ACTAS  
 
9/3/2008
A Europa no Mundo
 
Dep.Carlos Coelho
- Vamos dar início à nossa sessão. Nós começamos sempre por agradecer a presença dos nossos convidados. Compreenderão que o agradecimento ao Dr. António Vitorino seja reforçado e especial. Não é um membro do nosso partido, como toda a gente sabe, nem por isso deixou de aceitar o nosso convite, e estamos-lhe muito reconhecidos por isso.

O Dr. António Vitorino é uma pessoa por demais conhecida na política nacional e internacional, desempenhou várias funções, a mais conhecida em Portugal foi a de número dois do Governo. Foi um excelente Comissário dos Assuntos Internos e da Justiça, tive ocasião de acompanhar isso de perto porque já era Deputado europeu e cobria exactamente essa área. E por isso sou testemunha da excelente marca que o português António Vitorino deixou a construir uma área nova, porque a Justiça e os Assuntos Internos não existiam enquanto área comunitária antes do Tratado e de ele ter exercido as suas funções na Comissão Europeia. Tem uma grande experiência como docente, e dá-nos o prazer de estar entre nós para falar sobre “A Europa no Mundo”, os desafios que se colocam à Europa são muito grandes quer sobre o ponto de vista do funcionamento interno com a crise institucional, mas o facto é que nós não estamos sós no mundo e há uma dimensão europeia que não se esgota nas questões institucionais internas, mas também se projecta na relação com os nossos parceiros. Quer as potências emergentes de natureza económica, quer aquelas que sob o ponto de vista geo-estratégico são cada vez mais relevantes.

O nosso convidado tem como hobby: jogos de estratégia on line; à pergunta comida variada, respondeu: variada não se nota? O que demonstra que o humor é de facto uma marca das pessoas inteligentes; o animal preferido é o cão, um boxer originário da Flandres; o livro que sugere é “Small World”; o filme que sugere “2001 – Odisseia no Espaço”; e a principal qualidade que mais aprecia: o sentido de humor.

Dr. António Vitorino, muito obrigado, o palco é seu.

 
Dr.António Vitorino
- Muito obrigado. Então, muito boa tarde. Eu naturalmente começaria por agradecer o convite. Não vou esconder (nem ser hipócrita) que fiquei surpreendido com o convite, e durante bastantes semanas, estive a pensar porque é que o Carlos Coelho se tinha lembrado de me convidar, até que finalmente, neste fim-de-semana ao ler os jornais, percebi a razão.

A razão só pode ser uma, é que o comentador dos domingos, este ano não pode vir, e o Carlos Coelho é um espírito muito meticuloso passou para o comentador da segunda-feira. É óbvio que a minha dúvida é, se eu tivesse recusado se vocês ficariam a ganhar porque quem estaria aqui a falar deste tema era a Constança Cunha e Sá, que é a comentadora da terça-feira. (Risos)

Dito isto, para falar da Europa no Mundo eu gostava de vos propor dois pressupostos de partida, que são discutíveis, e que são aqueles com que eu vejo o tema.

O primeiro é um pressuposto que tem a ver com a compreensão da globalização, no sentido de que os cidadãos comuns europeus compreendem cada vez mais este mundo interdependente, em que a Europa tem que ter um protagonismo internacional. Mas vão mais além dessa mera constatação de facto. Eu acho que os europeus hoje têm a consciência de que o sucesso da projecção da Europa no mundo, é um pressuposto para o próprio aprofundamento do projecto europeu em termos internos.

Isto é, só na medida em que Europa se justifique como representando o valor acrescentado aos Estados europeus na cena global, é que os europeus estão dispostos a continuar a aceitar o prosseguimento do projecto de integração europeia.

Saber se esta visão das pessoas sobre a Europa é mais uma visão duma Europa protectora, ou mais uma visão de uma Europa alavanca da afirmação no mundo, é uma questão que deixarei para daqui a pouco.

Mas seja qual for a visão, o ponto central é este, é incontornável que a Europa tenha que ter um protagonismo global.

Do outro lado, o segundo pressuposto. É que se nós queremos ser coerentes com a ideia de que a governance mundial tem que assentar em organizações multilaterais e a União Europeia é, ela própria, um exemplo feliz desse tipo de regulação pelo direito, de forma negociada, diplomática, com base em valores políticos das dissenções naturais entre os Estados, então se queremos ser coerentes com a ideia de uma regulação multilateral à escala global, a Europa tem que estar presente, nos “fora” internacionais onde essa regulação está suposta de ocorrer.

E é aí que reside o problema. O mundo, na minha opinião, reclama um protagonismo acrescido da Europa, mas as dificuldades que a Europa tem em afirmar-se no mundo e em resolver os seus problemas internos, não significa que o mundo fique à espera da Europa. A natureza tem horror ao vazio.

E, portanto, na precisa medida em que nós não consigamos ultrapassar as nossas crises internas, bom, a vida do mundo continua e ninguém ficará à espera que a Europa ponha a casa em ordem, para poder participar. Isto quer dizer, outros ocuparão o espaço que a Europa assim deixa vazio.

Estes são os dois pressupostos de partida, os cidadãos reclamam e o mundo exige que a Europa tenha um protagonismo global.

Quais são as três componentes essenciais desse protagonismo global da Europa, os três building blocks do perfil internacional da União Europeia:

- Eu identificaria, em primeiro lugar, o pilar comunitário, para utilizar o jargão clássico, isto é, o protagonismo económico;

- Em segundo lugar, a política dura. A diplomacia e a regulação dos conflitos;

- E, em terceiro lugar, um pilar emergente se quiserem, que são as questões de segurança e de defesa.

Estas são as três áreas onde a União Europeia tem um protagonismo internacional a desempenhar.

Começando pela área económica, é aquela que se calhar, vocês conhecem melhor. É o pilar mais rodado, é onde já há verdadeiramente resultados ao longo de várias décadas. É uma área onde releva, sobretudo o elemento de escala, isto é, o peso económico dos países europeus, sejam eles países de pequena e média dimensão, sejam eles países de grande dimensão, o peso económico, no mundo globalizado, dos países europeus, resulta acrescentado pela existência da União Europeia e pelo protagonismo da União Europeia à escala global.

A União Europeia é o maior mercado interno do mundo, com regras comuns, não se pode verdadeiramente considerar a China um mercado interno equiparável ao mercado interno europeu, 500 milhões de habitantes. Quatro dos países da União Europeia são membros do G8, que é hoje, com todas as suas insuficiências, o órgão que tem maior protagonismo e maior centralidade na regulação económica mundial. E do ponto de vista económico, a União Europeia tem responsabilidades em quatro áreas fundamentais à escala global, que são decisivas e determinantes para os equilíbrios do planeta nas próximas décadas.

A primeira e mais conhecida de todos, é o comércio internacional, sem dúvida. Isto é, a existência da União Europeia como uma entidade que negoceia a liberalização do comércio internacional é uma vantagem acrescida para cada um dos Estados, e nós, portugueses, sabemo-lo bem. Por exemplo, a entrada da China na Organização Mundial de Comércio e a liberalização do sector dos têxteis sempre foi concebida como uma ameaça a países produtores de têxtil, como Portugal, e exactamente porque estávamos incluídos no bloco da União Europeia, foi possível negociar um conjunto de regras de faseamento no tempo, de derrogações, cláusulas de salvaguarda, e até uma ajuda financeira excepcional a Portugal, para a modernização do seu sector têxtil, tendo em vista enfrentar a concorrência previsível da China no sector dos têxteis.

Portanto, o efeito escala, a União faz a força, nas negociações do comércio internacional é particularmente importante para os países da União Europeia. A União Europeia representa um valor acrescentado em relação àquilo que cada um dos países isoladamente poderia alcançar.

Naturalmente que o recente falhanço da Ronda negocial de Doha, constitui uma nuvem negra a pairar sobre a perspectiva da liberalização do comércio mundial e, sobre os efeitos que isso vai ter do ponto de vista do funcionamento da economia global

Se quiserem depois no debate poderemos trocar algumas impressões sobre esta matéria. Mas não vale a pena ter sobre isto meias palavras. O falhanço da negociação comercial multilateral reforça as tendências proteccionistas, ou reforça a tendência para negociar acordos comerciais meramente bilaterais ou regionais, onde, obviamente, países de pequena e média dimensão terão maior dificuldade em posicionar-se do que quando inseridos na dinâmica negocial global da União Europeia no seu conjunto.

Este é o primeiro tema importante da projecção económica internacional – o Comércio. E o comércio é um factor fundamental de criação de riqueza à escala global.

O segundo é o sistema monetário global. Sistema monetário que obviamente se encontra hoje profundamente desregulado, e onde a circunstância de um conjunto importante de países da União Europeia partilhar uma moeda comum, o euro, é um elemento relevante.

Eu devo dizer, com sinceridade, que considero o Euro, além de ser a mais federal de todas as políticas europeias, a política monetária, o Euro é um sucesso. Quando o Euro foi lançado, previa-se que num espaço de 20 anos ele poderia representar uma quota entre 20 e 30% das trocas comerciais globais e da função de moeda de reserva internacional. Pois bem, no escasso período de vida que o Euro já teve, não só já ultrapassou essas expectativas como hoje o Euro é uma moeda de referência no sistema monetário internacional, e é também um escudo protector para os países que nele se encontram inseridos.

Às vezes nós esquecemo-nos disso, nós só falamos aqui em Portugal das agruras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, da necessidade de reduzir o deficit para os 3%, mas esquecemo-nos, por exemplo, que se não estivéssemos inseridos na zona Euro, no mercado financeiro global como aquele em que existimos, um país com as contas públicas tão profundamente desreguladas como ainda vai sendo o caso português, mas foi sobretudo durante dois períodos o caso português, naturalmente que o país estaria muito mais vulnerável do ponto de vista económico global, do que esteve, mesmo nesses períodos de desregulação das contas públicas, graças ao facto de beneficiar do escudo protector que o Euro representou para Portugal.

O terceiro elemento essencial da projecção económica internacional da Europa é a política de concorrência. Não vou entrar em detalhes, mas a circunstância de as empresas globais operarem no espaço europeu e terem que se submeter a regras de concorrência definidas por uma autoridade única europeia, é um elemento de verdadeiro enforcement, de verdadeiro empoderamento, - peço desculpa, esta é a expressão portuguesa, a expressão inglesa é mais simpática, é empowerment, mas a portuguesa parece que é empoderamento, e eu digo-a com todas as reservas, soa mal, mas os puristas da língua diriam que eu falo com demasiadas expressões inglesas, e portanto, aqui levam a portuguesa em cima para verem como às vezes estas coisas da estética não coincidem com o rigor linguístico, mas enfim, - de empoderamento da União Europeia. A capacidade de impor uma multa de 500 milhões de dólares à Microsoft não está ao alcance de nenhum Estado individualmente considerado, é obviamente, preciso ter por trás a capacidade de resistência, de afirmação e de imposição de um espaço europeu para poder aplicar uma sanção dessa dimensão, a uma empresa global tão importante, aliás, para o funcionamento da sociedade de informação em que vivemos.

Quarto e último elemento económico essencial, as negociações sobre as alterações climáticas. É evidente que a Europa tem aqui uma responsabilidade central, na medida que, se a Europa não tivesse assumido os riscos inerentes à aplicação do Protocolo de Quioto, se não tivesse assumido a bandeira do proselitismo pela ratificação do Protocolo de Quito, não existiria hoje, decididamente, nenhum acordo de convocação global para lutar contra as alterações climáticas, e para permitir estabelecer critérios de base para a redução das emissões de carbono, e, consequentemente para permitir um equilíbrio ambiental mais saudável nas próximas décadas.

E eu digo riscos, porque de facto temos que reconhecer que algumas das imposições do Protocolo de Quioto jogam contra os interesses da base industrial europeia, sobretudo quando essa base industrial está sujeita à concorrência com outras indústrias igualmente sofisticadas de países desenvolvidos, como por exemplo os Estados Unidos que não são subscritores do Protocolo de Quioto, e que não estão consequentemente obrigados às metas que o Protocolo de Quioto fixa.

Claro, que todos nós sabemos que estamos aquém dessas metas mesmo como definidas no Protocolo de Quioto. Mas a circunstância da União Europeia ter assumido a bandeira da ratificação de Quioto, é que permite hoje que em Bali se tenha começado a discutir qual vai ser o cenário para o pós Quioto a partir de 2012. Isto é, quais são os objectivos de redução de emissões poluentes, para garantir que o modelo de desenvolvimento global é mais amigável do ambiente.

E aqui têm os quatro elementos essenciais onde a Europa faz a diferença. E onde eu creio que do ponto de vista global se pode dizer que o track record, o cadastro, - mais uma vez, a expressão é horrível -, o cadastro, em inglês é mais elegante, track record, da Europa é manifestamente positivo.

Só que, e com isto concluiria esta primeira parte, só que é nestes temas que existe hoje na Europa um dilema horizontal não resolvido. Que é o dilema de saber se este protagonismo europeu no mundo, tem como objectivo central proteger os europeus da globalização, ou se por contraponto é uma alavanca, um instrumento para que os europeus sejam capazes de se afirmar à escala global.

E é este dilema que a Europa ainda não resolveu. E é preciso termos consciência de que este dilema não é um dilema teórico, não é uma pura questão conceptual, embora seja, em certa medida, uma questão ideológica.

Mas desiludam-se. É uma questão ideológica que não divide as famílias políticas segundo as estruturas tradicionais, é uma questão ideológica que perpassa no seio de cada uma das famílias políticas. E até se quiserem, numa afirmação ousada, é uma questão que divide as próprias famílias ideológicas portuguesas no seu seio. Isto é, no PSD haverá, tal como no PS, quem tenha mais a visão do papel da Europa como protectora e quem tenha mais a visão do papel da Europa como uma alavanca na globalização.

E se quiserem, talvez, o dilema que se coloca é o de saber, por exemplo, quem é hoje o arauto de uma concepção proteccionista? De facto é o Presidente francês, Nicolas Sarkozy. Que sendo presidente dum país que tem uma forte tradição proteccionista tradicional, tem hoje um discurso, onde aquilo que eram os pilares fundamentais do proteccionismo nacional francês clássico, são aplicados à escala continental.

E portanto, há uma lógica de dizer, a Europa serve se nos proteger dos malefícios da globalização.

Pelo contrário, ao anglo-saxónicos ou os nórdicos, têm uma visão completamente diferente, mais aberta, mais liberal, se preferiram o termo, isto é, uma visão de que a Europa tem que ser um instrumento ao serviço da afirmação dum conjunto de valores na concorrência global.

E não pensem que isto corresponde apenas a uma divisão artificial, isto corresponde à percepção que as opiniões públicas têm. As sondagens mostram, por exemplo, que quando as pessoas são confrontadas – vocês podem ser confrontados com essa questão -, globalização significa para si ameaça ou oportunidade? As sondagens são muito interessantes na Europa. Na Europa continental, entre 60% a 70% das pessoas dizem, a globalização é uma ameaça; em contrapartida no Reino Unido ou nos países nórdicos, um pouco na Holanda, a maioria das pessoas acha que a globalização é uma oportunidade e não uma ameaça.

Mas, mesmo lendo os números das sondagens na Europa continental, incluindo em Portugal, é muito interessante ver que há uma clivagem etária. Isto é, ainda que a maioria dos europeus continentais achem que a globalização é uma ameaça, nas camadas mais jovens, mesmo na Europa continental, aumenta significativamente o número de pessoas que acha que a globalização é uma oportunidade.

