ACTAS  
 
9/2/2008
Mar: Um MAR de oportunidades
 
Dep.Carlos Coelho

A Universidade de Verão 2008 está a ser transmitida em directo na Internet , apenas em sinal aberto as sessões de abertura e de encerramento , porque nós queremos que os nossos convidados se sintam à vontade para falar em casa, e portanto para poderem dizer aquilo que acham, para poderem ser sinceros convosco. Nós não estamos a passar em sinal aberto estas sessões, mas abrimos a possibilidade aos antigos alunos das Universidades de Verão 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 de o fazerem. Eles tiveram através do email acesso a um link de Internet e a uma password, que lhes permite estarem a seguir esta emissão.

A aula do Prof. António Borges foi muito escutada, não temos ainda os números de acesso mas temos o débito em termos de bytes que denunciam um elevado número de ligações.

E o nosso departamento de informática informa-me que já há ligações à aula do Dr. Tiago Pitta e Cunha. E, portanto, àqueles que nos estão a ouvir através da Internet, boa tarde, recordam os vossos tempos da Universidade de Verão através da Internet, e temos muito prazer em que à distância se juntem a nós.

Segunda mensagem, para vos prevenir que vai haver uma alteração no programa de quinta-feira. O vosso Jornal, o JUV, dar-vos-á notícia disso, mas ficam desde já a saber que é uma alteração do programa de quinta-feira. E qual é a alteração? Para vocês é muito importante. Há uma inversão da apresentação dos vossos trabalhos de grupo e da visita a Castelo de Vide. O que estava inicialmente previsto é que a visita a Castelo de Vide fosse a primeira coisa e depois a assembleia-geral extraordinária. Vamos inverter, entre outras razões porque será mais simpático visitar Castelo de Vide fora da hora do maior calor. Mas também porque nos pareceu que fazia mais sentido não ter nenhuma descontinuidade entre a aula da manhã, e fazer logo a seguir ao almoço a assembleia para a apresentação dos vossos trabalhos de grupo.

Terceira e última mensagem, recebemos uma elevada quantidade e, portanto, felicito a vossa participação, de perguntas a personalidades. Como houve ontem um problema de net, que já está solucionado, a maior parte de vocês decidiu usar (e bem) os impressos. Acontece que vocês passaram na selecção pela vossa capacidade intelectual mas não exactamente pela vossa caligrafia (Risos), e estamos a ter alguns problemas em passar a limpo aquilo que escreveram. Eu acho que o conteúdo percebe-se, o que pode ser aborrecido é que vocês vejam nas vossas perguntas escritas, coisas que seguramente não escreveram, mas quem passou para o computador achou que era aquilo que tinham escrito. A despeito de vos pedir para, assim que puderem, quem quiser, através dos vossos códigos acederem à vossa parte da intranet e corrigirem as vossas perguntas, elas para já com a versão que nós lhe demos, já seguiram para Bruxelas, quer para o Dr. Durão Barroso, quer para o Prof. João de Deus Pinheiro.

De futuro, aqueles que quiserem ter a certeza de que o seu pensamento não é adulterado por nós, deverão privilegiar a introdução directa das perguntas na intranet em detrimento da utilização dos impressos. Ou então, fazerem uma letra mais cuidada para terem a certeza de que não correm esse risco.

E dito isto, entramos de imediato nas questões, não sei qual é a opinião que cada um de vocês tem do Mar. Uns verão muita água, outros verão o perigo, sobretudo quem já foi ameaçado pela força destruidora das ondas, há quem tenha uma visão mais integrada, veja no mar uma fonte de energia, veja no mar um meio de transporte, uma auto-estrada de comunicação, quem veja no mar um palco privilegiado para a investigação científica, quem veja no mar uma fonte de alimentação. O mar pode ser muita coisa. Quais são os desafios estratégicos que se colocam ao mar?

Para dar resposta a estas questões e para nos dar uma aula sobre “Um Mar de Oportunidades”, fomos buscar um português que se destacou em Portugal, mas que agora se destaca a nível europeu. É o guru destas matérias, no Gabinete do Comissário Borg é o responsável mais importante pela definição de uma estratégia marítima europeu.

É um português que se chama Tiago Pitta e Cunha.

Que tem como hobby viajar, mergulhando. Nos últimos tempos, infelizmente, diz ele, tem-se dedicado mais à jardinagem. Não sabemos exactamente de que tipo, se prefere a aridez do cacto ou a suavidade do amor-perfeito. (Risos)

A comida preferida: é peixe, e todas demais criaturas que se movem no mar. É uma forma delicada de não ter que reconhecer que gosta muito de marisco, para não lhe chamarem betinho.

O animal preferido: é o polvo. Não pelas más mas pelas boas razões, pela sua inteligência, longa memória e graciosidade de movimentos.

O livro que nos sugere: de Pierre Papon é o “Sexto Continente – Geopolítica dos Oceanos”.

O filme que sugere: Tantas, tantos, muitos, “Il “Postino” pela gentileza e nobreza de carácter do personagem principal, pela fotografia e pela poesia.

A principal qualidade que mais aprecia: a gentileza e a nobreza de carácter.

Dr. Tiago Pitta e Cunha, muito obrigado por ter aceite o nosso convite, o palco é seu.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado. Muito obrigado pelo convite que me foi feito, é um prazer enorme vir de Bruxelas até aqui, é uma zona tão bonita de Portugal, claro que é sempre difícil deixar o tempo chuvoso de Bruxelas pelo sol de Portugal.

