procura uma pressão inusitada que não é comparável com os períodos antecedentes. Ora, conjugando isto tudo, não é preciso ser um oráculo nem um adivinho para perceber que o preço do petróleo vai continuar sustentadamente a aumentar, mesmo que possa diminuir conjunturalmente e que nós precisamos de encontrar alternativas. Isso não pode ser de outra maneira. Temos de mudar, também, de paradigma e temos de fazer mais do que isso. Reparem, esta é uma questão extremamente importante e é até estratégica e, por isso, ao nível da plataforma com que estou a colaborar e que estou a lançar, decidimos lançar um primeiro debate-conferência justamente sobre as questões energéticas.

É porque não nos basta encontrar fontes alternativas. Se olharem para as energias renováveis por mais extraordinárias que sejam as alterações tecnológicas, o nível de produção que pode vir dessas energias renováveis nunca satisfará as actuais necessidades. O que significa que nós temos de mudar de paradigma ao nível da utilização racional da energia. E isso exige mudanças culturais nos comportamentos, na maneira como as cidades estão estruturadas, na forma como o próprio aparato industrial está montado. Já não é muito cedo para incentivar essas mutações e há algumas áreas, nomeadamente ao nível dos subsídios que já hoje existem para energias alternativas, que terão tendência rápida para desaparecer pela simples razão de que, algumas delas, já são competitivas, hoje, mesmo sem esses subsídios. E a partir dos 60, 65 dólares o barril, a energia eólica já é competitiva, não é preciso subsídio e a fotovoltaica, mesmo sem grandes mutações tecnológicas, a partir dos 130, 140 dólares por barril, também já começa a ser competitiva. Portanto, estão a ver que nós temos de mudar muita coisa na maneira como olhamos para a área energética. Mas temos de mudar muitos hábitos. Saber se podemos acelerar estes processos aumentando os impostos, eu julgo que sim. Eu julgo que isso poderia ser uma via. Mas acho que não vai ser necessário, não vai ser preciso penalizar por via fiscal a dependência para os combustíveis fósseis. Estas condições económicas do lado da oferta que referi são suficientes para que nós aceleremos as nossas mutações.

 
Dep.Carlos Coelho
- Grupo Azul, Dino Alves e Clara Nogueira do grupo Laranja.
 
Dino Alves
 - Boa noite, Dr. Pedro Passos Coelho. Antes de mais, agradeço-lhe a sua presença e é uma honra tê-lo entre nós. O povo irlandês rejeitou em referendo o Tratado de Lisboa, mas Portugal já se tinha ligado de pedra e cal a esse Tratado e isso pode ter imensas consequências para o País. Quais são essas consequências em seu entender? E mais, caso ele seja aprovado, quais são as consequências para a democracia?
 
Clara Nogueira
- Muito boa noite, Sr. Dr. Passos Coelho. Dou-lhe os meus cumprimentos em nome do grupo laranja pela cor que se pode deduzir da sua qualidade. Correndo o risco de me repetir, falando outra vez na plataforma, na “Construir Ideias”, o seu objectivo com esta plataforma seria unir o partido para, deste modo, formar uma melhor oposição rejeitando a ideia que isso pudesse criar divisões. Mas, contudo, como é sabido que as opiniões do Sr. Dr. Passos Coelho são, por diversas vezes diferentes, contraditórias às emitidas pelo nosso partido como, por exemplo, o veto do Presidente da República em relação à lei do divórcio, eu queria-lhe perguntar se não será inevitável que isso conduza a uma fragmentação dentro do partido. Muito obrigado.
 
Dr.Pedro Passos Coelho
- Eu espero que não. Espero, sinceramente, que não. Primeiro, porque a plataforma “Construir Ideias” não tem de reflectir estritamente as minhas opiniões. Eu irei expender as minhas opiniões na plataforma como as defendo dentro do meu partido. Portanto, a plataforma não está moldada ao meu pensamento.

Segundo, o meu pensamento não é assim tão exótico quanto isso e não sei se criará tantas dificuldades à união do partido quanto isso. Eu acho que a união se faz na acção e na diversidade de pontos de vista. E deve ser isso, com certeza, passo a ironia, que a actual Direcção do PSD cultiva permitindo que entre a Presidente do Partido, os seus Vice- Presidente s, os outros membros da Comissão Política, apareçam em artigos que vão sendo publicados ou em posições públicas que vêm sendo assumidas, posições que não são exactamente consonantes. O Prof. António Borges que tiveram aqui, ainda há pouco tempo, já por mais do que uma vez, exprimiu em entrevistas e artigos, posições muito próximas daquelas que eu venho expondo, quer na área económica, sobretudo na área económica, mas em relação a algumas políticas públicas também, e que contrariam de resto, ideias que, por exemplo, a Dra. Manuela Ferreira Leite assinalou durante ainda a campanha eleitoral, seja relativamente à carga fiscal, seja relativamente, por exemplo, a processos de privatização da Caixa Geral de Depósitos , seja, enfim, vários deles.