E no fundo, no fundo, este dilema entre protecção e alavanca da globalização, é uma questão que a Europa não resolveu. E se calhar a resposta será: em alguns casos a Europa terá que ter um efeito protector, não se pode descartar completamente, que em certas circunstâncias há uma vocação protectora; noutras circunstâncias ela tem que ser sobretudo uma alavanca. O problema é que o mix, entre o que é que é a vocação protectora e o que é que é a vocação de alavancagem da globalização, não está clarificado e não há, sobre essa matéria, hoje, um consenso entre os países europeus.

Muitas das dificuldades com que se prende a aplicação da Agenda de Lisboa têm a ver com estas agendas conflituantes, nacionais, no que diz respeito ao desafio da globalização. E, portanto, a nossa responsabilidade é encontrarmos aqui em Portugal uma resposta para este dilema que acabei de vos colocar.

Este é o primeiro bloco. Ou seja, o bloco mais conhecido, o bloco do protagonismo da Europa no mundo.

Falei-vos de realizações mas também da encruzilhada em que neste momento nos encontramos.

O segundo bloco que vos propunha é o bloco da Política Dura.

É o bloco de saber se a Europa está ou não está em condições de resolver o célebre problema do Henry Kissinger, que dizia “que não sabia qual era o número de telefone da Europa”, isto é, a quem é que havia de falar na Europa para resolver os problemas do mundo.

Claro que Kissinger falou antes de existirem as redes redis que permitem hoje, como sabem, o encaminhamento de chamadas, o que simplificaria muito o dilema kissingeriano, (Risos) mas políticamente há que reconhecer que há alguma razão na colocação dessa questão.

Bom, é muito simples e muito complicado ao mesmo tempo. Há uma resposta clássica a este problema da voz única no mundo para efeitos político-diplomáticos, seria dizer faça-se a comunitorização da política externa e de segurança comum. Isto é, aplique-se à política externa e de segurança o mesmo modelo que aplicámos ao sector económico.

É uma pura utopia. Não é possível fazer a comunitorização da política externa, eu não acredito nisso. Porque há que reconhecer que a Europa, sobretudo a Europa alargada é muito diversificada, quer quanto às ambições de política externa dos seus Estados, quer quanto às zonas de influência e de interesse que esses Estados têm na cena política internacional.

A Presidência Portuguesa, sobre esse ponto de vista foi particularmente exemplificativa, quando ao dar ao Brasil e à Cimeira com África, e também um pouco ao Magreb um destaque especial, revelou que obviamente essas são as preocupações fundamentais de Portugal na cena global, no contexto europeu. Logo seguida da Presidência Eslovena que colocou as questões do Médio oriente, as questões da relação com a Rússia, como as questões fundamentais da agenda de política externa.

Ou seja, esta diversidade em vez de ser um factor de acabrunhamento sobre a impossibilidade de construir uma política externa e de segurança comum, deve ser um incentivo para potenciar as várias valências que os Estados-Membros da União Europeia têm, e a resultante global europeia que daí pode emergir.

Só que, obviamente, os Estados de grande dimensão têm outras vocações globais que os Estados de pequena e média dimensão não têm. E convém não esquecer que há dois membros da União Europeia que são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Muita gente diz, bom, a lógica seria ter um lugar da União Europeia como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É uma pura quimera. Não é credível que a França e o Reino Unido abdiquem do seu lugar de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e parece-me ser uma estratégia votada ao malogro, insistir na ideia de que a União Europeia devia ter um lugar de membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Qual é então o caminho que a Europa pode e deve percorrer para ter um protagonismo reforçado à escala global no domínio político-diplomático?

É aqui que entra, de facto, na minha opinião, o Tratado de Lisboa, como já entrava para lhes dizer a verdade o Tratado Constitucional, porque o Tratado de Lisboa é apenas - é um pouco como aquelas maioneses, não se têm experiência de fazerem maionese, o drama da maionese é o problema do azeite, dos ovos, de deitar uns pingos de limão, aquilo às vezes deslaça e depois é preciso reforçar uma das componentes em função da mistura, para aquilo voltar a ganhar consistência, - o Tratado de Lisboa é um pouco a aplicação da teoria da maionese aos Tratados europeus.

O que o Tratado de Lisboa trás de vantagem acrescida é que introduz alterações institucionais, com o objectivo de reforçar a capacidade de afirmação da Europa no mundo. Sobretudo no plano político-diplomático.

É verdade, e eu começo já por esse argumento, que é o argumento que provavelmente ouvirão noutra conferência mais euro-céptica desta Universidade de Verão, é verdade que as instituições não substituem a vontade política. Isso é completamente verdadeiro.

Isto é, o sucesso da PESC não depende só de instituições, depende da existência de vontade política e da capacidade dos Estados convergirem sobre determinados assuntos fundamentais para a afirmação da Europa no Mundo.

Mas há uma coisa que a História nos ensina e, sobretudo os historiadores não devem desprezar dessa maneira os ensinamentos da História. A História ensina-nos que as instituições segregam uma cultura comum, e que é essa cultura comum que permite a viabilidade de uma vontade política de intervenção. E que portanto, mesmo que, o processo de construção de uma política externa seja mais lento, é necessário dar uma oportunidade a que as instituições europeias segreguem essa vontade política a prazo.

E, portanto, as inovações institucionais do Tratado de Lisboa, a criação do presidente permanente do Conselho Europeu, a existência de um Alto Representante para a Política externa e defesa, que é simultaneamente Presidente do Conselho de Relações Externas e Vice-Presidente da Comissão Europeia, fazendo a ligação entre a projecção do pilar económico externo com a política e a diplomacia, é um quadro novo que ninguém sabe como é que vai funcionar, mas é um quadro novo que permite dar uma janela de oportunidade, para que a Europa tenha uma capacidade de afirmação dos seus interesses e dos seus valores à escala global.

A vulgata diz que a PESC é um falhanço. E é verdade que não é difícil encontrar casos onde a Política externa e de segurança não produziu resultados. Mas permitam-me ser o desmancha-prazeres, e dizer que normalmente nós esquecemo-nos dos sucessos, e eu estou disposto a discutir os insucessos se creditarem à União Europeia também os sucessos. Eu acho que aquilo que União Europeia fez nos Balcãs de 96 para cá é uma história de sucesso, a estabilização dos Balcãs após a intervenção da NATO em 1996-97. Um sucesso que pode ser posto em crise agora com independência unilateral do Kosovo, há que dizê-lo claramente, mas, um sucesso que em larga medida foi alimentado pela perspectiva desses países aderirem à União Europeia.

Isto é, o efeito de íman, de magnete da União Europeia foi um elemento essencial para o sucesso da estabilização dos Balcãs, que é um processo muito complicado, posso-vos garantir.

Segundo exemplo: há dez anos atrás a França e o Reino Unido tinham políticas totalmente conflituantes em relação ao Médio Oriente, isto é, países ex-colonizadores que tinham ex-colónias no Médio Oriente, tinham interesses contraditórios em relação ao Médio Oriente. A existência da União Europeia e duma estratégia da União Europeia para o Médio Oriente, permitiu que hoje, de facto, não se possam assinalar diferenças significativas entre os Estados da União Europeia, designadamente a França e o Reino Unido, no que diz respeito à actual crise do Médio Oriente e à questão palestiniana.

Terceiro exemplo: São as missões. The Peace Keeping e The Peace Enforcement, onde a União Europeia esteve envolvida, no Chade, na Macedónia, no próprio Kosovo. Isto é, a União Europeia esteve presente em cenários internacionais, onde a sua presença foi um factor positivo de estabilização.

É óbvio que isso não invalida que haja dificuldades. E se quiserem, eu diria que há três grandes dificuldades para a afirmação de uma Política Externa e de Segurança Comum.

Se calhar, aquilo que vos vem mais à cabeça, neste momento, quando eu cheguei a este ponto, enfim, para aqueles que ainda estão acordados, claro, (Risos) quando eu cheguei a este ponto toda a gente diz “pois, claro a Rússia e tal”. Não. Já lá vamos à Rússia. Mas eu acho que a primeira grande dificuldade é a relação transatlântica. A questão da relação da Europa com os Estados Unidos é provavelmente hoje, uma questão muito mais difícil de gerir do que nós podemos antecipar. Em parte, por responsabilidade europeia, e em parte por responsabilidade norte-americana.

Claro que nestas alturas eu já sei que o que é costume é dizer: bom, vejam o Iraque. E é fácil atirar para as costas do Presidente Bush todas as culpas, mais a mais está em fim de mandato, está de saída, até já só fala às convenções por vídeo-conferência que é para manter uma distância prudente.

Não. A questão é mais funda, não tem a ver com as questões da administração só, obviamente que uma mudança da administração, qualquer que ela seja, aliás, neste caso, trará alguma visão diferente, mas há uma pergunta central que não está ainda resolvida: Estão ainda os Estados Unidos da América interessados em que haja uma Europa unida? Porque eles estavam em 57 quando do Tratado de Roma.

Se apelarem à vossa memória, enfim, aqueles que tenham mais de 20 anos, porque os outros não devem ter memória disso, se apelarem à vossa memória, e para vos dar um exemplo, a administração Clinton, que hoje todos nós achamos que foi uma administração muito aberta, muito multilateralista, muito pró-europeia, a administração Clinton nunca acreditou que ia haver uma moeda única europeia. Poucas semanas antes da decisão do Euro, os americanos oficiais depreciavam a moeda única europeia e diziam: não, não, os europeus nunca chegarão a ter uma moeda única europeia. E a existência do Euro e da afirmação do Euro como moeda internacional, foi uma surpresa para a administração americana, e é algo que ainda está a ser digerido em Washington.

Naturalmente que do ponto de vista político-diplomático certas reacções da actual administração norte-americana tornaram mais difícil a relação entre a Europa e os Estados Unidos: rivalidades económicas, há uma certa lógica proteccionista da indústria do aço, a questão da carne com hormonas, o problema da Boeing e da Airbus, são tudo temas económicos difíceis na relação transatlântica, mas o cerne da questão é a relação política entre a Europa e os Estados Unidos.

E os europeus perguntam-se se a nova geração de política externa americana, não privilegia a zona Ásia-Pacífico em detrimento da Europa, como zona primordial de afirmação global dos interesses americanos.

Isto é, se a Europa não está em curso de perder relevância na relação transatlântica, e nas prioridades da própria política externa americana.

E, portanto, a questão da relação transatlântica, é uma questão importante para a afirmação de uma Política Externa e de Segurança Comum, designadamente para um país como Portugal, que é tradicionalmente um país atlantista.

Acresce, que alguns países europeus, sobretudo os novos Estados-Membros, têm de algum modo uma expectativa de maior confiança nos Estados Unidos para garantir a sua segurança, (designadamente a sua proximidade geográfica com a Rússia, leva-os a isso) do que propriamente numa dinâmica de segurança europeia.

Basta ver as declarações de hoje, do vice-presidente Cheney, quando ele dá uma garantia formal, oficial americana, de que qualquer acção hostil da Rússia em relação aos Países Bálticos, será imediatamente respondida pelos Estados Unidos da América.

Tudo isto é retórica, a política também se faz de retórica, mas obviamente para opiniões públicas como dos Estados Bálticos, por exemplo, que pertenceram ao Império Soviético até recentemente e dele se libertaram, naturalmente que este tipo de garantias tem uma ressonância muito profunda nas respectivas opiniões públicas.

Portanto, a relação transatlântica, é uma relação que será um test case para a capacidade de construir uma posição comum europeia na parceria necessária com os Estados Unidos da América.

O segundo tema difícil é obviamente a Rússia, Agravado, hoje, pela crise da Geórgia e dentro do caldo de cultura geral, da enorme dependência da Europa em relação à Rússia em matéria energética. Não é uma surpresa para ninguém, todos o sabiam, mas as últimas semanas demonstraram a dificuldade que a Europa tem de encontrar uma posição comum, num momento de enfrentamento com a Rússia, quando o peso da dependência energética é, ou joga um elemento decisivo na conformação das vontades dos Estados europeus.

A Rússia nunca viu com bons olhos o alargamento a leste da própria União Europeia, mas as circunstâncias políticas da época não lhe permitiram deduzir embargos a esse alargamento. Hoje, que a Rússia se sente mais auto-confiante, e que graças à subida do preço do petróleo o do gás, e sobretudo ao facto de ser o fornecedor de 40% do petróleo e do gás na Alemanha, ou de 30% na Itália, isso dá-lhe uma confiança ou uma auto-confiança para permitir-se afirmar uma estratégia regional, onde manifestamente a União Europeia se encontra numa situação de difícil capacidade de resposta.

Segundo tema, é necessário construir uma arquitectura de segurança europeia que envolva a resolução da questão da Rússia, e da relação entre a União Europeia e a Rússia, - e esse é um elemento urgente de uma política externa.

Terceiro elemento: as potências emergentes, a China e a Índia. Aqui há que reconhecer que as culpas são mais do lado europeu do que propriamente do lado chinês ou do lado indiano.

Durante muitos anos, a política externa europeia negligenciou a China e a Índia como pólos de uma nova centralidade política à escala global.

É verdade que a China é, talvez, como um autor já se referiu, a chamada potência relutante. Isto é, a China é uma potência, sem dúvida, é uma potência económica, é uma potência militar e é uma potência política, mas tem algum rebuço, algum pudor em assumir em toda a sua dimensão, este seu estatuto que lhe é próprio.

E por isso, de alguma maneira, o diálogo entre a União Europeia e a China é um diálogo, é um pouco como aquela canção do Brel, “Une valse à trois temps, Comme c’est charmant, Une valse à quatre temps…” Bom, é que para valsar são precisos dois, em princípio, a não ser que o Carlos Coelho tenha descoberto um holograma que permite valsar a um. Mas, desse ponto de vista a China é um parceiro que tem alguma dificuldade em assumir em todos os terrenos o seu protagonismo global, e membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma das maiores potências militares, talvez o maior exército do mundo, uma potência espacial, é óbvio que a China tem que ser uma parte integrante do sistema político internacional.

E, portanto, a política europeia em relação à China e em relação à Índia, (basta dizer que só a partir de 2000 é que passou a haver cimeiras formais com a Índia, há escassos oito anos), é um elemento central desta política externa. A necessidade de definir um quadro de referência para a parceria entre União Europeia e a China por um lado, e entre a União Europeia e a Índia, no caso da Índia aliás, com a questão nuclear que é uma questão particularmente difícil.

Logo, uma política externa onde somos esperados, mas onde temos muito, muito, muito trabalho a fazer.

E, último elemento, tem a ver com a Defesa e a Segurança. Diria que a Defesa e a Segurança são a nova fronteira do projecto europeu, embora eu saiba que usar esta expressão “nova fronteira” pode ter um bocadinho um sabor provocatório, (Risos) mas pronto, tomem-na a partir do Kennedy, a partir da origem, é nesse sentido, “nova fronteira do projecto europeu”.

Este é um tema muito interessante, porque é um tema que interpela as sociedades europeias sobre qual é a sua verdadeira vocação. Aqui em Portugal, aliás, o debate é muito curioso, a esquerda mais à esquerda diz “O Tratado de Lisboa (e já o Tratado Constitucional, diziam o mesmo) é a militarização da Europa”. E é muito interessante porque é verdade que as ambições para ter uma cooperação estruturada em matéria de defesa, são pela primeira vez integradas de forma mais clara nos tratados, com o Tratado Constitucional, e repegado pelo Tratado de Lisboa.