Eu iria começar desde logo por referir que, vocês receberam, julgo eu, na vossa pasta, o documento da política marítima europeia, e eu não me vou aqui alongar sobre esse documento, não vos dar uma aula sobre a política marítima europeia, que é de facto um documento com enorme importância no quadro das políticas europeias. Que esperamos venha a consolidar-se entre políticas europeias tão importantes como a política do desenvolvimento Regional ou como a política da investigação científica, a política da competitividade, porque é uma política que foi muito feita à medida de um país com a geografia de Portugal.

Mas eu vou mais falar um pouco sobre Portugal e o Mar. Acho que é muito importante porque nós temos uma relação muito especial com o Mar, que está longe de ser uma relação muito sadia e muito inteligente.

Começava por me apresentar, controlando aqui o tempo. Eu sou jurista de formação, fui diplomata vários anos, trabalhei 7 anos em Nova Iorque nas Nações Unidas, fui, enfim, é um pouco difícil também de dizer, fazedor de políticas públicas, policy maker como se costuma dizer. E é neste momento aquilo que faço em Bruxelas na Comissão.

Apesar de eu próprio não ter sido nunca membro de nenhuma juventude partidária, fartei-me de fazer política, aquela política de rua nos tempos conturbados, digamos, do final dos anos 70, princípios dos anos 80, colei muitos cartazes do PPD na altura e ainda me lembro de recolher fundos para a AD naqueles tempos já muito idos, mas efectivamente nunca fiz parte de estruturas partidárias. Mas acho que tenho uma coisa em comum com todos vocês que é, a vontade de mudar. Basicamente o inconformismo de aceitar as coisas como elas são e de pretender melhorá-las. Isso não tem diminuído com a idade, tem aumentado, e principalmente porque tive recentemente um filho e começo a sentir ainda mais, hoje, uma obrigação premente de deixar ao meu filho e de contribuir para a vida do meu filho com um país melhor que aquele em que eu cresci.

Eu nasci num país fechado, nasci num país em ditadura, num país atrasado, cresci no PREC e licenciei-me na Europa, licenciei-me já com Portugal na União Europeia, numa altura, no início dos anos 90, em que havia também nessa altura, verdadeiramente um mar de oportunidades para os licenciados em Portugal.

Eu já não conheci o país do orgulhosamente sós mas, conheci o país das crises políticas, dos governos que sucediam e, basicamente, houve uma coisa que me marcou sempre pela negativa, eu conheci sempre um país pequenino, um país que os nossos decisores políticos eram os primeiros a afirmar ser um país pequenino, um país que não tinha grandes responsabilidades na cena internacional, porque era um país pequeno em todo o lado, éramos pequenos perante todos.

O país mudou muito, trinta anos passados do 25 de Abril, mais de vinte da adesão à União Europeia, o país mudou imenso. Não somos já o país que éramos, o país mudou muito para muito melhor, mas apresenta deficiências estruturais que com certeza outros oradores já aqui se referiram e que são neste momento fonte de enorme preocupação para o que possa ser o nosso modelo de desenvolvimento.

Para mim, uma das coisas que me deixa bastante, preocupado é a questão dos recursos humanos portugueses. Eu vou falar aqui muito do mar hoje, mas mais importante que o mar em Portugal, são as pessoas, são o nosso principal recurso natural, o nosso principal recurso económico e nós não temos ainda, em Portugal, um paradigma político de uma verdadeira inclusividade de todas as pessoas.

E, portanto, não contamos com todos e como não contamos com todos, o país apresenta realmente grandes desequilíbrios no seu desenvolvimento.

Francamente pensar que continuamos a ser um país de emigração e continuamos a enviar emigrantes que não falam a língua dos países onde vão ficar, faz-me pensar um pouco. Pergunto-me às vezes se daqui a trinta anos, a Roménia e a Bulgária vão enviar emigrantes para o Reino Unido para depenar perus nos aviários desse país sem saberem falar inglês. Foi aquilo que nós vimos nas televisões quando houve aquele surto das gripes das aves, e vimos bem as condições terríveis em que os nossos emigrantes, emigrantes recentes, de agora, viviam. Que diz muito, um bocadinho do modelo de desenvolvimento que é capaz de não ter chegado onde nós gostaríamos que chegasse.

Portanto, é importante mudar. É importante que todos nós possamos dar o nosso contributo.

Eu estou a procurar dar um contributo, um contributo humilde. O meu contributo, o contributo que eu posso dar à minha escala. E estou a tentar fazê-lo mostrando um país que os portugueses não conhecem, um país que se chama Portugal, um país que se chama Portugal mas que os portugueses não o conhecem.

O que é que eu quero dizer com isto?

Bom, eu quero dizer que vivemos num país que tem características bastante únicas no continente em que se insere, na Europa, mas essas características que são bastante únicas e que nos poderiam trazer uma singularidade e uma certa diferenciação, não são compreendidas e, portanto, nós passamos um pouco ao lado disso.

É Portugal e o Mar. Desde logo na História, o Mar sustentou Portugal desde 1383, da Revolução de 1383-85 até, diria eu, a 1974, de alguma maneira.

Depois temos, obviamente, um enorme impacto do Mar na nossa cultura. Nós sabemos bem o que é a Literatura, muitas vezes eu até digo que a Literatura tão rica que temos em Portugal, a Poesia, vultos como Fernando Pessoa, Sofia de Mello Breyner que dedicaram tantos poemas ao Mar, levam também depois a que as pessoas entendam o Mar como um elemento de literatura menos do que como a uma actividade económica rentável.