Pergunta-se, o conhecimento público destas minhas ideias prejudica mais a unidade do partido do que a pluralidade de opiniões da própria Direcção quando expressas publicamente? Eu penso que não. Penso que não, sinceramente. E, portanto, não devo ser mais papista do que o Papa. Mas, conforme tive ocasião de dizer já noutras circunstâncias, mesmo que as regras não estejam escritas, eu próprio me conduzo à auto-contenção e ao auto-controlo de modo, no que me diz respeito, em vésperas de eleições, não criar ou acentuar linhas de diferenciação que são mais bem-vindas durante o período entre as eleições do que em vésperas de eleições, evidentemente. Mas, até por isso, seria bom que para evitar uma ideia de alguma dissonância pública, a própria Direcção se apressasse a esclarecer a sua posição relativamente a algumas matérias. Acho que isso também seria importante.

O Dino colocou uma questão do Tratado de Lisboa. Eu confesso, nunca fui assim um grande defensor do Tratado de Lisboa. Porquê? Porque em muitas coisas importantes ele não é mais, em conteúdo, do que aquilo que foi o projecto de Constituição Europeia. Em quase tudo, em quase tudo. Claro que não é assim tão acessório como isso, um chamar-se Tratado Constitucional para não ser Constituição e o outro se chamar Tratado de Lisboa. E não é assim tão acessório porque a semântica, às vezes, tem a sua relevância. As palavras têm significações próprias e é bom que tenham para que nós nos entendamos quando nos exprimimos senão fazemos como absurdamente vem previsto no acordo ortográfico que eu, de resto, não sei se o PSD concorda. Eu também não concordo. O PSD parece que votou favoravelmente no Parlamento e o Presidente da República também promulgou, com muita pena minha. Mas aí, enfim, insuspeitamente o Eurodeputado, colega, Deputado Vasco Graça Moura tem uma posição idêntica à minha. Eu devo dizer que eu tenho uma posição idêntica à dele, na medida em que ele tem uma leitura não só tecnicamente mais sustentada, como desde mais cedo proclamou este seu ponto de vista. O acordo, como sabem, foi ainda feito na altura do governo do Prof. Cavaco Silva. Era, então, Secretário de Estado da Cultura, o Dr. Pedro Santana Lopes, que o promoveu. A semântica impõe que, quando um brasileiro diz absolutamente, esteja positivamente a negar aquilo que lhe é perguntado e que alguém que se exprima em português de Portugal quando diz absolutamente confirme, evidentemente, aquilo que lhe é perguntado. Não há regra que ultrapasse este problema. Não há. Podem instituir o que quiserem no acordo, no Brasil, quando alguém perguntar, o Senhor é a favor do divórcio, absolutamente, quer dizer não, não sou. E cá quando nós dizemos absolutamente, queremos dizer sim, isto é sabido e consabido. Estas diferenças têm de ser conhecidas. Trazem uma diferenciação cultural. Ela é bem-vinda ou mal vinda? Eu acho que é bem vinda. Acho que é bem-vinda e acho um vício horrível que o Estado se meta nestas coisas. É outra das coisas onde eu acho que o Estado não tem nada que se meter. O Estado tem de proteger a nossa cultura, o nosso património, edificado, histórico, não tem que ter política cultural. Não tem que dizer o que é que a cultura boa ou má, o Estado não tem que ter uma noção estética das coisas. Isso cumpre à sociedade, aos indivíduos. Portanto, o Estado não é aqui chamado para coisíssima nenhuma. Ora, voltando ao Tratado de Lisboa, peço desculpa, a esta hora a minha capacidade para me dispersar é imensa e o Carlos Coelho já não me dá caneladas e, portanto, deixa-me divagar. Nunca tive nenhuma simpatia pelo Tratado de Lisboa, apesar desta diferença acessória não ser tão acessória quanto isso. Em tudo o mais, é um documento que prolonga esta tendência que se vem acentuando há muitos anos, que aponta para uma construção política na Europa que não é feita, sobretudo, com os Estados, mas é feita acima dos Estados e que tem, portanto, um carácter federalista. E eu sou um defensor acérrimo da Europa das Nações, não sou um defensor do Estado Europeu.