Mas, a circunstância da União Europeia ser uma potência civil não desaparece pelo facto de acrescer à componente de potência civil, uma componente militar.

Diria mesmo mais, e aqui esta opinião, obviamente, ainda é mais discutível, o softpower, a Europa é o maior dador de ajuda ao desenvolvimento à escala global, mais do que os Estados Unidos, mais do que o Japão. E a Europa desenvolveu ao longo dos anos uma cultura e uma expertise em matéria de softpower. Só que no mundo perigoso em que vivemos, com novas ameaças, o softpower tem um limite, e esse limite é um limite intrínseco aos instrumentos do softpower, mas que não responde à questão que hoje é cada vez mais angustiante para os países à escala global – que é a necessidade de Segurança.

E a segurança exige que haja capacidade de prover segurança. Isto é, de desenvolver hardpower. De ter uma mão militar que possa enquadrar e dar consistência à ajuda, ao desenvolvimento e ao softpower.

É por isso que, e este é um tema difícil de explicar, é pré-condição para o sucesso das políticas de softpower da Europa, que ela seja capaz de assumir também as suas capacidades no plano internacional em matéria de hardpower. Isto é, em matéria de capacidade de afirmação do seu poder militar.

Mas obviamente esta opção tem consequências: consequências orçamentais para os países, consequências no desenvolvimento de uma cooperação estreita em matéria operacional, e tem consequências também institucionais. A cooperação estruturada no domínio da defesa, é um elemento novo, é um caso de cooperação reforçada especial, é muito construído na base da lógica da União Económica e Monetária, isto é, está aberto à participação voluntária dos Estados-membros, mas é preciso que os Estados preencham um conjunto de critérios, critérios de capacidade militar, para se qualificarem para a cooperação estruturada de defesa em matéria militar.

Eu pessoalmente entendo que Portugal tem interesse em participar nessa cooperação estruturada em matéria de defesa, mas tem que fazer os trabalhos de casa para se poder qualificar, à semelhança do que aconteceu com o Euro.

 

(Um minuto inaudível)

 

Aliás, Portugal é um país sob esse aspecto, muito curioso, é um país que normalmente melhor a qualificar-se do que a aguentar a qualificação. Portanto, o Diabo está não é em entrar, porque nós nos sprinters somos bons, somos óptimos em rectas finais, o nosso problema é a maratona, é a sustentabilidade ao longo do tempo daquilo para que nos qualificámos.

E é com isso que eu acabo, verdadeiramente para uma audiência social democrata, um Socialista falar da Europa, é correr um risco, mas um risco calculado. Felizmente a Europa não é um tema divisivo em Portugal, e não é um tema divisivo nos partidos do arco governamental. Isso é positivo na minha opinião. Porque isso reforça e potencia a nossa capacidade negocial externa, a continuidade das políticas europeia é pagante em termos de interesse nacional.

Tem um aspecto negativo. É que torna os europeístas preguiçosos, porque como na política é preciso é encontrar os pontos em que nos distingamos, em que haja conflito, em que haja drama, em que haja crispação, em que haja crítica mútua, a Europa não figurando como um desses tema, normalmente é metida debaixo do tapete.

E, portanto, o grande desafio dos partidos europeus ou pró-europeus é, inventarem uma maneira de debater a Europa que não seja limitada pelas regras e pelos ditames do afrontamento político partidário, sem o qual o debate não tem excitement, mas que sejam capazes de levar à grande opinião pública um debate consistente e sério sobre as opções europeias.

E é o meu modesto contributo para esse debate que atravessa os vários partidos que eu vim aqui hoje fazer com muito gosto.

Muito obrigado.

(APLAUSOS)

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado Dr. António Vitorino pela extraordinária intervenção com que nos brindou, e não queria, obviamente, deixar de lhe agradecer em nome da JSD a distinção que nos confere a estar aqui connosco, temos muito gosto em recebê-lo na Universidade de Verão, e foi com muito prazer que o ouvimos, e tenho a certeza que iniciaremos agora também, um debate muitíssimo interessante.

Passaremos então à fase das perguntas dos grupos, e a primeira questão é colocada pelo Grupo Rosa, não poderia ser mais oportuno, Catarina Gomes, mas não representante do Partido Socialista.

 
Catarina Gomes
- Boa tarde a todos os presentes. Boa tarde, Dr. António Vitorino, o Grupo Rosa felicita a sua excelente intervenção e agradece a sua presença.

A nossa questão está na ordem do dia, e vai de encontro à política dura da Europa. A crise na Geórgia, colocou a relação entre a União Europeia e a Rússia numa encruzilhada, a conduta russa não é aceite na União Europeia. Condenamos ainda a decisão unilateral da Rússia de reconhecer a independências das regiões separatistas. Afinal de contas qual é o papel da Europa neste conflito?

Condenamos a atitude russa, no entanto não agimos. Não estamos de uma certa forma a fugir à nossa posição com uma atitude activa, para não tornar vulnerável a nossa relação com a Rússia?

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Isso é um conto largo, porque a questão do reconhecimento unilateral da declaração de independência da Ossétia do Sul e da Abecásia, não pode ser desligada da questão do Kosovo. Acho que temos que dizer as coisas com grande clareza. E é manifesto o embaraço e o incómodo de alguns dos países europeus que se apressaram a reconhecer a independência do Kosovo, para explicarem porque é que o Kosovo é diferente da Abecásia ou da Ossétia do Sul.

E, portanto, isto prova a necessidade de uma política externa comum, porque sobre o Kosovo não houve uma posição comum europeia, não foi possível, os países divergiram, houve quem os reconhecesse apressadamente, e houve quem não reconhece a independência do Kosovo. Creio que Portugal ainda não reconheceu, e à escala global foi reconhecida por cerca de 38 países. Toda a gente advertiu na altura de que o Kosovo ia ser uma espécie de rastilho. Ia ser o primeiro momento de uma série de réplicas a que iríamos assistir. Algumas das quais, aliás, que se viram contra a própria Rússia, porque a lógica da Abecásia do Sul aplicada a algumas regiões da própria federação russa, onde a maioria da população não é, se quiser, etnicamente russa, também tem que valer. E, portanto, estamos todos a jogar com dois pesos, duas medidas.

O problema da Geórgia, da reacção da Geórgia, independentemente de eu estar convencido de que tenha ou não tenha havido provocação, a atitude georgiana é a primeira falha no sistema. Isto é, a ideia de que podia resolver o problema da Abecásia e da Ossécia através de uma intervenção militar legítima a contra resposta militar. E, portanto, é aí que está, digamos assim, o grande factor de crítica, é que os dois lados do conflito, a Geórgia e a Federação Russa, acharam que uma questão daquele género tinha de ser resolvida pela via das armas, e é aí que a Europa se tem que demarcar claramente, e acho que demarcou-se, sob esse ponto de vista.

Isto é, condenar o recurso às armas como forma de resolução da questão da Abecásia e da Ossécia do Sul.

Sobre o papel da Europa. Bom, eu não tão crítico como a minha amiga, para ser sincero. Diz: não agimos. Bom, o que é que entende por agir? O que é que neste caso entende por agir? Enviar tropas? Mas eu acabei de explicar que, exactamente um dos novos desafios é ter uma capacidade operacional para o fazer, hoje não tem. E seria de uma grande irresponsabilidade montar uma operação militar num terreno de guerra, num curto espaço de tempo, sem ter os instrumentos necessários para o fazer. Portanto, esse tipo de resposta a Europa hoje não tem. Eu vim aqui defender que deve ter no futuro, mas hoje não tem.

Foi a entidade que fez a negociação do acordo de paz, de cessar fogo entre a Geórgia e a Rússia, o que já não é pouco, provavelmente era a única organização internacional que estava em condições de o fazer, isto é, que era aceite como interlocutor dos dois lados.

E, neste momento, a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo desta semana, saiu com um comunicado que muitos consideram débil, frouxo, apesar de tudo marca um elemento importante, congela as negociações do acordo de parceria, submetendo-os à decisão russa de colocar as suas tropas nas posições anteriores ao início das operações militares do dia 7 de Agosto.

Portanto, acho que isso é uma posição de força, é uma posição firme, é uma posição clara. Só espero é que, as tropas russas venham mesmo a adoptar as posições existentes antes de 7 de Agosto. Se não vieram, obviamente que, a União Europeia terá que responder subindo a parada. E é aí que se testa a solidariedade europeia.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. Segunda intervenção é da Marie Claire do Grupo Roxo.
 
Marie Claire
- Muito boa tarde. O Grupo Roxo quer desde já agradecer ao Dr. António Vitorino pela brilhante aula com que nos presenteou.

E então, passaria agora à questão: relativamente ao Tratado de Lisboa, tem sido feita uma referência a uma crise europeia. Nós entendemos que, um dos aspectos a que se poderia associar esta conotação, seria o do impasse que se tem verificado por parte de alguns Estados-Membros, na ratificação do Tratado de Lisboa. Tomamos em concreto o caso da Irlanda, cujo NÃO afectou a ratificação por parte dos outros Estados-Membros.

E então, a imagem da Europa, a sua credibilidade, a sua relação com terceiros Estados, são tudo aspectos que nós achamos fundamentais para o papel activo da Europa no mundo.

Estará este impasse a afectá-los, a esses aspectos?

Muito obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Sinceramente está, está. Nós estamos há 8 anos a discutir reformas institucionais, o mundo mudou muito nestes 8 anos, mas muito, mas muito.

E, como há pouco disse, o mundo não espera que nós tenhamos a casa em ordem, portanto, o que estamos a fazer é dar tiros nos pés. E a criar condições para que, quando resolvermos a crise institucional, que será resolvida, não tenhamos capacidade de recuperar o tempo perdido.

Portanto, nesse sentido, eu acho que a imperiosidade de pôr fim aos debates institucionais é muito importante. Agora, não lhe escondo que, há duas questões nos tratados que estão em causa. São ambas questões de poder, isto gira à volta do poder. Há um problema de poder entre as instituições, sobre o qual eu não vou agora aqui falar, mas há uma questão que tem que ser resolvida, que é o problema do poder entre os Estados. Designadamente o problema entre os grandes, os pequenos e os médios Estados. Na Europa alargada a 27, 30 eventualmente. E essa questão, que não impede que a Europa funcione hoje, mas tem que se resolvida para evitar que certos conflitos latentes possam emergir com maior força, e pôr, aí sim em causa, a própria capacidade de intervenção da União Europeia.

O que eu quero dizer com isto? Quero dizer que bem ou mal, o Tratado Constitucional e o Tratado de Lisboa encontrou uma forma de equilíbrio entre os Estados de maior dimensão e os Estados de pequena e média dimensão depois do alargamento.

Não me parece possível aspirar a uma solução dessa questão em linhas muito diferentes daquelas que foram acordadas no Tratado de Lisboa e no Tratado Constitucional. Pode haver aqui uma correcção, outra ali, uma questão de saber se de facto há uma comissão reduzida ou não há uma comissão reduzida, que parece que é uma questão que preocupa muito os irlandeses. Mas fora esse tipo de ajustamentos pontuais, eu acho que o figurino global acabará por prevalecer e entrar em vigor.

O problema é saber quando? E eu, aí sou pessimista, vou-lhe dizer sinceramente. Eu aí, sou pessimista. Eu acho que vai ser muito difícil, muito difícil – é que eu não gosto de dizer em público que sou pessimista, porque isso faz-me muito português – (Risos), acho que é muito difícil aos irlandeses fazerem um segundo Referendo antes das eleições para o Parlamento Europeu, vai ser muito difícil. E seria muito perigoso forçar um segundo Referendo com uma alta expectativa de que o resultado fosse negativo. Porque isso não é só problema dos irlandeses, não é só o problema do Tratado de Lisboa, é o problema dos equilíbrios globais que é posto em causa, porque a partir do momento em que se enraíze a ideia de que o projecto não pode ser prosseguido por todos, haverá tentativas vanguardistas que introduzirão mais factores de discriminação entre Estados, do que aqueles que em princípio estão neutralizados com o Tratado de Lisboa.

O que é que eu quero dizer com isto? Quero dizer por exemplo, (o Governo português na altura, e aliás não era do meu partido, era do vosso, portanto) que foi difícil negociar uma solução para a questão da defesa, que não fosse uma espécie de clube dos eleitos pré-definido. E que, portanto, que permanecesse o princípio da porta aberta: quem qualifica, entra.

Ora o Tratado de Nice diz que a defesa não pode ser objecto de cooperação reforçada dentro da União Europeia. E essa é a grande inovação do Tratado de Nice para o Tratado de Lisboa. Se o Tratado de Lisboa ficar bloqueado, a tentação de fazer uma cooperação em matéria de defesa fora do quadro da União Europeia é muito grande.

E as garantias para os Estados de pequena e média dimensão do princípio da porta aberta, desaparece.

Portanto, quando falo nos riscos do impasse, não é só sobre a questão do Tratado como emblemático, é porque há consequências políticas desse impasse.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. Terceira intervenção, André Machado do Grupo Vermelho.
 
André Machado
- Boa tarde a todos. Em primeiro lugar cumprimentar a mesa e o dr. António Vitorino, felicitá-lo pela sua excelente intervenção.

E a minha pergunta incide sobre declarações do presidente da Comissão Europeia, num programa do Prós e Contras, em que esteve presente e que afirmou que uma das prioridades da União Europeia deve ser assumir uma posição de liderança no processo de globalização que o sr. dr. também referiu. Nessa linha e considerando o crescente poder económico da China e da Índia, bem como o poder económico, militar e político que já caracteriza os Estados Unidos e a Rússia, como é que neste processo de globalização, que é inevitável, a Europa conseguirá assumir essa posição liderante? Quais são as estratégias que a Europa deve seguir para assumir essa mesma posição liderante no processo de globalização?

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Como deve depreender da minha intervenção, eu estou de acordo com essa perspectiva do dr. Durão Barroso, isto é, a Europa tem um valor acrescentado se for uma alavanca de afirmação dos valores e dos interesses europeus, no processo de concorrência global, onde temos que estar presentes.

É evidente que a concorrência em relação às potências emergentes tem que ser vista com algum grão de sal. A China e a Rússia são dois casos completamente diferentes, mas que têm pontos comuns e pontos divergentes.

Exemplo: o modelo de desenvolvimento russo e o sucesso económico russo é mono dependente. É dependente apenas do valor acrescentado que dá à sociedade e ao Estado russo, as fontes energéticas de que dispõe. Mas se olhar para o resto do sistema produtivo russo, ele é extremamente insuficiente e incapaz de concorrer à escala global. Acresce que a Rússia, é provavelmente, dentro de 50 anos, a zona do mundo mais envelhecida à escala global, e isso tem consequências terríveis, terríveis, na formação da mão-de-obra e na capacidade concorrencial a prazo dum país.

A Europa também não figura muito bem nesse quadro, diga-se de passagem, e vocês devem ter à volta dos 20 anos, portanto, em 2060, a projecção que saiu agora é de que cerca de 25% da população europeia, Portugal andará na média, terá mais de 64 anos, e que aqueles jovens à espera de entrada no mercado de trabalho representarão cerca de 12 a 13% da população global. Ou seja, do lado recebedor, isto é, para pagar as vossas pensões de aposentação, - sei que isto é ridículo dizer aqui, perante esta juventude -, mas para pagar as vossas pensões de aposentação vocês terão 2 activos, 1,7 activos para pagar 1 pensionista. Enquanto que hoje a minha geração terá 4 activos para pagar 1 pensionista. Portanto, não sei se têm consciência do que é que isso significa em termos de sustentabilidade dos modelos de segurança social e solidariedade social típicas da Europa.