Temos depois a Geografia, e a Geografia depois para mim é o facto mais avassalador. Porque a História está lá, está no passado, é importante porque nós somos aquilo que foram os antes de nós, e vamos continuar a sê-lo no futuro, a História deve-nos dar auto-confiança, deve-nos dar capacidade de realizar. Mas, a Geografia é que é efectivamente importante neste momento.

Portugal encontra-se na periferia do Continente Europeu, mas numa enorme centralidade, estamos na encruzilhada de três continentes, estamos entre a Europa, África e a América. Temos uma zona económica exclusiva, que é o mar sobre o qual temos jurisdição, que é verdadeiramente gigante. Somos um dos dez países do mundo com mais Mar do mundo, pensando que nas Nações Unidas há 190 países, nós somos grandes nisto.

E naquilo que não somos grandes nós devemos aproveitar. Temos um mar que é dezoito vezes o nosso território e, portanto, se nos perspectivarmos em todas as nossas políticas públicas apenas naquilo que diz respeito à terra seremos mais pequenos, mas se nós nas nossas políticas públicas conseguirmos traduzir esse factor Mar, seremos um pouco maiores.

Para vos dar um pouco uma ideia, porque as pessoas mesmo assim pensam: bom, dezoito vezes o território, o que é que isso significa. E se eu vos disser que temos a maior zona económica exclusiva da Europa, da União Europeia, com excepção da Noruega que não é membro da União Europeia, as pessoas devem achar também importante, mas o que é que isso significa?

Para vos dar um bocadinho da ordem de grandeza da nossa cegueira, Portugal tem uma zona económica exclusiva com mais de um milhão e seiscentos mil quilómetros quadrados, a União Indiana, que é um sub-continente, tem uma zona económica exclusiva de 2.2 milhões quilómetros quadrado. Ou seja, não tem sequer o dobro da nossa zona económica exclusiva. Portugal terá dois terços da zona económica exclusiva da União Indiana.

Isto para vos dar um bocadinho a ideia da magnitude do Mar de que estamos a falar.

Agora ele pode ser um obstáculo ou pode ser uma porta de acesso. Ele foi durante muito anos, naquele período que eu vos disse, tão largo, do século XIV até ao Século XX, uma porta de acesso, e tornou-se nos últimos anos, com o novo paradigma político de Portugal, com a Democracia, com a viragem para a Europa, tornou-se, de facto um obstáculo.

O que nós queremos com uma mensagem que trás aos Portugueses a importância deste activo, é conseguir que ele entre novamente no conceito estratégico do país e na consciência colectiva. Ou seja, que haja uma consciência colectiva da importância estratégica do Oceano para Portugal.

Se o fizermos e se o desenvolvermos simultaneamente na Europa, como procuramos fazê-lo, e como o Presidente Barroso tem vindo com grande consistência a construir, nós conseguiremos de alguma forma criar uma nova centralidade política.

Nós vivemos obcecados, não apenas com aquilo que dizem de sermos um país pequeno, mas também por sermos um país periférico, longe de Bruxelas, Bruxelas está sempre longe, nós somos sempre os últimos da linha. Portanto, não procuramos sequer influenciar Bruxelas, nós estamos em Bruxelas mas as nossas empresas não estão em Bruxelas, as nossas associações de cidadãos não estão em Bruxelas, Bruxelas é algo que está completamente inacessível, de um modo geral. E nota-se isso porque vemos até países que aderiram muito mais recentemente, e que têm uma compreensão muito mais rápida da influência que podem ter junto das instituições europeias.

É preciso mudar também esta visão e esta perspectiva. O Mar vem-nos dar uma nova centralidade. Nós se pensarmos no país mais em termos da sua ligação ao Mar, nós vamos ter um país que não está na periferia mas que está no centro, porque somos o primeiro país da Europa no que diz respeito ao Mar, mais projectado no Mar.

Nesse caso, por exemplo, é interessante, eu estava na Comissão Estratégica dos Oceanos, e quando apresentámos o  Relatório centrámos a apresentação de Portugal não no mapa tradicional português, que é o pequeno rectângulo que nós estamos habituados e que eu me lembro das escolas primárias, daquelas mapas verdes envelhecidos das escolas primárias, mas centrámos o centro do que seria Portugal no centro da nossa zona económica exclusiva, e aí, de facto, podíamos ver que uma região dos Açores em vez de ser a periferia de Portugal, era o centro de Portugal.

Portanto, há todo aqui um paradigma que se pode alterar se começarmos a pensar exactamente no nosso enquadramento, na nossa geografia. Difícil vai ser querermos ser bem sucedidos continuando a ignorar este facto. Há razões para o que tem acontecido, e isso é o que torna ainda hoje em dia difícil a que, efectivamente, os decisores tomem portugueses atitudes de incremento da utilização do Mar. Sejam eles decisores políticos, sejam eles decisores económicos, sejam decisores académicos – os decisores de um modo geral.

Desde logo, o Mar foi utilizado pelo Estado Novo, desde logo como um grande desígnio, porque o desígnio político na altura era a continuidade dos territórios ultramarinos e o Mar era o elo de ligação com esses territórios, e por isso Portugal investia num cluster do mar, tinha uma grande frota de marinha mercante, tinha uma construção naval que era a primeira a nível mundial, tinha uma série de universidades de engenharia a trabalhar no know-how marítimo. E, portanto, tínhamos um cluster do Mar, tínhamos umas pescas de longo curso e havia um investimento forte.