E, portanto, todos aqueles que olham para a Europa e dizem, caramba, eu gostava de ver aqui os Estados Unidos da Europa. Eu não. Eu olho para a Europa e digo assim, caramba, eu gostava de ter a noção de que tenho uma pertença suficientemente próxima para me sentir europeu em Washington e ocidental em Beijing, mas não quero apresentar-me como sendo um cidadão do Estado Europeu, porque eu não tenho esse sentimento de pertença à Europa. Eu sou europeu, mas isso não é apenas uma contingência geográfica. Nós temos uma cultura em comum, mas também temos as nossas diferenças e essas diferenças valorizam-nos enquanto nação. E, portanto, eu acredito numa Europa de pluralidade de Nações que acertam regras entre si e que algumas exijam a unanimidade, parece-me essencial, para preservar a Europa das Nações. Aqueles que pressionaram a Europa para fazer alargamento após alargamento, que sempre submeteram os fins aos princípios, que estão mais interessados na eficiência do que na natureza das coisas, hoje dizem, essa Europa se não caminhar para um Estado Europeu, não funciona. E, portanto, vivemos no caos. No caos a que estes anos de políticas de pendor federalista nos conduziram.

Ora, eu estou convencido, mais uma vez recordando que não sendo jurista posso estar a cometer aqui algum lapso, mas eu estou convencido que o nível de integração normativo na Europa, já excedeu largamente aquele que existe nos Estados Unidos da América. Porque nos Estados Unidos não existe ao nível do governo federal, uma universalidade em muitas das políticas que hoje funcionam como políticas comuns em Bruxelas. Dêem-se a esse trabalho de ir ver o que é hoje a produção legislativa da maior parte dos Países europeus e se não puderem estar a perder muito tempo com todos os outros Países, vejam em Portugal. A grande maioria da produção legislativa do governo (e ela já se deslocou do Parlamento efectivamente para o governo, para o poder executivo), não se resume, evidentemente, mas tem um pendor fortíssimo de transposição de normativas comunitárias para o direito interno.

O nível de capacidade de autonomia da maior parte dos Ministros e do nosso governo em muitas das questões correntes da governação é muito limitado. É mesmo muito limitado. E essa é a razão porque muita gente diz, eu prefiro criar regiões e directamente, porque as regiões ainda não foram absorvidas por esse poder comunitário. Os Estados já, as regiões não. A única maneira de eu me salvar é ter aqui a minha região e discutir directamente com Bruxelas enquanto não estou obrigado a um conjunto de normativos. Mas os seus Estados estão. Portanto, eu não acho que haja um défice de integração política na Europa. Acho que pode haver o oposto. Vamos pôr a funcionar bem o que temos antes de dar outros passos que a cultura ainda não cauciona. É a minha opinião. Portanto, não vou chorar por o Tratado de Lisboa não andar para a frente, se isso acontecer e acho que só uma visão assim um pouco desmesurada da importância política que nos podemos atribuir a nós próprios é que pode justificar que o actual Primeiro-Ministro português tivesse sentido como uma derrota essa decisão pessoal, política, pessoal, essa decisão que resultou do referendo da Irlanda. Acho que dizer que o Tratado de Lisboa é bom porque é de Lisboa, realmente é o oposto daquilo que nós desejaríamos.

E, na minha perspectiva que não gosto de sacrificar o essencial à imagem, eu acho que nós teríamos interesse num Tratado diferente. Que mantivesse alguma preponderância das Nações e dos Estados e que, no caso do Estado português, que é um dos mais pequeninos, num Tratado que reforçasse mais os poderes dos órgãos através dos quais nós podemos fazer valer mais o nosso peso do que dilui-lo como acontece no Tratado de Lisboa. Mas isso é esta a minha perspectiva, sei que o Carlos Coelho tem uma perspectiva diferente e que outras pessoas dentro do PSD vêem de uma maneira diferente.

Mas, garanto-vos, não estou só no PSD com esta perspectiva e não estarei só na Europa com esta perspectiva e temo que estes avanços, assim um bocadinho aos solavancos grandes que vão sendo dados, podem um dia ter um efeito perverso e criar um grave problema político à Europa onde ele não existia. E, nesse dia, eu vou ficar descontente e triste porque preferia que houvesse um caminho mais sustentado do que aquele que está a haver.