Bom, mas a Rússia tem o mesmo problema, e a China também tem um problema de envelhecimento. Um problema enorme de envelhecimento, fruto da política do filho único. Que agora começa a ter os seus efeitos, a pirâmide etária chinesa também está alargando nas classes mais idosas e muito reduzida nas classes mais jovens, que têm outro dinamismo e outra capacidade de arriscar, e que têm que sustentar a inovação e a modernização da China.

Como vêem têm aqui exemplos onde velhas potências económicas e novas potências económicas têm problemas comuns e estão confrontados com problemas comuns.

Já o modelo produtivo chinês é completamente diferente, porque aí é preciso compreender que a velha história de que eles fazem têxteis muito baratos pertence ao passado. O risco e a ameaça da concorrência chinesa são nos produtos sofisticados, de alto valor acrescentado e com incorporação de capital humano: são os carros, são os computadores, é toda a indústria espacial, é aí que a China estará presente no mercado mundial, nos próximos anos.

E, portanto, como é que a Europa pode responder? De duas maneiras.

Primeiro, introduzindo reformas que são dolorosas, dolorosas, não tenhamos sobre isso a menor ilusão. Isto é, se queremos manter o nosso sistema de solidariedade social, as reformas que a manutenção desse sistema vai exigir, não vão ser fáceis de vender, não vão ser fáceis de comprar pelas pessoas;

E, em segundo lugar, apostando nas suas vantagens competitivas, que são a investigação, o desenvolvimento, a investigação aplicada ao desenvolvimento, a capacidade competitiva, a melhoria da produtividade, num conjunto de sectores onde, apesar de tudo, ainda temos alguma liderança. Em certas áreas das tecnologias de comunicação e informação, nós temos liderança em relação aos americanos; por exemplo, em relação à indústria farmacêutica, investigação aplicada à indústria farmacêutica; ou em relação às nanotecnologias, que é um sector particularmente promissor. E essa é a maneira da Europa, abrindo-se ao mundo, ser capaz de defender os seus interesses e os seus valores numa concorrência global. Há uma coisa que não é garantida: é o sucesso.

Quer dizer, não é possível dizer: há aqui uma varinha mágica a e uma fórmula de sucesso. Não. Agora, a inércia é que é a receita para a derrota.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. Quarta questão, Samuel Vilela do Grupo Cinzento.
 
Samuel Vilela
- Boa tarde, Caros colegas, cara mesa, caro Dr. António Vitorino. Antes de mais gostava de saudar a mesa pela pertinência do tema, dado que estamos aqui primeiro para estudar política nacional, mas cada vez mais estudar política nacional também é olhar para o exterior. E, exactamente, no seguimento desta filosofia em que a Europa, particularmente a União Europeia tem vindo a desenvolver as suas capacidades de se projectar para fora da esfera de influência, e como vimos segurança e defesa são elementos fundamentais, surgem como elementos primordiais, se assim quisermos ver.

No entanto, os reparos são bastantes, e como falámos a incapacidade que a União Europeia tem de se afirmar políticamente, algo que aliás o Tratado de Lisboa pretendia atenuar, e já voltando outra vez atrás, peço desculpa por isso, a falta de uma componente militar transforma de certo modo a União Europeia numa espécie de actor pacífico, caracterizado pelo softpower, como falámos aqui há pouco.

É indiscutível que a União Europeia é de facto uma super potência regional, mas ser uma espécie de o maior da freguesia, é claramente ambicionar pouco num mundo em redefinição.

Assim sendo, num cenário em que o Tratado de Lisboa possa acabar por não sair da gaveta, e tendo em consideração e relativamente – digo relativamente porque foi há poucos anos -, relativamente recente fracasso da UEO, e a dependência da NATO/EUA quais são mais concretamente os caminhos que a União Europeia deve percorrer a curto médio prazo, para que seja vista de fora como uma Europa potência?

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
 - Bom, não creio que haja outra resposta a essa questão que não seja a de ter que desenvolver uma capacidade própria em matéria de segurança e de defesa. Não só militar, porque há novas ameaças, que exigem a combinação de vários meios de reacção e resposta. A ameaça terrorista hoje e a possibilidade do uso de armas de destruição maciça, é algo a que se não pode responder apenas por meios militares, tem que se responder através da conjugação de um conjunto de instrumentos do Estado de direito democrático, onde também os militares têm um peso decisivo, mas que tem a ver com os serviços de informações, a polícia, os tribunais, etc.

O desenvolvimento duma capacidade militar própria não é incompatível com a pertença à NATO. E essa é uma das preocupações essenciais para um país como nós, que somos um país fundador da NATO.

Eu acho que os americanos aí fizeram uma evolução positiva, e são hoje mais próximos da ideia de que o desenvolvimento de uma identidade europeia de defesa dentro da NATO, é positivo para a própria Aliança Atlântica.

Agora, temos que reconhecer que a enorme confusão que grassa na missão NATO no Afeganistão, dirigida por europeus não é um bom auspício.

Isso prova que é necessário desenvolver estruturas e instituições próprias para ter uma capacidade de afirmação militar. Eu prefiro que essa capacidade militar seja feita dentro da União Europeia. Dentro das estruturas da União Europeia, e por isso a importância do Tratado de Lisboa.

Se, eventualmente, o Tratado de Lisboa não entrar em vigor, por qualquer razão, não são só os irlandeses, também os checos ainda não ratificaram, o presidente polaco ainda não assinou, e ainda há um país, que é a Suécia, se não me engano, que ainda não aprovou no Parlamento, mas esse não oferece dúvidas. Mas, portanto, há três casos e não apenas os irlandeses. Se o Tratado de Lisboa não entrar em vigor, eu acho que a tentação de fazer uma forma de cooperação exterior à União Europeia vai ser muito grande. E aí tudo vai depender de quais são as regras do jogo dessa cooperação fora do estatuto da União Europeia.

Não é dramático. É um risco acrescido para nós, mas não é dramático. Schengen também começou fora da União Europeia e depois foi integrado na União Europeia. O que é preciso é que à partida fiquem claras quais são as regras dessa cooperação em matéria de defesa, se ela tiver que ser desenvolvida fora do contexto da União Europeia.

Há uma coisa que não vale a pena esconder: é que isso vai exigir um esforço redobrado de investimento dos Estados que participarem nessa cooperação em matéria de defesa e de segurança. E como os meus amigos sabem, não é bem o tipo de política mais popular. Isto é, em período de constrangimento orçamental, quando é preciso fazer reformas dolorosas do ponto de vista da sustentabilidade do Estado social, ainda dizer às pessoas: bom, ainda vamos ter que gastar mais em funções de soberania como polícia e forças armadas. Não é propriamente este o ticket que ganha umas eleições, eu reconheço.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. Guilherme Ribeiro do Grupo Castanho.
 
Guilherme Ribeiro
- Boa tarde a todos. Queria saudar o Dr. António Vitorino pela presença na Universidade de Verão e felicitá-lo pelo discurso esclarecedor.

Numa altura em que se vivem constantes oscilações dos preços do petróleo, e onde se verifica ainda uma crescente necessidade de assegurar o futuro energético, qual a importância do Brasil no contexto europeu?

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- É uma boa pergunta. Eu acho que o interesse de Portugal é enfatizar ao máximo a importância do Brasil, devo dizer-lhe com toda a sinceridade. E acho que nós deveríamos, aliás, ser mais activos nessa matéria.

Eu sou um grande defensor de que ao Brasil seja reconhecido um estatuto qualificado no Conselho de Segurança das Nações Unidas – não vou agora entrar no debate sobre se deve ser um membro permanente com veto ou sem veto, porque esse é um debate que está bloqueado, infelizmente. As Nações Unidas bem carentes estão de uma reforma, mas enfim -, mas o interesse de projectar a maior potência económica do mundo lusófono à escala global é um interesse brasileiro, mas é também um interesse português, sem dúvida alguma.

E, portanto, o interesse de Portugal é valorizar o partenariado com o Brasil o mais possível.

Há sectores onde isso é mais fácil, há sectores onde isso é mais difícil. É mais fácil na questão energética, e nas chamadas energias alternativas, a velha questão do uso do bioetanol, que deu origem a estes conflitos mais recentes quando se verificou a subida do preço dos produtores alimentares e se gerou uma controvérsia sobre o bioetanol. Eu sou dos que acho que os brasileiros têm razão, e que portanto, nós deveríamos ter sido mais vocais em apoiar a posição do Brasil quanto à questão da tentativa de condenação do bioetanol como responsável pela subida dos preços dos cereais no mercado internacional. Acho que essa é uma posição que temos que assumir conjuntamente com o Brasil.

Há sectores mais difíceis, que é o sector agrícola. O Brasil tem um caderno reivindicativo de exportação de produtos agrícolas para a Europa, ao qual muitos países europeus resistem, designadamente, os países produtores agrícolas mais importantes, capitaneados pela França. E por vezes Portugal tem sobre isso uma posição muito infeliz. Somos poucos vocais em demarcar-nos de um certo proteccionismo que caracteriza a PAC, e que não serve em nada os interesses portugueses, e que cria, aliás, dificuldades no entendimento com o Brasil.

Portanto, estes são dois sectores, os dois sectores de ponta, onde manifestamente alguma coisa tem que ser feita, na energia e na agricultura, para que o Brasil possa ter uma relação mais estreita com a União Europeia, que é uma relação do interesse de Portugal.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Obrigado Dr. António Vitorino. A próxima questão é colocada pelo Grupo Verde, Cristina Dias.
 
Cristina Dias
- Boa tarde a todos. Dr. António Vitorino. Na aula da manhã indicaram-nos que a palavra governance era uma palavra cool entre o meio político. O Grupo Verde gostaria de congratulá-lo por tê-la utilizado.

A questão é a seguinte: a par da diversidade europeia que é também uma das fontes da sua força, a União Europeia revela algumas fragilidades internas, nomeadamente aquilo que nos indicou acerca dos diversos posicionamentos em relação à globalização. Nós perguntamos, poderá esta situação pôr em causa a sua afirmação enquanto potência mundial nos diversos âmbitos, quer político, económico, social; ou antes pelo contrário, todas estas características irão unir ainda mais os Estados-Membros, de modo, e quem sabe, a caminhar para um modelo federalista?

 
Dr.António Vitorino
- Muito obrigado. Sabe, eu dei há bocadinho o exemplo do empoderamento, mas também podia dar o exemplo da governance. Sabe como é que se diz governance em português? Os especialistas nessas questões explicaram-me que governance se diz em português governança, governança. Que já usava o Alexandre Herculano, mas que convenhamos aqui entre nós, governança é um nome horrível. E por isso é que nem me atrevo, a dar a palavra portuguesa, uso a palavra governance.

Eu estou totalmente de acordo consigo, as fragilidades internas vulnerabilizam a capacidade de afirmação internacional, não tenho isso a menor dúvida. E a questão das divisões sobre a globalização acabam mais cedo ou mais tarde por deslegitimar a União Europeia aos olhos dos seus próprios cidadãos.

A dúvida essencial, e é aí que está a crise europeia, eu sinceramente não acredito muito que a crise europeia seja por causa das instituições, a crise europeia sobretudo radica no facto das pessoas, os cidadãos comuns, reconhecerem que o projecto europeu foi um projecto de sucesso durante 50 anos, mas hoje têm fundadas dúvidas de que ele ainda seja um projecto de sucesso para o novo mundo globalizado em que vivemos.

E a demonstração do valor acrescentado da União Europeia para ganhar a globalização, é que tem que ser feito e ainda não foi feito.

Dir-me-á assim, então e vamos evoluir para um modelo federalista? Eu não sou federalista, de facto, não sou. Percebo os federalistas, os federalistas têm uma enorme vantagem: é que o modelo é coerente. Têm essa vantagem. Constroem um modelo nacional, pegam no modelo nacional e aplicam-no à escala continental, toquezito aqui, toquezito ali, fica coerente.

Eu não acredito que a Europa seja alguma vez um Estado, ou seja sequer uma Federação formal. A Europa será muito mais complicada do que isso, e será muito mais original do ponto de vista da sua organização institucional.

Terá elementos federais, como a política monetária, que é claramente um elemento federal; terá durante muito tempo elementos puramente intergovernamentais, que podem ser agilizados, no caso da política externa e de segurança comum, ou da política de defesa; e terá depois elementos confederais, onde o processo de decisão variará um pouco em função dos participantes nas iniciativas e dos objectivos dessas iniciativas. Vai ser portanto, uma coisa dificílima de explicar. Muito difícil de compreender, mas no fundo, no fundo, é o preço a pagar pela diversidade.

Este é talvez o ponto essencial. Isto é, eu não quero ser finlandês, não quero, peço desculpa, não quero ser finlandês, aliás, olhando para mim seria difícil imaginar que era difícil esticar-me e emagrecer-me ao ponto de chegar ao padrão finlandês. (Risos) A diversidade é uma vantagem, é uma força. E, portanto, as instituições é que têm que se submeter a essa dinâmica da vida real e não o contrário.

Portanto, as instituições terão que ser, provavelmente menos filhas duma concepção global perfeita, mas têm que estar sobretudo ao serviço dos objectivos e serem mais plásticas em relação aos objectivos. E o objectivo é fazer a demonstração de que a União Europeia tem valor acrescentado para enfrentarmos e ganharmos os desafios da globalização, e não para nos fecharmos sobre nós próprios, olhando para o umbigo.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado dr. António Vitorino. O Grupo Bege é o próximo grupo a colocar uma questão, e dou a palavra ao João Miguel Campos Carvalho.
 
João Miguel Carvalho
- Em nome do Grupo Bege queria saudar o dr. António Vitorino pela sua brilhante intervenção.

E a nossa questão baseia-se no seguinte, há 10, 15 anos ninguém imaginava um crescimento tão fantástico da Europa. Há 15 anos, falar de 27 países na União Europeia era algo inimaginável.

A questão é: até onde pode a União Europeia continuar a crescer, até que ponto é sustentável esse crescimento, e onde é que o dr. António Vitorino imagina a União Europeia daqui a 10, 15 anos?

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Isso é uma pergunta muito difícil. Sabe que o Jacques Attali dizia que só fazia previsões a 100 anos. Era um homem prudente porque não corria o risco de estar cá para ser responsabilizado pelas previsões. Dez anos é um risco enorme, porque eu tenho 51, portanto, está a ver, ainda me podem vir à mão. (Risos)

Eu acho que eu não sei responder a essa pergunta, vou ser totalmente sincero e honesto, eu não sei responder a essa pergunta: até onde é que vai a Europa.

Sei responder a partes dessa pergunta. Por exemplo, eu sei que acho que a Turquia deve estar na Europa, isso eu sei, e que de preferência estará na próxima década. E se olharem bem para a crise da Geórgia, se olharam bem para a implicação da crise da Geórgia na questão energética global, na questão do transporte do gás e do petróleo do Cáspio, e se olharem para a posição estratégica da Turquia, verão como sai reforçada a ideia de que a Turquia deve mesmo na União Europeia, logo que reúna as condições para isso.