De alguma forma também o Mar era utilizado na propaganda do Estado Novo, e nós sabemos como o “orgulhosamente sós” se apoiava no culto da Escola do Infante em Sagres, nos navegadores, nos heróis do passado.

E talvez por isso, quando mudámos de paradigma e quando fizemos a democracia, houvesse um bocadinho aquela tendência para afastar o Mar porque o Mar era o passado, o Mar era um paradigma que se combatia.

Aconteceu o mesmo também na Agricultura. Havia uma ideia de modernidade, desde logo, que os sectores primários fossem os mais reduzidos possíveis, portanto, deixámos de ter qualquer estratégia quer para o Mar quer para a Agricultura. E assim o fizemos até hoje e assim vivemos. Este é o paradigma em que vivemos hoje.

Eu costumo dizer muitas vezes que, uma das coisas que me marcou e que me levou um bocadinho a pegar um pouco nesta bandeira, foi na minha passagem por um mestrado, em Londres, ter entrado numa aula de Direito Internacional do Mar, e o professor quando soube que eu era português disse--me: o senhor não pode sair da minha aula porque eu não consigo ter alunos portugueses e o Mar é altamente estratégico para um país como o vosso, porque vocês têm a maior zona económica exclusiva da Europa. Eu nessa altura tinha 26 anos, já trabalhava em Lisboa, era assistente da Universidade Católica em Direito, e não tinha a mínima percepção do que é que o Mar valia para o país, e entrei naquela aula por curiosidade, mas ninguém me iria obrigar a fazer Direito do Mar porque eu achava que não dava para nada, e portanto, eu nunca iria fazer Direito o Mar, eu queria era ir fazer Direito da Concorrência ou Direito das Sociedades. Não, ele disse-me, o senhor vem para esta aula e no fim quando fizer este curso vai para Portugal e vai fazer uma escola e vai trazer alunos para esta aula, porque os senhores estão completamente alheados do que deve ser o vosso paradigma de desenvolvimento.

E aquilo marcou-me imenso. Marcou-me imenso porque, eu costumo sempre dizer que a partir daí passei achei a achar imperdoável que os adultos do tempo em que eu era criança e cresci e era jovem, que nunca me tivessem dito que eu vinha de um país que não era um país tão pequenino, mas que era um país que tinha a maior zona económica exclusiva da Europa. Talvez eu próprio tivesse crescido com mais auto-confiança se soubesse de que país é que eu vinha.

E por isso é que vos digo que falo de um país que nós não conhecemos. Que é este País, que é Portugal.

Foi errado esta mudança de agulha completa, de deixarmos de facto o Mar absolutamente para trás, o Mar ligado à Lisnave que se desmembrava na altura, que era a construção naval portuguesa que ruiu na instabilidade política e económica que sucedeu à Revolução do 25 de Abril? Será que o Mar deve ficar para sempre nos barcos envelhecidos da nossa Companhia Nacional de Navegação, que enferrujaram todos no Mar da Palha em Lisboa? Será que devem ser essas as ideias que temos do Mar?

São estas as ideias que os nossos decisores económicos, os nossos decisores políticos de um modo geral têm hoje do mar, de algo que aconteceu no passado mas que não dá no presente. Foi profundamente errado termos feito essa opção. Termos absolutamente deixado de tirar partido do nosso valor natural mais abundante e que podia ser o nosso maior activo.

Não sei se vocês se lembram, ou se sabem ou se ouviram falar, mas em 1993 houve um senhor, um grande economista americano, o Senhor Porter que inventou a teoria dos Clusters, que veio a convite do governo a Portugal para nos ajudar a encontrar um bocadinho o nosso rumo económico. E ele veio fazer os clusters portugueses. Ele fez um trabalho muito extenso e apresentou os resultados, mas basicamente, em 1993, o Senhor Porter disse-nos para investirmos mais no mesmo, ou seja, naquilo que já fazíamos, para investirmos nas cerâmicas, nos moldes, no calçado, no vinho. Profundamente errado. Perdermos uma oportunidade enorme nessa altura.

Acho interessantíssimo que o Senhor Porter não tenha referido o Mar na altura. O Senhor Porter se calhar, sendo um grande economista podia não ter uma grande cultura geral e não compreender muito bem a geografia e o passado português no Mar. Mas o que me arrepia é pensar, os conselheiros portugueses que o Senhor Porter com certeza teve para fazer o seu trabalho, e que não conseguiram nenhum deles, lhe indicar também, esta área das indústrias marítimas, que é uma área que na Europa Setentrional, ou seja, na Europa do Norte tem uma enorme potencialidade e actualidade.

Basta pensar por exemplo que a economia da Dinamarca é em 50% uma economia marítima. E quando pensamos na Dinamarca não estamos a pensar num país obsoleto do passado, sabemos que é um país muito progressista e muito avançado.

Mas se nós pensarmos em todos os países do Norte da Europa – e depois também poderei falar nalguns do sul -, nós encontramos que as grandes cidades alemãs do Báltico, talvez Hamburgo, a cidade mais rica da Alemanha, é uma cidade completamente baseada na economia marítima.

A Holanda é um país completamente baseado na economia marítima, o Porto de Roterdão significa 20% do PIB holandês sozinho.

A Bélgica tem um Porto, o Porto de Antuérpia que representa uma enorme percentagem também da economia belga.