 
Dep.Carlos Coelho
- Dr. Pedro Passos Coelho, nós temos uma regra na Universidade de Verão que é dar a última palavra ao nosso convidado, portanto, eu não torno a ter a possibilidade de, no quadro deste jantar-conferência usar o microfone e, portanto, permitirá que faça dois avisos antes de dar a palavra às últimas perguntas. Primeiro, para vos dizer que vocês receberam, hoje à noite, um impresso relativamente à visita a Castelo de Vide amanhã, na segunda parte da tarde, depois da Assembleia Extraordinária. A visita a Castelo de Vide não é obrigatória, mas vale a pena fazer a vista. Como a visita será guiada, para podermos pedir à Câmara Municipal, o conjunto dos guias necessários precisamos de ter uma ideia de quantos estão interessados em fazer essa visita. A visita demora uma hora, uma hora e pouco. Agradecia que quem está interessado preenchesse os impressos e nos pudesse entregar até amanhã ao início da sessão da manhã, às 10 da manhã. Depois, se houver mais um ou outro, não há problema. Agora temos é que dar uma ideia de qual é o número de pessoas estimado para eles poderem convocar, fora do horário do trabalho, os guias que vão andar connosco. Segundo, por razões relacionadas com a agenda da nossa convidada, temos que antecipar o envio das perguntas que estavam previstas amanhã à hora do costume para a Vanessa que é a nossa campeã olímpica, a medalha de prata do trialto. E, portanto, vamos ter que lhe enviar as perguntas muito cedo, de manhã. Entre as 10.30 e 10.45. Daí que, o impresso que vocês deveriam receber amanhã de manhã, já receberam esta noite. Podem fazer também, quem quiser, as perguntas através da Intranet. Mas nós, amanhã às dez da manhã, temos que fechar a recolha de perguntas. Portanto, uma vez mais, quem quiser usar a Intranet pode utilizar, quem quiser utilizar os impressos pode, durante a noite, pensar o que é que quer perguntar à nossa campeã olímpica e, amanhã às dez da manhã quando entrarem na sessão entregarem-nos os vossos impressos com as perguntas. E, finalmente, para agradecer ao grupo Rosa, o convívio simpático que nós tivemos nesta noite aqui e a vossa hospitalidade na vossa mesa, e dar a palavra aos últimos dois oradores, grupo Amarelo, Filipa Bandeira e Irina Martins do grupo Rosa.
 
Filipa Bandeira
- Muito boa noite a todos. Gostaria de agradecer em nome do grupo amarelo, a participação do ilustre companheiro Pedro Passos Coelho, nesta enriquecedora Universidade de Verão. Atendendo à sua experiência como antigo Presidente da Juventude Social Democrata e ao espírito de iniciativa que revelou com a recente criação da plataforma de reflexão estratégica, a questão que gostaríamos de colocar é a seguinte. Como poderão os jovens portugueses protagonizar o lema “o futuro é agora” de modo a participarem mais activamente na política?

Gostaríamos ainda de lhe colocar uma segunda questão que é: como é entende que será possível suscitar uma maior intervenção do género feminino na actividade partidária? Obrigada.

 
Irina Martins
- Boa noite a todos. Queria agradecer ao Dr. Pedro Passos Coelho, a toda a mesa que nos acompanhou no jantar e a todos vocês que aqui estão hoje. Para já quero iniciar a minha pergunta com uma citação de Kennedy, “não perguntes o que é que o teu País pode fazer por ti, mas o que é tu podes fazer pelo teu País”. E em relação a isso quero fazer a nossa pergunta ao Dr. Pedro Passos Coelho. Como jovens que somos, estamos de olhos postos em si, um político do século XXI que surge agora no novo panorama político e perguntamos-lhe: o que é que o Senhor pode fazer pelos jovens que estão de olhos postos em si?
 
Dr.Pedro Passos Coelho
- Bom, fica-te muito bem citar Kennedy. Essa frase, se a minha memória não me atraiçoa, a minha memória não é vivencial, a minha memória strictu sensu, foi proferida no seu discurso de tomada de posse em 1960. E foi, realmente, uma frase emblemática. Reparem, feita por um Presidente Democrata, num País aonde, por tradição, os democratas defendem em particular, a intervenção dos poderes públicos e do Estado. E é muito curioso que tenha sido alguém com estas características, a inverter a pergunta. Não me perguntes o que é a América pode fazer por ti, diz o que é que tu podes fazer pela América. Isto traduz de uma assentada duas visões que são muito relevantes. Uma sobre aquilo que nós esperamos que seja o papel do Estado e o papel dos indivíduos da sociedade. E indica, claramente, que não esperamos que o Estado dê resposta a tudo. Queremos que ele mantenha uma reserva de autonomia e de intervenção , e de responsabilidade para os cidadãos. Mas incentiva, sobretudo, todo o cidadão a não se deixar desresponsa- bilizar pelo que outras estruturas possam fazer, mas a manter uma atenção permanente, vivencial, em resolver os problemas da sociedade. Ajudar a resolver os problemas da sua sociedade.