Que é uma zona fulcral e que não é possível falar em diversificar as nossas dependências energéticas, e libertarmo-nos do jugo e da pressão russa em matéria de gás e petróleo, se não tivermos garantias alternativas que se prendem exactamente com o Cáspio, que se prendem também com a Geórgia, e que se prendem decididamente com o papel estratégico da Turquia.

Se me perguntar: e a Ucrânia? Eu dir-lhe-ei do ponto de vista conceptual a Ucrânia é um país com vocação europeia, e é perfeitamente um país com vocação de integrar a União Europeia. Mas aí vou ser um bocadinho malandro, devo reconhecer. Como o meu amigo me pediu uma previsão para dez anos, isso já será para além de dez anos.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, André Matias do Grupo Azul.
 
André Matias
- Muito obrigado Pedro Rodrigues. Dr. António Vitorino, permita-me que o saúde, por nos brindar com a sua presença nesta soberba organização que é a Universidade de Verão.

As questões que tenho para lhe colocar, têm exactamente a ver com um tema que lhe é familiar, que é a segurança e a justiça.

Colocarei uma questão de domínio interno, porque acho que não posso deixar passar em claro, e colocaria uma questão contextualizando mais a União Europeia.

Falando exactamente sobre a segurança e a justiça, ou neste caso a ausência dela, a primeira questão prende-se exactamente com o facto de nos últimos tempos termos vindo a assistir a um conjunto de intervenções policiais para os gostos: desde o assalto ao BES, passando pelas bombas de gasolina, mais recentemente com a morte de um jovem por um disparo de um militar da GNR, em que o assaltante, o tribunal de Loures fez o favor de o colocar ao mesmo nível que o militar da GNR que fez o disparo, isto para não retrocedermos, porque se vamos então retroceder íamos para exemplos muito mais gritantes, como foi o caso Maddy, e isso então é a cereja em cima do bolo.

E, portanto, a minha questão vem exactamente de encontro a isso, e eu queria saber se o aumento desta insegurança, adjacente exactamente ao nosso país pertencer à União Europeia, não fará aumentar o cepticismo dos portugueses em relação à nossa presença na União Europeia?

Isto é a questão que tenho para lhe colocar sobre o domínio interno.

A segunda questão sobre o domínio externo, prende-se exactamente com outra problemática que é o seguinte, este problema da insegurança não tem vindo a ser só um problema de Portugal, tem vindo a ser um problema de toda a União Europeia, mas a verdade é que a justiça em Portugal está de facto pior que a justiça nos outros países. E embora existem já acordos de cooperação como o Maastricht ou Schengen, embora o Tratado de Lisboa ainda não esteja em vigor e ele prevê a competência de definir executar uma política externa e de segurança comum. A verdade é que cada vez mais, e com o evoluir das situações, estes acordos se tornam insuficientes.

E o que quero perguntar é o seguinte: como é que é possível, nós criarmos uma maior coesão e uma maior união da União Europeia no âmbito da política externa e de segurança comum, preservando exactamente a diversidade cultural de cada povo europeu, atendendo ao facto de quem, a justiça em Portugal está um bocado diferente. Há quem diga que ela está cega, eu acrescendo dizendo que a justiça em Portugal está cega e bem cega e neste momento não adivinho quem lhe possa retirar a venda.

Muito obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Eu reconheço que do ponto de vista do impacto mediático é muito forte a tentação de ligar certas formas de criminalidade violenta com a vinda do exterior de agentes que são perpetradores desses crimes.

É uma visão na minha opinião abusiva, mas reconheço que não posso deslegitimá-la, no sentido de que, há evidências que provam que alguns dos criminosos são pessoas que vieram de fora. Não vou perguntar estatísticas porque provavelmente a maioria dos criminosos não vieram de fora, são gerados entre nós. E normalmente quando se dá noticia dum crime, quando o criminoso vem de fora diz-se, quando é auto-gerado guarda-se sobre essa matéria o silêncio. Depois não nos podemos surpreender que o resultado seja, que na percepção das pessoas. Todos os criminosos vêm de fora, e que é, porque não há controle de fronteiras que eles vêm de fora. Que é uma coisa totalmente infantil – peço desculpa.

Isto é, a ideia de que nós teríamos um sistema especial de controle de fronteiras que permitia ler nos olhos e dizer: Ó filho, tu és criminoso, não entras. É uma ideia infantil, para não dizer outra coisa, que há uma palavra que não se deve usar em areópagos elegantes como este.

Portanto, é muito difícil combater a ideia de que é porque não há controles de fronteiras que os criminosos entram, mas do ponto de vista racional é exactamente o oposto. É porque não há controles de fronteiras que a cooperação entre as polícias à escala internacional existe e é mais fácil trocar informações que identificam os potenciais criminosos, ou aqueles que já têm cadastro criminal. E que, só melhorando a cooperação entre polícias é que é possível sermos mais eficazes na luta contra o crime.

E, portanto, é o contrário, se quiser, mas eu percebo a dificuldade de fazer este discurso em termos públicos para audiências muito alargadas.

É evidente que do ponto de vista das ameaças, repare que, eu reconheço que há um up-grade na violência do crime em Portugal, acho que estamos a assistir a esse fenómeno. Eu vou dizer uma coisa que eu sei que aqui num areópago destes pode cair um bocadinho mal, mas, um dos instrumentos do crime hoje é a Internet. Peço desculpa de ter de dizer isto, mas é a minha avaliação. Hoje, quem queira comprar armas ou conhecer técnicas de assalto violento, já não vê filmes de série B, vai à Internet, e há um conjunto vasto de sites em que essa expertise é infelizmente distribuída. E para isso não é preciso vir ninguém de fora, porque o acesso é directo.

E, portanto, a crise económica e social, a disrupção dos valores na sociedade, e, digamos assim, o acesso a técnicas mais arrojadas de crime, tudo isto junto leva a um up-grade da violência do crime em Portugal, que infelizmente nós temos que enfrentar e para que temos que encontrar resposta. Vou dizer uma coisa um bocadinho heterodoxa, seu sei, e que se calhar cai um bocadinho mal dizer assim com esta frieza que eu vos vou dizer, mas eu acho que na prevenção do crime a operação do BES fez muito pela segurança em Portugal.

E que é preciso dizer isto, eu sei que é um bocado complicado dizer isto, mas é a verdade. Isto é, é preciso provar que as forças de segurança são capazes de ir até ao limite.

E que, portanto, o crime não pode beneficiar da presunção de laxismo da capacidade de resposta do Estado de Direito Democrático.

Isto de facto em certos sectores da sociedade portuguesa é um bocadinho de lesa majestade eu dizer isto, mas infelizmente, e eu não desejo a morte de ninguém nem mesmo dos criminosos, entendamo-nos, mas infelizmente tenho que reconhecer que aquela operação que, quando numa situação limite era a vida dos reféns que estava em risco, e portanto a opção era entre a vida dos reféns ou a vida dos criminosos, o Estado de Direito Democrático tem o direito de responder que nessas situações limite é a vida dos criminosos que está em causa.

É óbvio que eu não nego que isto depois comporta outro tipo de riscos, isto pode gerar dinâmicas que leva a disparar com excessiva facilidade. E o outro exemplo que deu é um exemplo, e a resposta a isso é a formação das polícias. São as polícias que têm que ter uma formação, porque quem tem uma arma na mão tem um decisão terrível a tomar, uma decisão terrível a tomar. E, portanto, nem pode haver facilitismo no uso das armas, mas sejamos honestos, se numa situação limite tiver que se disparar, dispara-se. Peço desculpa, mas é assim que se preserva a segurança colectiva do país, e nós não podemos tergiversar nessa matéria.

Sobre a questão da coesão europeia. Bom, repare, é um pouco aquilo que eu disse há pouco. A coesão europeia constrói-se através de instituições que segregam uma cultura comum, essa segregação da cultura comum é lenta, normalmente é lenta, mas a aceleração da história também acelera a segregação dessa cultura comum.

Isto é, quanto mais prementes são os desafios e as situações, também mais rapidamente uma estrutura que exista montada na União Europeia tem que dar resposta a esses desafios.

O interesse português nesse contexto? Para mim é muito claro. Eu acho que temos vantagens em beneficiar do efeito de escala da União Europeia, temos que salvaguardar que o nosso valor acrescentado, que são as relações africanas, o Brasil, a relação transatlântica, a relação com Timor estão devidamente acautelados nesse modelo de política externa e de segurança comum europeia. Seja no serviço de acção externa, seja na capacidade de influir nas decisões a nível comunitário.

E devo-vos dizer com sinceridade, contrariamente ao que muitos dizem para aí, a história do directório e não sei quê – é um bom debate esse, esse dá-me gozo porque esse é um debate de pugilato, e esse tem a ver com algumas pessoas aqui do PSD, devo dizer-lhes, mas do PS também, já agora “ça va sans dire”, mas sobretudo do PSD que são os mais vocais nessa matéria, esse é o bom debate, que esse é um debate duro -, mas verdadeiramente a União Europeia tem maior racionalidade do que muitas vezes nos querem fazer crer.

Quando se discute a Rússia, Portugal fala e os outros países ouvem porque são países civilizados, (quando alguém fala os outros devem estar calados) mas quando Portugal fala sobre África é ouvido muito atentamente. É ouvido muito atentamente.

E, portanto, não há nenhuma incompatibilidade entre ter uma política externa e de segurança comum, e nós continuarmos a desenvolver a nossa própria política externa e a expertise que temos em alguns domínios de matérias, porque isso tem um efeito positivo para a nossa própria posição na União Europeia.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. Marco Rodrigues do Grupo Laranja.
 
Marco Rodrigues
- Muito boa tarde Dr. António Vitorino, é um prazer em nome do Grupo Laranja privar-nos com a sua presença cá.

Eu vou-me debruçar mais na área político-económica e a minha pergunta é um pouco complexa. Nós sabemos que as bolsas europeias estão a cair com o abrandamento económico, isso provavelmente irá prejudicar os retalhistas e os produtores de matérias primas, e ao mesmo tempo com as perdas do sector financeiro nos mercados de crédito, continuam a aumentar, as instituições financeiras já perderam 400 mil milhões de dólares com o crédito e o Fundo Monetário Internacional, o FMI, já disse que essas perdas poderão acrescer até aos 945 mil milhões de dólares.

Sabemos que a Eurostat confirmou também a quebra do PIB na zona do Euro no trimestre do ano, quebra de 0,2 % da economia da zona euro face ao primeiro trimestre do ano, bem como o recuo de 0,1% do PIB da Europa dos 27(…)

(um minuto inaudível)

(…) também sabemos que o investimento europeu recuou 1,6% nos 27, enquanto as exportações recuaram 0,4% na zona euro e União Europeia, as importações também desceram 0,4% na zona euro, e 0,5% na totalidade da União.

Os mercados financeiros permanecem estáveis com as taxas de juro a situarem-se nos níveis muito superiores aos níveis de taxas de juro dos directores dos bancos centrais.

O que podemos concluir é que o ritmo de crescimento europeu é metade do ritmo de crescimento mundial, já para não falar em Portugal que é metade do ritmo de crescimento europeu.

A minha questão é muito simples, do seu ponto de vista conseguirá a União Europeia inverter este sentido, antes que haja uma recessão económica? Que medidas poderão ser tomadas para contrariar esta tendência negativa do crescimento económico?

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Bom, eu não estive aqui na conferência de ontem, mas sei, mais ou menos, o que é que normalmente sobre estas questões diz o António Borges. Ele diz que as crises são saudáveis, porque são um processo de ajustamento natural. Isto é, se há depreciação de valores bolsistas é porque esses activos estavam sobreavaliados, e o mercado ele próprio através do processo crise, ou abrandamento do crescimento, ou mesmo recessão, reconduz os valores dos activos a um patamar mais razoável.

E, portanto, nesse sentido, claro está que não é agradável ter uma recessão, mas até pode ser salutar ter uma recessão. Nessa visão das coisas até pode ser salutar ter uma recessão. Havia mesmo quem a preconizasse. Não era o caso do António Borges, atenção. Mas havia mesmo quem a preconizasse.

Obviamente que os políticos que têm que responder perante as respectivas opiniões públicas, fogem dessa temática como o Diabo da cruz, porque isso os coloca em sérios embaraços. Sobretudo porque de todos os números que disse, há um número que não citou que é aquele que é mais preocupante, que é o número do emprego, ou do desemprego, se preferirem. Ou seja, tudo isso somado, depois tem uma consequência na vida das pessoas, que é o aumento do desemprego.

Eu estou hoje menos pessimista do que estava há quatro meses atrás nesta matéria. Acho que os números que deu são verdadeiros, mas são números que indiciam que provavelmente o reajustamento está a entrar numa fase flat que permitirá que as expectativas que depois haja uma retoma. Porquê? Os dados da economia americana no segundo trimestre são menos negativos do que eram as previsões, e independentemente da importância da União Europeia no contexto global, a economia americana é ainda um factor essencial de propulsão da economia global.

E, portanto, uma melhoria da economia americana, pode travar a curva descendente da economia europeia, e permitir criar as condições para uma retoma da economia europeia.

É evidente que a retoma da economia europeia será assimétrica, nem todos os países europeus retomaram ao mesmo tempo. E aí Portugal tem problemas específicos que não permitem apenas cavalgar na boleia do conjunto da economia europeia.

É evidente que a minha expectativa é que com a quebra dos produtos alimentares, (apesar de tudo parece-me sustentada essa queda) e com a estabilização do petróleo a 100 dólares por barril no último trimestre deste ano, que é o que hoje a maioria dos analistas prevê, isso permitirá criar condições para que haja uma retoma de confiança nos mercados bolsistas e que os capitais que divergiram para o ouro, para o petróleo, para as commodaties em geral retornem ao mercado bolsista e que portanto haja uma revalorização dos activos das empresas, que todos ao analistas concordam que hoje estão abaixo do seu valor efectivo e real.

Isto é, a crise talvez tenha ido longe de mais, porque o processo salvífico da crise levou a que os valores tenham ido abaixo do que era uma linha de flutuação racional e razoável até para os próprios bancos, valem mais do que aquilo que as bolsas hoje dizem. Portanto, se tiverem dinheiro, se calhar é boa altura para comprar acções.

Onde é que a União Europeia pode fazer a diferença?

Aqui há dois pontos muito sensíveis que nos levariam a uma longa conversa, e eu não quero dar uma resposta muito longa.

O primeiro tem a ver com a coordenação das políticas económicas em relação à política monetária. Que é uma fragilidade da União Europeia. Isto é, o Banco Central Europeu continuará centrado e focalizado na questão da inflação. Não creio que aumente a taxa de juro, mas também não vai diminuir a taxa de juro, e haverá um momento, se o ambiente económico desanuviar, neste cenário que lhe acabei de traçar, haverá um momento em que vai ser necessário que o Banco Central Europeu volte a baixar a taxa de juro de referência.

E que isso pode ser muito importante para estimular a economia europeia, e é isso que a Europa pode fazer. É inverter o ciclo de desconfiança, e baixar a taxa de juro para dar às empresas e às famílias um incentivo nos meses mais próximos.