Se formos para o sul, a Grécia é um verdadeiro gigante da economia marítima. A Grécia tem a maior frota mercante do mundo, e a Europa que é a super-potência marítima do mundo, a Europa tem 40% da frota mercante mundial. É importantíssimo. Porque na globalização, e globalização significa comércio internacional, e comércio internacional em 90% é transportado pelos transportes marítimos, pela logística, pelos portos. A Europa tem 40% do transporte marítimo, a Grécia sozinha tem 22% do transporte marítimo mundial. A Grécia é um gigante na aquacultura, por exemplo, e por isso é normal que o preço do robalo ou da dourada num restaurante em Bruxelas dependa dos preços dos fabricantes gregos na Grécia.

Isto para vos dar um bocadinho a ideia.

Nós fizemos agora na Comissão Europeia um estudo do trabalho no Mar, e Portugal era dos países costeiros, (foi há dois anos, ainda não tinha aderido a Roménia e a Bulgária), mas dos 20 países na altura costeiros, Portugal era o país com menos emprego no mar, de todos os 20 costeiros.

Portanto, sendo o país da vocação oceânica do passado, somos hoje o país que tem as costas mais largas para o Mar, vivemos absolutamente virados de costas, sobre todos os critérios possíveis, com excepção talvez daquele muito interessante, mas talvez menos interessante do ponto de vista económico, que é a Literatura, àquilo a que associamos o Mar.

O Turismo também é uma excepção nessa área. O Turismo costeiro, como sabem, o Sol e Praia é muito isso.

Mas o que acontece é que o nosso panorama actual, é um panorama de portos que não crescem o que não crescem os portos da Europa; portos que nunca foram entendidos, pelos nossos governos e pelos nossos decisores económicos, como peças absolutamente estratégicas duma economia.

Vejamos uma economia como a alemã que vive da exportação. A Alemanha é o maior país exportador do mundo. Para a Alemanha, era absolutamente indispensável que os portos não fossem a jóia da coroa daquele país e daquela máquina económica, porque sem eles não poderiam exportar a sua economia, e não poderiam ter o papel que têm no mundo económico.

Em Portugal nós não temos tido essa visão e os nossos portos que deveriam ser, se calhar, considerados uma peça estratégica, geridos pelos melhores, não tivemos nunca no passado essa percepção. Até o Porto era visto como algo de obsoleto, relativamente, se calhar, ao transporte rodoviário e tudo isso.

Os transportes marítimos portugueses são inexistentes, a construção naval reduziu-se a uma expressão mínima, não entrámos ainda nas novas áreas das biotecnologias, das energias renováveis, a nossa pesca decaiu como decaiu toda a pesca da Europa em função também da redução dos recursos, somos completamente incipientes na aquacultura não obstante sermos o país da Europa que consome mais peixe per capita por ano.

Para vos dar um pouco uma ideia: Portugal consome 60 kilos de peixe por pessoa por ano. A média europeia são 24 kilos, e Espanha que é o país que vem a seguir a nós, consome cerca de 39.

Ao mesmo tempo temos uma balança de pagamentos altamente deficitária e desequilibrada nas questões das pescas, porque grande parte do peixe que comemos é importado, para não falar obviamente do bacalhau que para nós não é bem peixe.

Pior ainda, do que deixarmos de utilizar o Mar do ponto de vista económico, é que abdicámos duma ideia que devia ser uma ideia central para o país. Nós abdicámos duma ideia que seria uma ideia que permitiria ao país ter uma estratégia de longo prazo, uma ideia de concertação, uma ideia de entendimento daquilo que nós somos.

O que é que nos distingue dos outros, o que é que pensam os portugueses quando saem da escola secundária? Teremos alguma ideia? Não, nós não temos. Temos um completo vazio de concertação estratégica. Não temos uma ideia do que é o País, do que é que nós somos, em que é que podemos ser diferentes, em que é que nos podemos destacar.

Esse vazio obviamente que tem consequências negativas para o país. O vazio de concertação estratégica cria interesses de grupo, na ausência de grandes estratégias nacionais, há mais espaço para haver estratégias laterais, estratégias para os lados, estratégias de corporações, estratégias de grupos.

Há uma conflitualidade em Portugal que não é minimamente proporcional aos problemas existem em Portugal de alguma maneira também, porque não há de facto esses entendimentos. As pessoas quando trabalham gostam de saber porque é que estão a trabalhar. Todos temos que saber.

E eu acho que em Portugal há uma enorme incapacidade de trazer ideias, trazer pensamento de desígnios políticos para o país.

Por outro lado, esta ideia central para o país que é o Mar, teria uma enorme importância na imagem na comunicação do país, que hoje é desaproveitada. Portugal tem um sério problema de imagem lá fora. Principalmente na Europa.

Vocês sabem que muitas vezes, vocês sabem que os empresários portugueses quando se querem exportar, têm que passar a adoptar nas marcas, por exemplo, nos têxteis, nomes estrangeiros, porque é a única forma de não pagar aquele imposto de 25% que assenta sobre um produto made in Portugal. Porque eu produzo uns sapatos em Itália eu tenho um prémio de 25% porque os meus sapatos são made in Italy. Mas se eu produzo uns sapatos em Portugal, ainda hoje, nós vamos ter um problema de 25% a menos no valor dos sapatos, mesmo que eles sejam melhores do que os sapatos italianos.