No plano político, as pessoas organizam-se de muitas maneiras, através dos partidos políticos, de outras instituições. O terceiro sector que vem sendo desenvolvido ao longo destas dezenas de anos, das IPSSs, das ONGs que representam, portanto, espaços também em que pessoas sem outras afinidades que não seja a de resolver problemas em função de respostas comuns que podem canalizar tem vindo a crescer muito. Ora, essa perspectiva deve aplicar-se hoje, mais do que nunca em Portugal também. Porque esse sentimento de que temos alguma coisa a fazer pelo nosso País, pela nossa sociedade, no fundo pelo nosso semelhante, de que não esperamos que seja o Estado ou outra instância, Bruxelas, a resolver o problema é sinónimo de um sentimento de cidadania que precisa de ser aprofundado e que precisa de ser alimentado. E eu acho que o PSD tem melhores condições do que qualquer outro partido para, rigorosamente pegar nessa perspectiva e fazer essa ruptura com o passado que não é uma ruptura apenas com o passado democrático, é uma ruptura com alguns séculos de centralismo no País e de ausência de autonomia de outras esferas políticas.

Aproveito para acrescentar o seguinte. Numa visão histórica assim muito rápida, não deixa de ser curioso verificar que uma boa parte daquilo que constitui essa reserva da sociedade civil na Europa e nas sociedades ocidentais se ficou a dever a um cisma religioso e, em grande parte, à Igreja Católica que não aceitou trasladar-se para Constantinopla. E foi esse o primeiro poder, de facto, da sociedade civil que se opôs ao poder temporal do Estado.

É sabido que, depois, a Europa, em todo o tempo medieval, não tanto em Portugal, mas de um modo geral naquilo a que podemos chamar a Europa ocidental, teve em todo o sistema senhorial, um conjunto de contra-poderes e de outros poderes que contrariaram o centralismo do Estado e do soberano original. E isso foi uma segunda reserva que marcou indelevelmente as democracias liberais tal como elas apareceram, e a defesa portanto, da sociedade civil. O terceiro talvez tenha sido o capitalismo. A emergência de uma sociedade capitalista porque a emergência de uma sociedade capitalista exige o respeito por direitos fundamentais, pelo direito de propriedade, pela estabilidade dos negócios, evidentemente, pela estabilidade jurídica, pela observância da concorrência mesmo quando ela é um pouco distorcida. Tudo isso exige uma limitação dos poderes do Estado e uma função reguladora do Estado. Ora, toda esta historiografia que estou muito rapidamente e sinteticamente a fazer, serve para dizer que, nós em Portugal saltámos vários destes episódios. Não os tivemos. Não os conhecemos. E, ao contrário dos Estados Unidos, que não os tendo conhecido também, se criaram por oposição àquelas Nações de origem e por contraponto aos poderes instituídos nesses Estados de origem, nesses Reinos de origem, da Irlanda, da Inglaterra, da França, a verdade é que nós vivemos sempre na dependência do Rei e, depois, do Dr. Salazar.

E, portanto, isto não é um problema da nossa democracia. A falta de autonomia da sociedade civil, a falta de vitalidade da sociedade civil é secular em Portugal. Eu acho que se nós não tivéssemos tido a sorte de estar na Europa em que estamos e de ter conhecido o progresso económico que conhecemos quando aderimos à EFTA, não teríamos cumprido aquela lei “empírica” de que uma sociedade se torna tendencialmente democrática quando tem um rendimento per capita que ande ali, pelo menos, entre os 3.000 e os 5.000 dólares. E essa foi a razão, talvez, porque em Portugal se conseguiu passar para a fase seguinte. Não foi a sociedade civil que reclamou estas mudanças e esta autonomia.

Ora, perante o tempo de empobrecimento da sociedade civil e do Estado que se nos oferece se não mudarmos de paradigma, torna-se indispensável libertarmo-nos desta centralização absoluta e partir para novos espaços de liberdade e de independência do País. É isso que eu posso fazer pelo meu País e por aquelas que acreditam em mim, é dizer-lhes, eu estou convencido disto e acho que o meu País trilhará um caminho de progresso e de crescimento e, portanto, também de maior equidade e de maior justiça, se limitar melhor o poder do Estado, se souber distinguir este ambiente de cumplicidade negativa que existe entre alguns sectores da sociedade civil que são subservientes e a quem este Estado pouco responsável interessa, e conseguirmos com mais transparência uma sociedade menos burocratizada, mais ágil, mais livre, mais pluralista. E espero, por essa razão, que aqueles que partilham da minha visão me possam ajudar também, a lutar por esse objectivo.

É isto que eu posso fazer. É isto que está ao alcance da cidadania, é o que está ao alcance da minha militância.