A segundo questão que a Europa pode fazer. É prosseguir as reformas. É incentivar as reformas, as reformas que apostam na qualidade do capital humano, que apostam mais nas qualificações das pessoas do que propriamente no trabalho intensivo, ou do que propriamente no botão. E este tipo de directriz, dentro dos países é mais difícil de implementar, sobretudo quando hoje, na Dinamarca, no Reino Unido, na própria França, na Irlanda ou na Espanha, a indústria da construção está em crise profunda, portanto, o que é mais fácil é reinvestir outra vez na construção, trabalho pouco qualificado, betão, mas com perspectivas de pouca sustentabilidade a prazo, e canalizar os incentivos europeus para investimentos noutros sectores de ponta para futuro, e nas qualificações das pessoas.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Eu já vi que há muita vontade de fazer perguntas livres, vamos finalizar o bloco de questões dos grupos e depois passaremos, já tenho aqui algumas inscrições, depois vamos organizar essa fase.

Vamos agora para a última questão, Alexandre Veloso do Grupo Amarelo.

 
Alexandre Calheiros Velozo
- Muito boa tarde Dr. António Vitorino, agradecemos a excelente aula que nos deu sobre a Europa.

Quais lhe parecem ser as principais consequências para nós que somos europeus portugueses o alargamento da União Europeia, em primeiro lugar o alargamento que já se fez aos países de leste, e em segundo lugar, o possível alargamento à Turquia?

Muito obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Eu vou-lhe confessar uma coisa, acho que nunca disse isto em público, isto também não é muito em público, mas enfim, é semi-público, eu via com muita apreensão a reacção portuguesa ao alargamento, porque todos os estudos que eu conhecia mostravam que do ponto de vista económico, o alargamento de 2004 aos países da Europa central e de leste, e depois à Roménia e Bulgária, afectaria directamente a economia portuguesa, Portugal seria, provavelmente, o país mais perdedor com o alargamento. E sempre tive receio de que isso provocasse uma reacção negativa na opinião pública portuguesa em relação ao alargamento.

E ainda hoje não sou capaz de explicar porque é que não provocou. Vou ser sincero. Mas não provocou.

Sustentadamente, todos os inquéritos de opinião mostravam que Portugal era dos países onde havia um apoio mais significativo ao alargamento, incluindo o alargamento à Turquia.

Há um princípio de explicação que eu tento dar, e que é este: a nossa própria adesão às comunidades europeias, vocês não viveram esses anos, mas a nossa própria adesão às comunidades europeias, antes de ser uma aposta económica foi uma aposta política. Quarenta e oito anos de regime autoritário, um processo revolucionário durante dois anos, uma democracia emergente instável, extremamente instável, pertencer ao clube da União Europeia significava uma apólice de seguro para a estabilidade da democracia.

Eu acho que este princípio se aplica também aos países da Europa central e de leste. Cinquenta anos de ditadura comunista, processos de transição uns mais suaves do que outros, outros mais agitados, democracias emergentes extremamente frágeis. Para eles também a pertença à União Europeia era uma apólice de seguro da estabilidade do regime democrático.

E eu acho que o valor estabilidade da democracia contou para que os portugueses compreendessem que os países da Europa central e do leste, tinham o mesmo direito à estabilidade da democracia que nós tínhamos tido nos anos 80. Esta é a minha explicação. E por isso eu estou convencido de que Portugal continuará a ser um país favorável ao alargamento.

Quanto à negociação das condições do alargamento. Acho sinceramente que as perspectivas financeiras 2007-2013, que são as que estão actualmente em vigor, acautelaram substancialmente, os interesses de Portugal em face do impacto do alargamento.

Agora há uma coisa que temos de nos convencer, - isto é mais para vocês do que para mim, eu nessa altura estarei à beira da reforma, se o governo não voltar a alterar a idade -, é que essa almofada de compensação pelo alargamento, esgota-se em 2014. Não contem com ela a seguir a 2014. Portanto, o que nós fizermos agora até 2014 é o que nos permitirá resistir ou não ao que vem a seguir a 2014, incluindo os outros alargamentos da União Europeia.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. A prova que de facto isto é um debate muitíssimo participado, temos muito gosto em debater com os socialistas, temos já 13 inscrições, vamos então fazer blocos de duas questões.

E temos o primeiro bloco com o Alberto Fernandes e o Leandro Esteves.

 
Alberto Fernandes
- Dr. António Vitorino, muito boa tarde. Há pouco referiu que era favorável à entrada da Turquia na União Europeia, e perdoe-me esta pergunta, mas parece-me como todos os outros defensores da entrada da Turquia na União Europeia, as razões apresentadas recaem apenas num puro calculismo e pragmatismo, sendo que essas razões prendem-se com o facto da União ter um pé no Médio Oriente, e também a questão energética, e parece que fica um pouco de fora a questão se a Turquia entra pelas melhores razões. Ou seja, se por ter identidade europeia, por partilhar do projecto comum europeu, e por ter também uma tradição europeia.

É essa a minha questão. Muito obrigado.

 
Leandro Esteves
- Muito boa tarde. Nunca é demais felicitar o dr. António Vitorino e mostrar que as suas convicções para além de evoluírem com o tempo continuam muito assentes e são muito credíveis, e é isso que nós procuramos na Universidade Europa. E como temos dois europeístas convictos à mesa, vou lançar-lhe o repto e vou falar de uma coisa que é a famosa directiva do retorno.

O Carlos Coelho tem uma posição, o Dr. Vitorino se calhar tem outra, e eu gostava de saber a sua posição sobre isso.

Quando falou do problema do crescimento populacional, que em 2060 seremos muito menos pessoas, mas até 2015 nós vamos ter 13 países que vão crescer a população, entre os quais está incluído Portugal e 4 vão baixar os níveis populacionais, esta directiva de retorno imiscui-se muito neste problema de renovação geracional com a questão dos imigrantes. Porque é que nós não criamos uma política de imigração sustentada, uma política de inclusão social, em que tentamos acolher e dar ao mesmo tempo, porque nós não sabemos sequer quantos imigrantes ilegais, não há dados específicos, quantos imigrantes temos dentro da União Europeia. Sabemos que temos menos que os Estados Unidos, mas nós não sabemos os números, mas também não sabemos os números daqueles que são expulsos. E também nunca tentamos perceber ou percebemos e fechamos os olhos, porque é que eles vêm para cá. Porque se calhar é mesmo complicado viver na Serra Leoa ou viver no Zimbabué e ter que fugir para as Caraíbas porque não temos nada para comer, e há além disso ainda somos explorados, porque temos que atravessar o mar mediterrânico em cima duma tábua, já não são barcos são tábuas, e depois morremos, desfalecemos. E não há uma política costeira também de ajuda, e não só de uma segurança que ligue estes factores, e aliada a uma política de inclusão social e uma política de trazer para cá imigrantes, porque eles fazem falta e a renovação geracional europeia só se vai fazer com a imigração.

Muito obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Sobre a Turquia. Depende do que é que o meu amigo entende por identidade europeia. E aí o ónus está mais do seu lado do que o meu, porque a sua pergunta indicia que acha que a Turquia não tem identidade europeia. Porquê, por serem muçulmanos? É isso? Então e os bósnios, não são muçulmanos?

Por exemplo, se há país onde há separação entre a igreja e o Estado é na Turquia, se calhar até demais, esse é que é o problema da Turquia.

Eu acho que a Turquia hoje não pode entrar na União Europeia, porque não reúne as condições para entrar na União Europeia neste momento. Mas a história da Turquia moderna qualifica-a do ponto de vista dos valores para ser um país da União Europeia. Posto é que a reformas que têm que ser aplicadas antes desse momento, sejam efectivamente aplicadas.

O seu critério é geográfico? Então a Turquia não é europeia de facto. Mas eu não vou muito pelo critério geográfico.

Portanto, naquilo que são para mim os valores essenciais, eu acho que a Turquia se qualifica para ser um país europeu, e não é apenas calculismo económico, se quiser, é uma questão política central. Se a Turquia se tornasse amanhã um país fundamentalista islâmico, eu sei quais eram as consequências que isso tinha para a segurança e a estabilidade, não do Médio Oriente mas da Europa. A nossa segurança e a nossa estabilidade. Portanto, a Turquia é também, uma frente onde eu combato o fundamentalismo islâmico e se a adesão à União Europeia reforçar esse combate, eu sou a favor dela.

É a minha opinião.

Sobre a directiva retorno. Ora bem, vamos lá ver, eu li o artigo do Carlos Coelho, como sempre é um artigo esquadrinhado, vai ali a todos os pormenores, eu subscrevia para aí 80%, acho que há 20% onde o artigo do Carlos Coelho é excesso de zelo.

Mas vamos lá ver, há uma coisa que eu acho que se tem que desfazer, é a ideia de que isto da política de imigração é deixá-los entrar e depois não há que exigir que entrem legalmente. Não. A directiva Retorno, é uma parte integrante duma política de imigração compreensiva. Não há política de imigração digna do nome, que não tenha um elemento de expulsão, expulsão dos ilegais. E sabe em nome de quê? Olhe, em nome dos legais. Em nome dos legais.

As pessoas não têm consciência disso, mas quando estamos a ser tolerantes com os imigrantes ilegais, o que estamos é a punir os imigrantes legais, aqueles que tiverem que se sujeitar às regras de acesso, aqueles que têm uma situação legal e aqueles que no fundo, no fundo, vêm a sua estabilidade nos postos de trabalhado ameaçada pelos imigrantes ilegais. Porque o elo mais fraco da cadeia no mercado laboral com a imigração clandestina, são as gerações anteriores dos imigrantes legais. Porque os clandestinos aceitam qualquer tipo de condições de pagamento; enquanto que os legais têm que beneficiar das condições legais aplicáveis aos trabalhadores desse país, que abrange também os trabalhadores estrangeiros que nele exercem as suas funções profissionais.

Eu sobre a Directiva Retorno, tenho duas críticas. Sobre a história da detenção dos menores, acho que aquilo está mal construído. Não é errado, é mal construído. Porque vamos ser sinceros, porque se há menores não acompanhados que são imigrantes ilegais, se eles não são detidos onde é que estão? Já se perguntaram? Onde é que estão? Estão na natureza. Sujeitos a quê? A que tipo de exploração? Quer dizer, a ideia de que a detenção é forçosamente negativa ou repressiva, é errada. A mim o que me preocupa é que haja menores não acompanhados que são imigrantes clandestinos que vivem nas cidades, sabe-se lá sujeitos a quê.

A minha obrigação é protegê-los. Naturalmente que ninguém gosta de estar detido, eu não gosto pelo menos, creio que ninguém gosta de estar detido. Mas em certas circunstâncias a única protecção que eu posso dispensar é exactamente detê-los.

É uma violência expulsá-los? Bom, é uma violência expulsá-los se não forem criadas condições de readmissão no país de origem, é. Mas eu acho que uma União Europeia que cria mecanismos de detenção, também é responsável por garantir a sua reinserção nos países de origem, tem que ter mecanismos de cooperação com os países de origem para os reinserir.

Eu sei que isto é um drama, é um drama. Eu conheço, eu vivi-o e tive que o negociar.

Sabe qual é um dos sítios onde há mais menores não acompanhados, imigrantes clandestinos? É nas Canárias. As famílias marroquinas mandam-nas para as Canárias, entram em circunstâncias indescritíveis, sobrevivem os que sobrevivem, e muitas vezes é impossível saber para onde é que eles devem ser reenviados porque eles nem sabem de que cidade é que são originários. E quando são enviados para Marrocos, ninguém toma conta deles, as famílias não aparecem, o Estado não tem mecanismos de protecção suficientes. E a única rede que existe é uma rede de organizações não governamentais que os acolhe, e o que a União Europeia faz é financiar essa rede de organizações não governamentais que tem como incumbência dar apoio aos menores não acompanhados, não apenas imigrantes mas em geral, aos menores na sociedades, mas também têm uma valência específica para os menores não acompanhados.

Eu não teria dado, nesta altura, prioridade à directiva Retorno, reconheço isso. Porque isso arranha a imagem de que a política de imigração europeia é só repressiva e não toda a componente positiva e pró activa da imigração legal e da integração positiva. Portanto, a imagem que resulta dessa prioridade é uma imagem negativa. Agora, que se desiludam as almas caridosas, não há política de imigração que não comporte a expulsão dos ilegais. E isso é fundamental para a credibilidade de uma política de imigração legal, junto das nossas próprias opiniões públicas.

E, portanto, nesse sentido, acho que com estas ressalvas, (os tais 20% onde eu não subscrevo o artigo do Carlos Coelho) eu acho que a directiva retorno é um elemento importante, que acabará por produzir resultados.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Dr. António Vitorino. Vou passar a palavra ao António Barroso e ao Ricardo Lopes, com um alerta: eu pedia-vos que antes de começarem a pergunta, identificassem o vosso grupo, para facilitar o trabalho aos nossos avaliadores que estão a ter bastante dificuldade em identificar os grupos.
 
António Barroso

- Dr. António Vitorino, um parêntesis só para dizer o seguinte: é com adversários como o sr. que vale a pena estar na política e combater.

A questão que quero colocar, no fundo são duas, a primeira é: haverá possibilidade e será de interesse o alargamento da zona Euro?

E a segunda, porque há pouco um companheiro questionou a dez anos, eu questiono nos próximos 50, porque a Europa está com 51, e, portanto, se nos próximos 50 ou mais algum dia a União Europeia será idêntica às fronteiras do continente europeu. Isto ressalvando e lembrando que o continente europeu vai até aos Urais.

 
Ricardo Lopes
- Queria antes de mais e por estarmos numa iniciativa do PSD e da JSD, defender o nosso magnífico reitor, e dizer que tenho a certeza que o dr. António Vitorino não foi uma segunda escolha, terá sido uma primeira escolha, demonstrou-o hoje. Porquê? Porque tem uma capacidade oratória muito boa, um poder sobre a matéria também muito relevante e depois, e permita-me o atrevimento, porque acho que o Dep. Carlos Coelho queria finalmente ter um convidado que fosse mais baixo que ele, e já agora que tem também um corte de cabelo parecido, idêntico, muito ao estilo nórdico, como falou há pouco. (Risos)

Mas atrevimentos à parte e brincadeiras à parte, a minha questão tem a ver também exactamente com alguém que é da nossa família social democrata e queria ter a sua opinião, ou seja, queria ouvir a sua opinião sobre o trabalho da actual Comissão Europeia e do presidente da própria comissão em particular, como é obvio.

Obrigado.

 
Dr.António Vitorino
- Muito obrigado pelas suas palavras gentis, em matéria de alturas só me resta sugerir que para o ano convidem o Dr. Marques Mendes. (Risos)

Eu sou favorável ao alargamento da zona euro, decididamente. Até porque um dos problemas que existe na lógica da União Monetária, é que a concepção dos mecanismos monetários tem pouco em linha de conta a diversidade das economias reais dos países que estão na zona euro.

Isto pode parecer-lhe um bocadinho pérfido. Mas a minha ideia é esta: se essa diversidade se amplificar, antecipa-se o momento em que vai ser necessário compatibilizar os mecanismos estritamente monetários com a coordenação das políticas económicas dos Estados-membros. Portanto, eu vejo uma virtude no alargamento da zona euro, que não é apenas de poder fazer turismo sem ter que mudar de moeda, mas também um elemento interactivo sobre a reconfiguração da união monetária, que acho que a prazo vai ser necessário.

Oiça, eu sobre essa pergunta dos 50 anos é que estou embaraçado, porque se o meu amigo põe a Europa até aos Urais, como o De Gaulle punha, está a dividir a Rússia, a Federação Russa. Portanto, metade da Federação russa era da União Europeia e a outra metade ficava fora da União Europeia.