Ou seja, nós temos problema de imagem e isso não é contestável. Temos um problema de imagem porque também temos uma má comunicação. O país nunca percebeu bem o valor e o activo que é o marketing estrutural de um país. E nós vivemos em campanhas de marketing conjuntural, e portanto, não temos bem uma ideia, e como não temos uma ideia, nós vivemos a vender: um dia vendemos o Algarve, noutro vendemos a segurança, depois noutro ano vendemos os campos de golfe , vendemos as praias no metropolitano de Berlim. Não é por aí, isso não é vender um país, nós estamos a vender produtos. Mas se os produtos se inserirem num país cuja percepção no exterior é dum país de desconto, nós vamos sempre vender com esse imposto.

Temos é de ter uma imagem para o país que o potencie. O Mar teria sido e é, e vai ser, porque esta ideia é uma ideia que vai ser inexorável, o Mar pode dar a Portugal essa distinção e essa diferenciação. Na verdade é a melhor marca.

O que é que é uma marca, na verdade? Uma marca significa diferenciação, significa autenticidade e significa qualidade. Diferenciação: está clara a nossa marca, nenhum país da Europa tem tanto Mar como nós temos, e portanto, aqui temos uma diferenciação, nós somos uma plataforma projectada no Oceano Atlântico. Nós não temos interior, quer dizer, a nossa costa, como somos uma estreita faixa costeira da Península Ibérica. Portanto, temos aqui uma imagem de marca. Somos um país, como eu costumo dizer, quase arquipelágico, com os arquipélagos que temos dos Açores e da Madeira. Nós não exploramos muito isso, é interessante que a nossa ausência de paradigma do Mar vai a tal ponto, que os continentais tendem a esquecer muitas vezes que os Açores e a Madeira fazem parte da nossa realidade nacional, e chegam à Madeira e dizem: Bem, lá em Portugal, e tal.

Isso mostra bem um bocadinho como vivemos ausentes desta percepção.

Mas, dizia eu, a diferenciação está clara. A diferenciação é fundamental, eu gosto sempre de dar um exemplo: as empresas, e o marketing hoje passa muito por isso, as empresas que não se distinguem morrem, há um livro muito importante do Marketeer chamado “Differentiate or die”, e gostamos muito de dar o exemplo, que nós com os Marketeers e com os Sociólogos que tivemos na Comissão Estratégica dos Oceanos, e quando procurávamos estudar esta relação complexada que Portugal tem com o Mar, mas porquê esta relutância, esta incompreensão de compreender este activo, e também se falava muito, e houve lá uma pessoa com muita piada que disse: bom, pensemos em Vila Franca de Xira – isto é uma coisa que para vocês é completamente anacrónica, mas que para mim ainda me lembro, porque eu sou do tempo ainda de um canal na televisão a preto e branco que passava touradas todos os Domingos à tarde -, e a pessoa pensa um bocadinho na altura a Tauromaquia em Portugal era verdadeiramente importante, e Vila Franca de Xira era a capital da Tourada, era a Primeira Corrida, era a zona dos campinos. Então se nos anos 60 e 70 alguém falasse em Vila Franca de Xira em Trás-os-Montes , não haveria um transmontano com certeza que não soubesse onde era Vila Franca de Xira porque assistia às touradas. A tauromaquia deixou de ter o peso no País que tinha, Vila Franca de Xira deixou de ser o local das touradas passou a ser um dormitório de Lisboa, e deixou de ter diferenciação. E quem é que hoje em dia, em Trás-os-Montes , sabe o que é Vila Franca de Xira? Ninguém. Vila Franca de Xira tornou-se absolutamente irrelevante.

O problema de Portugal é um pouco este. Se não conseguirmos arranjar um conteúdo para a nossa participação no projecto europeu, se não conseguirmos ter uma imagem de marca que nos diferencie, nós vamos ser a Vila Franca de Xira da Europa, ou desde logo de Madrid, pode ser esta a nossa perspectiva.

Mas diferenciação não é tudo. Autenticidade é importante, não podemos ter uma marca que é absolutamente falsa. Uma pessoa não pode dizer, eu tenho aqui estes chocolates que são os melhores do mundo, se eles efectivamente forem os piores, porque as pessoas provam e a marca cai por terra.

Mas a autenticidade da marca portuguesa é-nos dada também, desde logo, pela Geografia e pela História, e é aqui que a História é um activo, mas pela percepção externa que as pessoas têm lá fora da ligação de Portugal ao Mar. Muito mais do que os portugueses cá dentro, que têm a tal relação complexada com o Mar, lá fora as pessoas não têm dúvidas nenhuma que Portugal é um país com massa crítica na área do Mar, ímpar. É um país ligado ao Mar ancestralmente e com grande capacidade.

Eu senti isso nas Nações Unidas onde trabalhei muito tempo e onde procurei desenvolver a Agenda do Mar. E nas Nações Unidas, as pessoas de um modo geral, as delegações e os diplomatas, aceitavam imediatamente para Portugal um protagonismo, uma proeminência, uma liderança na área do Mar por causa dessa percepção externa. Tenho a certeza que nós não teríamos este protagonismo se estivéssemos a falar de desarmamento ou se estivéssemos a falar de outras agendas económicas, porque o nosso músculo militar, económico, não é conducente com essa liderança, mas no Mar temos isso. E não explorá-la é deixar que essa percepção se desvaneça, obviamente essa percepção não pode ser mantida ad eternum, portanto, temos que aproveitar enquanto ela existe.