A Filipa perguntou-me como é que se pode participar na plataforma. Como é que os mais jovens podem de facto também, no fundo, entrar para esse mundo de conversação política, de narrativa política, de contraditório político. Será relativamente simples, verdadeiramente. Nós teremos um site que tem um conjunto de instrumentos que serão disponibilizados por aqueles que aceitam de forma residente, mais permanente, ser os provocadores do debate e que podem em razão dos assuntos, do nível de profundidade de estudo na abordagem dos problemas fazer uma espécie de editoriais, de notas críticas ou de relatórios, relativamente a questões mais aprofundadas e mais estudadas. E qualquer pessoa que tenha esse interesse pode inscrever-se na plataforma e, em espaço próprio, criticar, contrapor, juntar, não haverá rigorosamente outro filtro que não seja o de assegurar que são cumpridas as regras mínimas da decência política, da frontalidade política, da elevação e do contraditório. Estas são as regras mínimas. Portanto, não publicaremos apenas aquilo que nos será conveniente, embora eu esteja relativamente atento e os outros membros da plataforma que não se crie uma situação tal em que não, por qualquer razão, por qualquer inércia, não haja suficiente pluralismo ou contraditório. E, portanto, quando em qualquer altura, acharmos que não estamos com a vitalidade que devíamos ter, tentaremos provocar, convidar quem tenha opiniões, nomeadamente diferentes para que as possa lá expor e para que, portanto, as pessoas que vão acompanhar, seja através do site, seja através de um outro debate-conferência que possa ter lugar, que possam enriquecer o contributo que da plataforma pode vir a resultar para o PSD.

Como aumentar a participação das mulheres na política? Sinceramente, não sei. Sinceramente, não sei. Já me têm feito esta pergunta e é lamentável que eu não tenha outra forma de responder se não com esta sinceridade. Porquê? Porque eu não sou um defensor das quotas. Não sou. As quotas representam uma discriminação positiva, mas eu para ser directo, acho que deve haver discriminações positivas para estratos muito específicos da sociedade que, por condição muito especial, não podem ter ao seu alcance o mesmo desempenho que qualquer outro, em virtude ou de uma deficiência, de um handicap muito relevante e para esses devem existir discriminações positivas, reais e não há. Portugal, ao fim destes anos todos, em vergonha, continua a não ter uma política vocacionada para aqueles que têm handicaps, para aqueles que têm deficiências, graus de deficiência, nomeadamente física, que têm uma dificuldade insuperável de integração na sociedade. Agora, não creio, sinceramente, que seja esse o caso das mulheres. Não é esse o caso das mulheres. E as mulheres não são uma minoria, como sabem, até são uma maioria. Mas, às vezes, o mesmo raciocínio se aplica a outras minorias que queremos destacar, que queremos diferenciar, que queremos discriminar. Eu acho que esse tipo de discriminação acaba por não ser justa e acaba por repousar numa desconsideração de análise.

Os maiores detractores dos movimentos que conduziram às quotas …

(Um minuto inaudível)

 … quisessem dizer, eh, pá, olha, terás acesso a este lugar mas é apenas por uma condição de género, eu confesso, não me acharia particularmente lisonjeado. Agora, nós temos um problema evidente, ele salta aos olhos. As mulheres, apesar de participarem nas universidades e, portanto, na construção dos saberes, de terem lugares de destaque ao nível das administrações das empresas, não há hoje em Portugal, uma discriminação que tenha relevância aqui, quer dizer, não vivemos, felizmente, uma sociedade atrasada como aquela que já tivemos em que havia estritamente as profissões de homens para os lugares mais relevantes da sociedade. Hoje não é assim. Não é assim. Agora, na política ainda é assim. Porquê? Não sei dizer. Porque, verdadeiramente, não há nenhuma restrição, nem legal e eu atrevo-me a dizer que a generalidade das mulheres e, pelo menos, dos testemunhos que vou ouvindo, evidenciam uma distância face à política e ao próprio sistema político, muito maior do que a generalidade dos homens. E não é atribuível, do meu ponto de vista, a esse ponto prévio de marginalidade relativamente ao sistema. Não é por estar mais de fora que têm essa visão.

Como é que isto se pode alterar? Sinceramente, não sei, eu gostaria que fosse alterado. Já no passado tive de fazer listas, na JSD, fora da JSD, a preocupação por incentivar o aparecimento de mulheres na participação ao mais alto nível é genuíno, foi sempre genuíno e julgo que não haverá aqui muita gente que me desminta, tornou-se muitas vezes quase impossível porque as pessoas não querem. Não querem, recusam, preferem não estar e nem sempre as que mais se voluntariavam eram exactamente aquelas que mais aptidão ou mais condições revelavam para o desempenho dos lugares. Mas, enfim, vivemos sob o reino das quotas e, portanto, não sei como é que vão ser feitas listas autárquicas, talvez isso ajude a reequilibrar. Eu sou céptico em relação a isso. Claro que se forçarmos a regra, haverá mulheres a participar. Se isso retirar à regra, vai depois ou não resolver a situação, não sei. Mas, muitas vezes estas situações depois torna-se difícil voltar atrás e voltar à regra anterior. Mas não posso mais de acordo que, pelo menos, seria desejável que houvesse uma maior participação das mulheres dentro dos partidos, dentro da política, na cidadania e nos mais elevados órgãos do Estado.