Bom, 50 anos não sei, mas aí já é seguro, porque eu até aos 101 anos, enfim, ainda corro algum risco se deixar de fumar, ainda lá chego, mas eu não tenho dúvidas que a Ucrânia tem vocação europeia, eu não diria o mesmo da Rússia, para lhe ser sincero, não diria o mesmo da Rússia.

Sobre a questão da comissão, bom... gosta de Fado? O meu amigo gosta de Fado, você gosta de Fado? É de Coimbra. Então a resposta é muito simples: “nem às paredes confesso”. (Risos)

 
Dr.Pedro Rodrigues
- João Almeida e a seguir Vasco Galhofo.
 
João Almeida
- Muito boa tarde sr. dr. António Vitorino. Peço desculpa de levantar este assunto outra vez, mas a minha questão vai em direcção ao assunto da adesão da Turquia, e a questão que ponho em relação à maneira como nos pôs esse tema, era que, do ponto de vista estratégico era essencial para a Europa ter outra via de comunicação para o transporte energético, mas acho que essa mão é uma maneira viável de encararmos os problemas enquanto europeus, e como já foi dito noutra questão e depois na sua resposta, eu acho que a dificuldade para nós, enquanto europeus, não é aceitar o facto da religião maioritária ser a religião muçulmana, mas sim os valores.

Se os valores da Europa são a aceitação, esse seria um critério até que poderia ser positivo, mas por outro lado, valores como a liberdade de expressão ou de acesso à informação ou dos conflitos internos existentes na Turquia, será que é viável aceitar uma nação na nossa União, tendo ela todos estes problemas.

Pegando nas suas próprias palavras: eu também não quero ser finlandês (aparte do Dr. Vitorino) pode ser que sim, mas o que eu quero ser ainda menos, é um europeu que faz condescendência em prol dos assuntos económicos.

Muito obrigado.

 
Vasco Galhofo
- Boa tarde a todos. Dr. António Vitorino. Nos últimos anos para os russos, os americanos perderam credibilidade; nos últimos meses para os americanos, os russos perderam credibilidade.

O resto do mundo e a Europa dividem-se um bocadinho mas não há realmente nenhum consenso quanto a essa matéria. Será que é possível que, neste cenário, a Europa se afirme como o centro das decisões políticas a nível global?

Mas será que, além disso, isso possa ser possível, com que voz? Porque nos últimos tempos com esta questão da Geórgia, na altura em que a Europa deveria mostrar uma imagem firme, o que vimos e pelo menos para mim, não sei se concordará, foi um bocadinho uma desilusão, a presidência francesa nesse aspecto, porque Sarkozy entre Tbilisi e Moscovo, entre planos de cessar fogo um bocadinho frágeis, acabou por mostrar uma Europa conciliadora, mas ao mesmo tempo um bocadinho contraída e um bocadinho cobarde. Mas acabou por ser, pouco tempo depois, Angela Merkel a mostrar a firmeza que a Europa devia ter e, acabaram por ser as suas declarações a ter mais impacto.

A minha pergunta era precisamente, além daquela se a Europa poderá ser o centro das decisões, qual deverá ser a voz da Europa para que isso possa acontecer?

 
Dr.António Vitorino
- Muito obrigado. Sobre a questão da Turquia, eu se calhar expliquei-me mal, eu não estou em desacordo consigo.

A minha tese é esta: a Turquia tem vocação a ser membro da União Europeia na minha opinião. E tem vocação em nome de valores, não reúne hoje as condições para o ser, e além da liberdade de expressão e da questão dos conflitos étnicos, podia acrescentar o problema da liberdade religiosa que é um problema muito importante em relação à Turquia.

O que lhe posso dizer é que da minha experiência quando o governo turco era liderado por um partido social democrata, e estejam tranquilos porque era um partido social democrata que pertence à minha família política, à segunda internacional, eu nunca vi nenhuma reforma ser feita, prometiam tudo mas não faziam nada, mas eram pró-ocidentais, eram optimamente pró-ocidentais. Não alteraram nada.

Quando o partido actual do poder ganhou as eleições, passou a haver escolas onde se ensina em curdo, passou a haver jornais curdos, há estações de rádio que emitem em curso, foi abolida a pena de morte, foi retirado do código Penal o apedrejamento das mulheres adulteras. Isto é, eu vi um movimento em sentido das reformas.

O que é que eu também vi? Vi que quando os franceses declararam que a Turquia provavelmente não entraria, abrandou significativamente o ritmo de reformas na Turquia.

Portanto, a minha tese é em nome de valores, de princípios e de critérios. Não sou liquidacionista, não me preocupo só com o gás que chega ou o petróleo que chega, é em nome de valores que eu estou a falar.

E o que eu lhe digo é que na minha óptica a perspectiva de adesão à União Europeia é o melhor incentivo para que essas reformas sejam efectivamente concretizadas, o que levará provavelmente uma década. Por isso eu lhe disse, não é para hoje, não é para amanhã, é para daqui a dez anos. Mas estou convencido que é do nosso interesse e do interesse da Turquia que ela entre na União europeia. Em nome e de critérios que não são muito diferentes dos seus.

Sobre a questão, a expressão “centro de decisões global” deixa-me um bocadinho nervoso, porque não foi isso que eu defendi. Eu defendi uma negociação multilateral onde a Europa tem que ser um stakeholder, um protagonista, um actor, não é “o actor” é “um actor”.

Há circunstâncias onde esse protagonismo deve ser central, exemplo, a Geórgia. Provavelmente a única organização internacional que estava em condições de ser o broker dum cessar-fogo era a União Europeia. São todos membros da OSCE – organização de Segurança e cooperação Europeia, mas não viu a OSCE que hoje é presidida pela Finlândia a ter um protagonismo decisivo na negociação de um acordo de paz. Foi a União Europeia que negociou esse cessar-fogo.

Os Estados Unidos não tinham condições, porque os Estados Unidos eram acusados pela Rússia de estarem por detrás da decisão do presidente Saakashvili.

Veja o Líbano. Crise do Líbano, quando foi preciso compor uma forma de interposição para pôr termo ao conflito entre Israel e o Hezholla no Líbano, foram os europeus que foram chamados à primeira linha. Isto não se chama ser o centro das decisões, mas ser um protagonista activo, preparado, responsável, e capaz de avançar sobre o terreno, desenvolvendo as instituições, os mecanismos, as forças necessárias para esse efeito.

Agora, é fraca a posição da Geórgia? Eu vou-lhe confessar uma coisa: imagine que eu esperava que ela ainda fosse mais fraca do que foi. Imagine! Porque a Rússia é uma questão altamente divisiva dos europeus, porque nós não temos uma política em relação à Rússia, porque há alguns factores que condicionam essa política como a dependência energética, levam a que haja reacções demasiado soft de um lado; e também reacções demasiado hard do outro.

Isto é, os países do ex-bloco soviético, ainda têm ali uma série de contas a ajustar com a Rússia, e imputam à Rússia contas da antiga soviética. É muito difícil construir uma posição comum nesta conjuntura.

Dito isto, vou-lhe ser sincero, o mal das declarações públicas é que elas não revelam toda a verdade dos factos. A senhora Merkel pode ter sido muito dura nas declarações públicas, mas olhe que a Alemanha não se distinguiu na dureza da negociação interna europeia, pelo contrário. Pelo contrário. A vida é feita de vícios privados e de públicas virtudes, nós sabemos.

Agora, admito essa regra do jogo, já tenho idade suficiente para saber que não vale a pena lutar contra essa realidade, vocês ainda podem, mas eu é que já não. Agora, o que eu reservo é o direito de não comprar aquilo que me vendem.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- As próximas duas questões são colocadas pelo João Morgado e Irina Martins.
 
João Morgado
- Dr. António Vitorino, vou tocar um tema que ainda foi pouco abordado mas que não me parece menos relevante – a PAC.

Penso que ninguém duvida da utilidade desta política no período que se seguiu à II Guerra Mundial, dada a grande necessidade de produtos alimentares que existia. No entanto, numa altura, em que a União Europeia já é o maior produtor agrícola e o maior exportador mundial de produtos agrícolas, e verificando que esta política consome quase 50% do orçamento comunitário, fundos que poderiam ser direccionados para outras áreas, possivelmente mais úteis, e dado que nos causa problemas nas relações comerciais com países como os Estados Unidos e o Brasil, por exemplo, e tendo em conta, ainda, que a recente crise alimentar já está ser resolvida com uma descida dos preços, novamente.

Gostaria de saber se não considera que é necessária uma urgente reforma desta política?

 
Irina Martins
- Boa tarde a todos. Queria agradecer, desde já, ao Dr. Vitorino por estar aqui presente, e pelo à vontade que tem, não é todos que se sentiram bem numa situação de minoria.

Eu venho fazer uma pergunta acerca de um assunto já antigo de 1997, e outro tema que foi aqui pouco falado que é o ambiente. Em 1997, foi falado pela primeira vez, 166 países acerca do Tratado de Quito, e esses 166 países assinaram o Tratado de Quioto. E os Estados Unidos posteriormente veio a desistir do Tratado de Quioto dizendo que era muito dispendioso para o país, decidindo apostar em outras opções, por tecnologias menos poluentes, e o que é certo é que actualmente, em comparação à União Europeia, quando vamos avaliar os dados de poluição, os Estados Unidos estão a ter muito mais sucesso do que a própria União Europeia que assinou o Tratado.

Eu gostava de saber o que é que se pode fazer a nível de futuro, se calhar para igualarmos os Estados Unidos, porque não quero deixar um país ou um mundo, deixar isto poluído para os meus descendentes. O que é que se pode fazer em relação à União Europeia?

 
Dr.António Vitorino
- Sobre a questão da PAC, eu creio que a subida dos produtos alimentares foi aproveitada por alguns países europeus que pretendem manter o actual modelo da PAC, para desenvolver uma operação de mistificação. Dizendo que eram as reformas da PAC que tinham produzido o resultado da subida dos preços dos produtos alimentares, e que eram certas decisões sobre alocar terrenos para a produção de bio-combustíveis que tinham introduzido esse factor de perturbação dos preços alimentares, quando na realidade a superfície arável europeia destinada a bio-combustíveis é de 2%, 2%.

Claro está, que a história é diferente se olharmos para os Estados Unidos da América. Aí, prevê-se que no final da década a superfície ocupada com bio-combustíveis represente cerca de 34% da superfície arável americana.

Ou seja, 34% podem fazer diferença, 2%, decididamente que não fazem diferença. E portanto, o argumento para a não reforma da PAC é irrelevante neste momento.

A questão que se deve colocar é outra. É que nós estamos confrontados com alterações climáticas que obrigam a uma profunda alteração dos métodos produtivos em geral e das próprias produções agrícolas, que se mostrem mais resistentes a essas alterações climáticas. E que é aí que se deve fazer um investimento.

E, portanto, há futuro para a PAC, há, há futuro para a PAC. Não é esta PAC modorrenta e conservadora, que se limita a ser um sorvedouro de dinheiro para garantir condições de vida aos agricultores. Até porque hoje, apesar de tudo, com a subida de preços dos produtos do mercado mundial, os produtos agrícolas europeus ficam mais próximos do preço do mercado mundial.

Eu acho que o incentivo tem que ser dado a que a reforma da PAC não seja apenas também cortar os tais 50% do orçamento, porque isso é uma guerra perdida, não vale pena ter sobre isso ilusões porque é uma guerra sem trincheiras.

Se eu lhe dizer: “olhe, eu vou-lhe cortar metade da sua mesada”, você olha para mim e diz ”está doido, não é”. É um pouco essa a lógica. 50% para o orçamento da PAC é muito, eu vou cortar o orçamento da PAC. Claro que os beneficiários líquidos do orçamento da PAC intrincheiram-se, resistem, e hão-de oferecer a máxima resistência a essa lógica. Não pode ser essa a lógica, a lógica tem que ser outra, tem que ser; eu vou reorientar a PAC. Parte da reorientação está feita para o desenvolvimento rural e para as medidas agro-ambientais. O que têm que ser é mais eficientes.

E a segunda componente que é a organização de mercados, tem que ser associada à ideia de reinvestir na agricultura para mudar a natureza dos produtos agrícolas, tendo em linha de conta, não apenas as necessidades das populações, mas sobretudo as mudanças climáticas com que estamos todos confrontados.

Portanto, é uma visão mais positiva e menos apenas de redistribuição orçamental, onde há sempre perdedores e ganhadores, e onde se acaba sempre numa luta sem quartel.

Sobre Quioto. Ó minha amiga, eu vou-lhe confessar uma coisa, vai ter que me explicar essa de como é que os Estados Unidos estão a ter mais sucesso do que a União Europeia em matéria de redução das emissões?

Alguns estados americanos, alguns estados americanos têm tido resultados positivos em matéria de redução das emissões do CO2, mas olhe que eu não conheço números que me comprovem essa sua afirmação.

Dos Estados no seu conjunto..

 
Irina Martins
- Peço imensa desculpa, se calhar, formulei mal a questão. Porque a Europa não está a apostar seriamente nas energias renováveis, enquanto os Estados Unidos estão a apostar cada vez mais nas energias renováveis, e estão, ou seja, estão a terminar as energias fósseis, e os Estados Unidos estão a apostar nas energias renováveis. É apenas isso. E os Estados Unidos estão a ter muito sucesso em relação a isso. Enquanto nós continuamos a utilizar as energias poluentes com emissões, etc., etc.
 
Dr.António Vitorino
- Oiça, se quiser os dados que eu há bocadinho lhe dei, se comparar a superfície arável europeia destinada a bio-combustiveis com a superfície arável americana destinada a bio-combustiveis, a sua afirmação é nos Estados Unidos da América 34%, portanto, uma capacidade maior; na União Europeia, 2%. E está a ver a reacção que isso provoca quanto aos efeitos, quando aos produtos alimentares.

Mas o problema da luta contra a poluição não são apenas os bio-combustiveis, são todas as outras energias alternativas, as renováveis, e largamente o plano de investimento nas eólicas e nas hídricas na Europa é muito superior ao plano de investimento nos Estados Unidos da América.

Aliás, o problema dos Estados Unidos é outro, sabe qual é? É que as barragens que têm 50 anos precisam todas de ser renovadas, porque houve uma política de desinvestimento em infra-estruturas nos Estados Unidos da América.

Portanto, eu admitia que me viesse dar outros exemplos, confesso que o exemplo americano não me parece um exemplo muito marcante.

Do ponto de vista europeu. Nós temos algumas opções difíceis a tomar, de facto. Eu acho que é incontornável debater a questão nuclear e o contributo sobre a questão nuclear, porque há muitas mistificações à volta disso.

O grosso da despesa em matéria de consumo de petróleo é para os transportes, na Europa: transportes individuais e transportes colectivos. E tem que haver aqui uma revolução no modelo de transportes europeu. Há já vários projectos de investimento, um dos quais em Portugal, para os carros eléctricos, e sem dúvida que os carros eléctricos serão um elemento importante desse processo. Só que, hoje, o raio de acção das baterias acho que são 120 quilómetros, prevê-se que o upgrade das baterias actuais para os carros eléctricos passe para um raio de acção de 200 quilómetros. O que significa que nós temos que nos consciencializar, se tivermos um carro eléctrico, para ir de Lisboa para o Algarve, por exemplo, temos que mudar de bateria a meio.