Finalmente a qualidade. O Mar é desenvolvimento sustentável; é ciência; é novas tecnologias hoje mais do que nunca, nas energia renováveis, nos parques eólicos offshore, nas energias das ondas que estão a começar, em todos os programas da Comissão Europeia e da União em geral para a energia, no desenvolvimento, como sabem, do petróleo e do gás a altíssima profundidade, como se pode constatar pelos poços de grande profundidade descobertos no Brasil; o mar é energia, o mar é a biotecnologia, faz uma parte desta revolução, 80% da biodiversidade que é o recurso natural utilizado na biotecnologia, encontra-se no mar, 80% da vida na terra está no Mar.

E, portanto, eu costumo muito dizer que, se Portugal perdeu a Revolução Industrial porque não tinha nenhuma matéria-prima, porque não tínhamos carvão; e perdemos a Revolução Informática talvez porque também não tínhamos uma outra matéria-prima, que era um enorme número de recursos humanos com conhecimento informáticos e a falar inglês, nós, neste momento para a Revolução Biotecnológica que está em curso, e que já é hoje em dia a causa do maior número de Start-ups na Europa, Portugal tem efectivamente um enorme recurso natural que é toda a vida marítima, toda a biodiversidade marítima que encontramos. Que encontramos quer nas fontes hidrotermais de grande profundidade nos Açores, quer nos estuários dos rios.

Há uma coisa que é interessante para se perceber também a Geografia de Portugal. Praticamente todos os rios Atlânticos da Península Ibérica desaguam em Portugal, isto é uma vantagem geo-estratégica interessantíssima que nós também ignoramos hoje em dia.

Os estuários dos rios que desaguam em Portugal são riquíssimos em biodiversidade, são completamente inexplorados, não têm qualquer valor económico para o país, de um modo geral.

Ora bem, o que é o futuro, no fundo? O que é que pode ser o futuro para esta agenda? Desde logo, como eu vos dizia, é fundamental conseguir trazer à consciência colectiva dos portugueses a importância do Mar, isso não se vai fazer de um dia para o outro, e não se vai fazer sem políticas públicas, fortes, consistentes e integradas. Ou seja, não interessa no Mar investir apenas numa área do Mar, o mar está todo ligado e é preciso investir numa série de componentes diferentes para ele revelar o seu valor.

O Mar não pode ser a Taça América, e concorrermos à Taça América, ganharmos a Taça América, que infelizmente não conseguimos mas que era em si como um evento, um evento que seria muito positivo.

Não. O Mar tem que ser tudo. Nós temos que pensar no Mar em termos económicos, em termos educacionais, em termos desportivos, em termos culturais, não é possível que as pessoas continuem a sair da escola sem saber que Portugal tem a maior zona económica exclusiva da Europa. Não podemos deixar de ensinar isso às pessoas, para elas poderem potenciar, localizar, escolher as suas profissões, tomar as suas opções de futuro.

Por isso é muito importante que Portugal consiga ter esse encontro. O que é que se está a passar neste momento que impede isso?

Neste momento há um impasse, eu acho, entre os decisores políticos e os decisores económicos. Os decisores políticos pela relação complexada que o país tem com Mar e com tudo, não estão muito, muito abertos a investir demais nesta matéria, - atenção, é uma matéria também que não dá votos ao fim de 4 anos, isto é um desígnio para uma geração, não é um desígnio para uma legislatura, mas de legislatura em legislatura vamos até ao empobrecimento final, e portanto é preciso inverter um bocadinho também esse paradigma de curto prazo.

Os decisores políticos dizem: bom, mas para que é que nós vamos investir nas políticas públicas necessárias para o fomento do mar, se os decisores económicos não investem no mar? Há algum grupo económico português grande, que invista no Mar? Não há, de todo. Há alguma sofisticação na economia do mar em Portugal? Não há. Há grupos marítimos que estejam cruzados com seguradores e com bancos, e que estejam cotados na bolsa? Não há.

E, portanto, eles dizem: bom, mas se não há interesse económico, porque é que nós, Governo, vamos de uma forma um bocadinho dirigista avançar?

Para vos dar um bocadinho a ideia do que é a ausência de políticas públicas para o mar, basta dizer que na área dos transportes marítimos, Portugal tem o regime fiscal mais gravoso de todos os Estados costeiros da Europa, e que por isso, não é de admirar que não tenhamos uma frota de marinha mercante.

A Bélgica que tinha um sistema mais gravoso há dez anos, resolveu aderir ao sistema de todos os outros países costeiros: da Alemanha, da Holanda, do Reino Unidos, da França. E a Bélgica conseguiu trazer 80% dos navios belgas que estavam com bandeiras estrangeiras, conseguiu-as trazer para o registo belga em 10 anos. Uma coisa absolutamente incrível. Nos últimos anos os estudantes na Bélgica, das academias navais aumentarem qualquer coisa como 500%, e a Bélgica conseguiu através de algumas políticas públicas recuperar um bocadinho a sua indústria naval, de um modo geral.

Nós não temos esse regime especial para os transportes marítimos. Porquê? Porque em Portugal nós não vemos os transportes marítimos como algo estratégico. Para nós não é estratégico, de alguma maneira a nossa economia de gama que exportamos, é exportada através dos camiões para a Europa e através das auto-estradas que construímos.