Para terminar, são onze e um quarto, dizer-vos que tanto quanto me é dado saber, ninguém está certo de que a sua mensagem seja ouvida e interpretada da mesma maneira por todos os interlocutores. Às vezes estamos a dizer umas coisas e uns ouvem uma parte, outros ouvem outra. A nossa comunicação nem sempre é eficaz, nem sempre conseguimos ser absolutamente eficientes ao transmitir aquilo que pensamos. E, muitas vezes, isso depende das motivações de quem está a ouvir, das expectativas de quem está a ouvir, da história de quem está a ouvir, mas depende também das motivações e dos impulsos de quem está a comunicar, do agente emissor. A política, por definição, é comunicação. Reparem bem, porque é um universo humano. Nós não podemos adivinhar o que os outros pensam, não nos definimos só pelo que escrevemos. Não é possível de outra maneira se não confrontarmo-nos uns com os outros, discutirmos uns com os outros.

A Universidade de Verão, eu acho é um dos tipos de iniciativa que mais estimula todas estas coisas. E isso no PSD é extremamente importante, sabem. Agora, à margem desta questão sobre o silêncio da Direcção e da Dra. Ferreira Leite que eu prometi que não vinha aqui abordar porque acho, sinceramente, que já está tudo mais do que discutido e anotado. À margem disso, sinceramente, o PSD teve sempre uma mala pata com a comunicação social. Sempre, desde que eu tenho memória. Quando qualquer coisa não nos corre bem, isso deveu-se sempre ao facto de não termos conseguido uma boa comunicação porque a maior parte dos jornalistas está contra nós. Ou porque são de esquerda ou porque têm uma cultura diferente da nossa ou, enfim, teorias conspirativas mais exóticas porque não soubemos colonizar o suficiente esses mercados para poder manipulá-los, hoje. Eu, ao longo da minha vida, tenho experimentado uma sensação diferente. Não me tomem por ingénuo se disser que tive dissabores, como quase toda a gente, com jornalistas e com órgãos de comunicação social. Mas, francamente, o saldo não é esse, não é o do dissabor.

E em grande medida, eu penso que isso se deveu ao facto de eu ter tentado sempre e levado o contacto com a comunicação social como com todos os outros, da forma mais autêntica que eu puder. Se achar que não devo dizer alguma coisa, acho que não me devo pôr a jeito. É preferível não atender um jornalista do que contar-lhe uma história que entra pelos olhos dentro, não é aquela que estamos a pensar. É apenas aquela que é conveniente. Um dia receberemos em troca uma coisa que não estamos à espera e que não nos dá jeito. Não podemos querer a um tempo ser manipuladores e do outro não ser manipulados.

Um partido grande como o PSD não pode deixar de ter uma boa estratégia de comunicação e não pode ser ingénuo ao ponto de pensar que o Estado não tem um aparato ainda relativamente forte e importante para poder comunicar, nomeadamente a partir da televisão, e de que não há sectores económicos que na sua relação com o Estado utilizam como moeda de troca o poder que têm na comunicação para umas vezes fazerem o seu caderno de encargos e de revindicação e do outro pagarem o respectivo favor.

É, para mim, um mistério como é que, ao fim de todos estes anos de democracia, o pluralismo mesmo ao nível accionista dos principais grupos de comunicação social, continua a estar tão arredado de gente que possa ser representativa da área do PSD. Eu espero que a vossa geração política contribua para alterar esta situação de base que tem prejudicado o PSD e que tem limitado a possibilidade do PSD chegar aos eleitores.

Por fim, dizer-vos, espero que tenham a oportunidade de ler estes dois livros que vos recomendei. Há muitos outros que são importantíssimos. Quando não temos a possibilidade de ouvir os outros devemos ter, pelo menos, a possibilidade ou a oportunidade de ler o que eles escreveram na medida em que isso retrata o que pensaram e como avaliaram as coisas. Há perigos grandes para as democracias como as que conhecemos hoje e a maior parte desses perigos residem em pequeninas artimanhas e em pequenas falácias com que convivemos, às vezes, com demasiada facilidade no dia a dia. Vou dizer aqui uma coisa que pode-vos parecer, se calhar, um pouco atrevida. Eu durante muito tempo resisti a esta ideia de criar mecanismos de eleições directas dentro do PSD. Fui Vice- Presidente do Dr. Marques Mendes que adoptou, introduziu no PSD esta modalidade. Respeitei essa sua vontade, evidentemente, e aceito as regras do jogo, são regras constitutivas, mas renovo as minhas dúvidas sobre o mecanismo. Mas não pensem que isso é pelo facto de ter perdido as eleições. Não tem que ver com isso. Tem que ver com o facto de o País, a América que introduziu estes mecanismos é aquele que hoje mais luta para não cair nas armadilhas do excesso de democratização que significa estar sempre a anular as organizações e os partidos em favor da opinião pública.