Isto é, há certos constrangimentos no nosso modo de vida que nós temos que aceitar para que possamos deixar aos nossos herdeiros, como dizia, um mundo menos poluído.

E esse debate é um debate menos tecnocrático e mais cultural. E esse debate está por fazer na Europa, de facto.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. As próximas duas perguntas, Maria Alice e Luc Mombito.
 
Maria Alice Barbosa
- Boa tarde à mesa e em especial ao convidado, Dr. António Vitorino, a minha questão era a seguinte: tendo em vista que Portugal neste momento, por aquilo que nos vamos apercebendo diariamente, se encontra com uma grave crise ao nível do desemprego, de que forma é que o enquadramento de Portugal na União Europeia poderá contribuir para de certa forma, conseguirmos combater este flagelo?
 
Luc Mombito
- Muito boa tarde a todos. Dr. António Vitorino é um prazer tê-lo aqui connosco.

Só tenho uma questão quanto à realização da Cimeira Europa-África. Foi uma realização de grande importância, especialmente para o africano que de longe, quer em África quer cá, tentam ver como sair dessa crise que há tanto tempo acompanha o continente. Os desafios da globalização são enormes e cada vez mais a China invade, essas pequenas economias ainda deficientes dos países mais pobres, e sabemos o ritmo com que a China entra no mercado africano sem nenhum controle, muitas vezes das autoridades que, digamos, utilizando uma linguagem um bocadinho caricatural, “vendem o país”. O exemplo do meu país de origem, a República Democrática do Congo (…)

(um minuto inaudível)

Luc Mombito: - (...) o português é giro, negócios da China em que se vende um terreno rico em diamante a um preço irrisório em termos macroeconómicos. Quando se realizou a cimeira entre a Europa e a África tive alguma esperança que depois desse encontro viessem acordos, enfim, que a Europa através de Portugal que melhor conhece o continente africano relativamente  à maioria dos países europeus, tive a esperança que Portugal pudesse continuar a ter uma presença cada vez mais, digamos, favorável ao continente africano. E eu queria saber qual é a continuidade, o que é que ficou dessa Cimeira? O que se pode esperar de Portugal como interlocutor nessa ponte que se quer estabelecer, ponte comercial, ajuda humanitária e não só. Qual o papel de Portugal no futuro entre a Europa e a África?

 
Dr.António Vitorino
- Muito obrigado. Eu sobre a questão do desemprego tenho algumas dificuldades em dar-lhe uma resposta porque nós temos uma percepção muitas vezes incorrecta de quais são os níveis de responsabilidade em matéria de políticas de emprego. A questão do emprego é simultaneamente uma questão económica e uma questão social, e o essencial dessa questão joga-se a nível nacional. Isto não significa que não haja um papel para a Europa em matéria de políticas de emprego, mas a ideia de que o emprego vem da Europa é uma ideia errada, errada, e portanto, a primeira coisa que temos que fazer é sublinhar os limites da intervenção da política europeia em matéria de emprego. Obviamente que a diferença é feita pelo facto de, sem criação de riqueza não há criação de emprego, e na medida em que o mercado interno e as políticas europeias incentivam o investimento e criam um ambiente de confiança no investimento e na criação de empresas também estão a contribuir obviamente, ou a não contribuir depende, para a criação de emprego. Mas a questão do emprego é sobretudo uma questão nacional. E essa questão é uma questão hoje muito difícil de gerir por duas razões fundamentais:

1º - Cada crise económica, hoje, quando se reinicia o período de retoma tem sempre um saldo líquido de perda de postos de trabalho. Porquê? Porque os sectores condenados pela globalização desaparecem e a capacidade de reconverter os trabalhadores desses sectores afectados nos novos sectores que são responsáveis pela retoma é uma capacidade ou limitada ou que leva tempo. E, portanto, há sempre aqui uma perda líquida na passagem que leva tempo a reabsorver no mercado de trabalho e que depende muito da idade dos trabalhadores atingidos e das suas qualificações. Por isso, os países nórdicos que sempre fizeram investimentos na qualificação dos trabalhadores puderam mais facilmente fazer a transição de modelo económico com perdas mais reduzidas em matéria de desemprego, e mais facilmente reabsorvidas pelo mercado de trabalho. Os países do sul dos quais Portugal faz parte normalmente têm um backlog de perda de postos de trabalho mais prolongado no tempo mesmo nos períodos de crescimento económico, quanto mais naturalmente nos períodos de crise económica.

Eu não tenho portanto nenhuma resposta tipo varinha mágica, de dizer sim senhora, há uma coisa europeia que pode criar empregos para todos, não é verdade. Agora qualificar as pessoas e prepará-las para mudar de emprego várias vezes ao longo da vida e incentivar a sua mobilidade, isso pode-se.

Última nota sobre o emprego. O excesso de rigidez na regulação do mercado de trabalho é um factor desincentivador da criação de emprego. Ok. Portanto, o debate interessante é saber como é que é possível manter um modelo de coesão social introduzindo factores de flexibilidade no mercado de trabalho, mas isso depois pode gerar a chamada geração dos quinhentos, não é. Geração dos quinhentos euros, que é uma forma de flexibilização do mercado de trabalho de criar emprego precário mas que não dá grandes garantias, não é a questão da precariedade que isso com a precariedade vamos todos ter que saber viver, é não dar sobretudo horizontes posteriores à precariedade. Esse é que é o problema com que estamos confrontados, esse é o grande desafio da política de emprego e esse é um desafio europeu, claro, mas é também um desafio que se joga a nível nacional e das políticas nacionais.

Sobre a questão de África, repare que o melhor desiderato da Cimeira UE-África é ter-se realizado, pode parecer pouco mas é verdade, porque acho que o risco, não era só as dificuldades de haver a Cimeira, era o risco da África ser definitivamente colocada fora do calendário europeu e fora das preocupações europeias e das prioridades europeias.

Segunda vantagem da Cimeira UE-África que eu vejo é ter pela primeira vez dado um palco para a União Africana, eu acredito muito que a União Africana tem um papel a desempenhar no continente africano e a circunstância da União Europeia reconhecer a interlocução à União Africana. E dar à União Africana um road map conjunto para os próximos anos em matéria de relações UE-África, isso parece-me positivo.

Em terceiro lugar há as políticas em concreto, aquelas que foram objecto do acordo da Cimeira UE-África, devo-lhe dizer que o problema dessas conclusões é o problema de que não se fazem omeletas sem ovos e não foram disponibilizadas novas valências financeiras para aplicar esses programas. Os programas são correctos na minha opinião: doença, pobreza, infra-estruturas do desenvolvimento económico, são os três elementos essenciais. Mas, entretanto, o Fundo para a Sida e para a Tuberculose está longe de estar constituído, não por responsabilidade dos europeus, diga-se de passagem. Os Europeus contribuíram com a sua quota-parte, vamos ver que o programa das infra-estruturas está atrasado vários anos, ou seja, a implementação prática das decisões deixa muito a desejar. Qual é o papel de Portugal? Portugal pode aproveitar janelas de oportunidade mas também não se deve pôr em bicos de pés. Isto é, Portugal não tem um peso na União Europeia que lhe permita assumir responsabilidades que estão para além daquilo que é a sua real capacidade de fazer passar os temas africanos no contexto europeu e o alargamento nesse aspecto jogou contra África. Ou seja, os novos países europeus têm na sua esmagadora maioria muito pouca sensibilidade, muito pouca sensibilidade para os problemas africanos e, por isso, a ideia do presidente Sarkozy de que aqueles países que têm mais sensibilidade para uma temática poderem ir mais à frente parece-me ser até uma ideia interessante.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Obrigado. Temos um problema de tempo, temos ainda dez inscritos e temos 9 minutos e, portanto, vamos, infelizmente, ter que passar ao último bloco de questões. Infelizmente não vamos poder continuar a sujeitar o nosso convidado à prova oral e damos nota no fim também, e portanto vou dar a palavra ao Romeu Sequeira e ao Marco Marques para finalizar a sessão.
 
Romeu Sequeira
- Boa tarde, Dr. António Vitorino, mais uma vez quero agradecer aqui a sua presença e também felicitá-lo pela sua brilhante intervenção. O que me trás aqui é o tema da agricultura, muitas vezes referenciado, e lembro-me que há pouco referiu que Portugal por vezes era bastante infeliz a nível de, digamos, novos pactos agrícolas a nível internacional, isto em relação a outras potencias europeias. E, de facto, é verdade, realmente Portugal tem vindo a ser negativamente marginalizado a nível da agricultura e tenho um exemplo que traduz isso mesmo. Um exemplo que me deixa imensamente triste por ser português, que é o facto da União Europeia ter feito uma acordo bilateral com os Estados Unidos a nível de vinhos e bebidas espirituais em que permitiu que as categorias de Vinho do Porto, Tawny, Ruby ou Vintage que é o mais conhecido pudessem ser comercializadas pelos Estados Unidos da América. Ou seja, como é que foi possível isto acontecer quando a região demarcada mais antiga do mundo é a região demarcada do Douro e outras zonas que só por pertencerem a potências que são muito importantes como a França, em que zonas como o Cognac, Armagnac ou Champagne não lhes acontece isso, ou seja, gostaria de saber a opinião do Dr. António Vitorino em relação a isso. Muito obrigado.
 
Marco Marques
- Muito boa tarde a todos, Dr. António Vitorino, Deputado Carlos Coelho, Pedro Rodrigues, permitam-me em primeiro que cumprimente todos os companheiros e agradecer a oportunidade à organização que nos deu desta Universidade de Verão, sem dúvida, um belíssimo exemplo de cidadania e participação dos jovens na política. O assunto que me trás e que me faz desenvolver esta questão é um assunto actual, o ambiente que todos os dias falamos e também já aqui abordado por uma colega, o protocolo de Quioto mas numa outra vertente. O que é certo é que tudo se avizinha que Portugal não consiga cumprir o Protocolo de Quioto, não consiga cumprir as quotas definidas e portanto terá que comprar quotas a países que nos possam vender por forma a cumprirmos o Protocolo de Quioto. Não sabemos se teremos connosco grandes potências como a Alemanha ou a França, mas sem contar com isso acredito que irá acontecer a outros países que Portugal não estará sozinho, na sua opinião Dr. António Vitorino qual deverá ser a posição da União Europeia? Rever as quotas estabelecidas ou persistir com elas e desta forma, entendo eu, prejudicar algumas empresas ou condicionar a continuidade de algumas empresas? Obrigado.
 
Dr.António Vitorino
- Eu sobre a questão dos vinhos confesso que não conheço detalhadamente o problema que me colocou. Acompanhei uma negociação difícil para garantir a propriedade intelectual da marca Porto, mas se bem percebi a sua consideração tem a ver com os vinhos do Douro em geral e não apenas o Vinho do Porto em particular. Não? O seu problema é mesmo com o Porto? O meu é com a cerveja mas, peço desculpa..
 
Romeu Sequeira
- É o seguinte, o Vinho do Porto normalmente é catalogado em várias categorias, Tawny, Ruby e Vintage, existem outras também. Essas são as mais referenciadas no mercado e foi isso que na altura a União Europeia não defendeu porque, de facto, o Vinho do Porto ou Porto Wine como dizem os ingleses não poderia ser utilizado, mas isso vai afectar, digamos, as vendas do nosso produto.
 
Dr.António Vitorino
- Eu partilho a ideia de que a região do Douro vai ter problemas com a comercialização do Vinho do Porto nos próximos anos e até com as condições de produção, exactamente com aquilo que referiu do tipo de aguardente vínica que é adicionado. Não sou um especialista dessa matéria, devo confessar. E, portanto, não me atrevo a responder só por responder e assim dou um álibi para outros silêncios, fico calado. Depois sobre a questão de Quioto, se nós não formos ambiciosos nas metas ficaremos sempre muito mais aquém daquilo em que já mesmo assim sendo ambiciosos ficamos. E, portanto, eu diria que a circunstância de vários países europeus não cumprirem as metas de Quioto até 2012, não deve levar a uma revisão em baixa dos objectivos que foram definidos para o período pós 2012, que são objectivos muito ambiciosos, muito ambiciosos e muito exigentes, e que só serão alcançados se houver um investimento efectivo numa panóplia de novas tecnologias que permitam aplicar aos processos produtivos fórmulas mais amigáveis do ambiente. Se nós baixarmos a fasquia da exigência, relaxamos a pressão sobre a inovação e sobre a introdução dessas novas tecnologias que me parecem incontornáveis. E, portanto, eu diria mesmo parecendo um pouco quixotesco, eu persistiria nos objectivos que foram definidos pela Comissão Europeia para o período pós Quioto mesmo que o resultado até 2012 seja de concluir que a União Europeia ficou aquém dos objectivos para esta primeira fase de aplicação do protocolo de Quioto. É um problema mais cultural do que propriamente de enquadramento técnico ou de pura questão técnica. E como esta é a última resposta, eu queria dizer, queria agradecer a simpatia com que fui recebido, queria dizer que não tenho problemas nenhuns em me sentir em minoria até porque nem imagina quantas vezes eu tenho estado em vários sítios e não lhe vou dizer quais em minoria, (risos) e aí permito-me apenas sugerir-lhes que reflictam sobre isto, a vantagem de ser muito baixo é de que sou um alvo difícil. (risos) Muito obrigado.

(Aplausos)

 
Dep.Carlos Coelho
- O vosso aplauso já exprimiu os agradecimentos ao Dr. António Vitorino não é necessário que eu os reitere. Eu vou com o Pedro Rodrigues acompanhá-lo à saída como é costume peço ao Duarte Marques e aos avaliadores para virem para aqui mas regresso para dois avisos a seguir aos votos.

 

Interveniente: - Eu não sou o Duarte Marques, vamos então fazer a votação, já estão preparados. Ok, então a primeira fila se fazem favor. Podem baixar, a próxima fila, obrigada, a próxima fila, fila seguinte para não me acusarem de repetir palavras, podem baixar, próxima, obrigada podem baixar e a última fila. Obrigada.

 
Paulo Colaço
 - Olá a todos espero que não tenham sido contagiados pela contra informação, que há pouco tivemos aqui um senhor a tentar hipnotizar-vos para vos levar para outro partido, gritem PSD. (PSD, PSD, PSD, PSD, PSD) Pronto não houve crise, ok, superaram, amanhã teremos a grande gala do boneco, a grande gala do boneco. O que é a grande gala? Vocês têm até amanhã, até à hora do jantar para decorar o vosso boneco, dar um nome ao boneco e indicar quem é que vai apresentar o vosso boneco numa sessão com toda a gente aqui presente, não se esqueçam que vocês não podem danificar o boneco. O boneco é a alma que vos representa e portanto danificar o boneco é ser desclassificado. Todas as brincadeiras que fizerem ao boneco têm que poder ser retiradas e ele permanecer intacto. Não se esqueçam de dar o nome ao boneco, indicar quem vai apresentar o boneco e porque é que escolheram a decoração e encontramo-nos aqui depois do jantar.

Exactamente depois do jantar com o Dr. Alexandre Relvas estaremos aqui todos presentes, creio que disse tudo, até já. Ah! Sim exactamente, o JUV continua a fazer entrevistas. Quem ainda não foi entrevistado são muitos, muitos, muitos e que quiserem ser entrevistados obviamente falem comigo e nós falaremos para o device, até já. Muito obrigado até já.

 

 

 

 
10.00 - Avaliação da UNIV 2008
12.00 Sessão de Encerramento da UNIV