Durante muitos anos, os mecanismos de eleição primária nos Estados Unidos serviam para que os partidos pudessem aferir da popularidade dos seus candidatos. Mas a verdade é que, durante muitos anos, a grande maioria dos candidatos que eram escolhidos pelos respectivos partidos não eram aqueles que tinham obtido maior indicação ou mais extensa indicação em eleições primárias. A primeira vez que com mais importância isso aconteceu à revelia, digamos, da vontade oficial dos partidos, aconteceu com o Presidente Jimmy Carter no Partido Democrata. E aconteceu no Partido Republicano, pela primeira vez, com o Presidente Reagan. Ambos se candidataram à revelia das estruturas do seu partido, tiveram meios financeiros suficientes para poder fazer campanhas autónomas aos seus partidos e conseguiram impor as suas escolhas aos partidos. Não é por acaso que isso tenha acontecido depois da guerra do Vietname e depois do escândalo de Watergate. Quer dizer, no momento de fragilização evidente das estruturas políticas existentes. Hoje, as Convenções americanas, seja no partido democrata, seja no partido republicano, são encenações políticas onde praticamente não há lugar à autenticidade. A observação mesmo da filha do candidato que possa ser transmitida num evento dessa natureza é sujeita ao crivo atento dos vários speech writers que existem justamente para escrever cada frase que é proferida, cada palavra, cada ênfase que é proferida, nestes eventos.

Quer dizer, de um modo geral, na América vem-se sacrificando o essencial à imagem. E os políticos têm muito medo de defender coisas diversas daquelas que as pessoas circunstancialmente possam achar que são mais relevantes. E, então, os think tank, em vez de explorarem fronteiras novas, em vez de liderarem investigação, aquilo que fazem é montar mega estruturas que permitem conhecer o que cada americano pensa, o que é que aquelas sociedades querem exprimir em cada momento. E aí, os instrumentos políticos despem-se de qualquer vontade e alienam-se, e dizem aquilo que acham que em cada circunstância constitui o motivo da agenda. É isto um aprofundamento da democracia como nós a imaginamos? Eu acho que não. Eu acho que não. E, portanto, peço-vos que mediteis bem naquilo que, por vezes, é apresentado como um aprofundamento da democracia e das regras democráticas e vejam bem o output final a que se chega, e qual é a nova natureza dos poderes que se criam. E quando chegarem à conclusão de que a vossa vontade começa a ser convenientemente diluída pelos institutos que têm a cargo os estudos de opinião, por todos aqueles que entendem que há um conjunto de estereótipos que devem ser seguidos, que a opinião pública não deve ser contrariada, e que devemos sempre acertar naquilo que as pessoas intimamente desejam, perguntem-se o que é que estão a fazer na política. Não imaginem, todos os dias, a figura do boneco com o ventríloquo ao lado, mas perguntem se vale a pena, do ponto de vista cívico, envolverem-se com as vossas ideias, com o vosso pensamento para se diluírem numa vontade que se esgota em cada momento de percepção de sondagem ou de estudo de opinião. E, depois, perguntem às sociedades e aos eleitores em quem é que eles se revêem mais. E de um modo geral, eles revêem-se menos naqueles que se sacrificam à sua opinião. Porquê? Porque as pessoas não gostam de ver os políticos a papaguear aquilo que elas dizem todos os dias. Querem sentir liderança e essa liderança, às vezes, faz mudar as pessoas de opinião. E, muitas vezes, elas sentem-se felizes de mudarem de opinião quando melhoram o seu bem-estar e quando progridem. Portanto, nunca tenham receio de liderar seja o que for, de provocar um constrangimento na sala, de acharem que as pessoas não estão a gostar de vos ouvir. Transmitam aquilo que, verdadeiramente, acham que é importante. Se não ganharem à primeira, se não ganharem à segunda, não desanimem. Eu não desanimei.

Se não ganharem nunca, coisa que eu espero não me aconteça e luto para que não me aconteça, apesar de tudo, não tenham dúvidas que exerceram um papel que é essencial. Nunca uma sociedade progride pela média aritmética da opinião dos seus membros. Sintam-se, portanto, privilegiados sempre que forem diferentes e que tiverem, às vezes, de estar à frente daquilo que os outros pensam. Se acontecer assim e não tiverem nenhuma tendência para a tirania, estarão a fazer pelo vosso País e pela vossa sociedade aquilo que se espera que façam: que sejam autênticos e que lutem por aquilo que acreditam. É aquilo que eu, modestamente, tenciono fazer e venho fazendo por mim. Obrigado, Carlos Coelho e obrigado a todos também.

(APLAUSOS)

 

 

 

 
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