Isso será aconselhável? Será que não deveríamos ter transportes marítimos? Bom, se pensarmos que neste momento dependemos em exclusivo de dois países: da Espanha e da França, para exportar a nossa economia, qualquer pensamento geopolítico e geoestratégico da soberania do país para o futuro, aconselharia a não meter todos os ovos no mesmo cesto. E pensaria, bom, não podemos ficar dependentes de uma greve dos camionistas em França, duma instabilidade política no futuro em Espanha, e portanto, devemos ter acesso aos mercados que consomem os nossos produtos através de outras vias de transportes, que não apenas a rodovia. Mas não é isso que fazemos.

Mas mais. A rodovia tem, hoje em dia, um peso tão avassalador em Portugal, como nós vimos aliás há uns dias, com o bloqueio do país em dois dias, e é um lobby tão forte que também obviamente cria resistências dos decisores políticos a alterar esse poder estabelecido. Hoje em dia é diferente.

Eu diria, se calhar, que, também não conhecem, antes do 25 de Abril havia um Senhor com muito poder no Mar, que era o Almirante Tenreiro, que era o homem que era o Ministro do Mar, eu diria que o Almirante Tenreiro tinha tanto poder antes do 25 de Abril como hoje em dia têm os patrões dos transitários rodoviários nacionais.

Portanto, passámos de um extremo para outro extremo sem diversificar.

França e a Espanha, mas a França principalmente e os países de trânsito na Europa, não vão querer continuar a pagar os custos externos da exportação da nossa economia, através da poluição e da utilização das infra-estruturas deles através dos camiões portugueses. E por isso na Europa estão a ser aprovados grandes pacotes chamados “greening Transport”, são pacotes que querem interiorizar para as empresas que fazem os transportes, os custos externos dos transportes. Porque, os custos dos transportes é: os polícias que fiscalizam as estradas, o desgaste do asfalto das estradas, o CO2 que emitem, a poluição que causam. Tudo isso vai passar a ser contabilizado nessas firmas. E portanto, a tendência é para o transporte rodoviário ser mais limitado.

Também por essa razão, nós precisamos da políticas públicas que fomentem uma vez por todas, aquilo que nós ouvimos, hoje em dia falar muito que é as auto-estradas do mar, as auto-estradas da Europa. É um bocadinho através deste tipo de políticas.

E então dizem-nos os políticos: Ah, mas os decisores económicos não investem. E os decisores económicos, dizem: Ah, mas nós não investimos porque os políticos não criam as políticas públicas.

Eu diria, obviamente, que a culpa está mais na área dos decisores políticos. Mas os decisores económicos portugueses também deveriam compreender que (...)

(Um minuto inaudível)

(...) é passadista do antes do 25 de Abril, mas o Mar hoje é uma fonte de fomento e riqueza enorme em países que são modernos e desenvolvidos, como os países do Norte da Europa.

O que eu acho que é positivo, é que se hoje em dia estamos neste impasse, este impasse de alguma maneira para mim já é positivo porque há cinco, seis anos, há cinco, seis anos, e com isto vou acabar, nós não estávamos sequer   num impasse. Há cinco, seis anos o Mar não era um dado da equação.

Há cinco, seis anos o Mar não existia, tão grande que ele é, nós olhávamos e não o víamos. E neste momento começamos a vê-lo.

Portanto, digamos que demos um passo. Não demos o passo decisivo, enfim, penso que com esta política marítima pode contribuir para darmos esse passo, há outros países que vão dá-lo e eu espero que Portugal não fique atrás nisso.

Uma coisa é absolutamente certa, a geografia é um facto indesmentível. E como a geografia é um facto indesmentível, esta ideia, como eu disse de início, é uma ideia inelutável, ela pode levar mais tempo, mais anos, mas mais tarde ou mais cedo nós vamos reconhecer este hiato, que se calhar teve explicações sociológicas, políticas que são compreensíveis num país que mudou dum paradigma político para outro, dum regime para outro, mas nós vamos voltar a perceber que o país não pode crescer se não tiver mar e também se não tiver agricultura, digo sempre, que é o mesmo exemplo. Se não tiver mar e se não tiver agricultura.

Uma coisa é certa, estamos cada vez mais, por causa das novas tecnologias, por causa dos novos paradigmas da globalização e do transporte marítimo, das alterações climáticas em que o mar tem um papel fundamental, das erosões das orlas costeiras, do problema do ambiente e da deterioração dos recursos da biodiversidade, há neste momento cada vez mais uma corrida aos oceanos.

E no século XXI vai ganhar esta corrida quem começar primeiro. Portugal não pode perder tempo e tem que começar esta corrida.

Muito obrigado.

(APLAUSOS)

 
Duarte Marques
- Muito obrigado Dr. Tiago Pitta e Cunha.

Vamos agora dar início ao período de perguntas e respostas, eu pedia-lhes que não tentassem pôr três perguntas na mesma, que fizessem só a vossa pergunta e que fossem breves o quanto possível, para podermos depois das 10h ainda ter tempo para pôr mais questões, neste caso livres.

O primeiro grupo a colocar a questão é o Grupo Azul, pela Alexandra Gomes.

 
- A todos os presentes os meus cumprimentos em nome do Grupo Azul. Ao dr. Tiago Cunha um obrigado pela sua excelente exposição.

A localização geoestratégica, aliada a uma extensa costa marítima, conferem a Portugal uma mais valia enquanto porta de entrada para a Europa de mercadorias oriundas de vários pontos do mundo. Apesar destas condições, temos como maior porto da Europa o de Roterdão, e como o maior porto da Península Ibérica, o de Valência, no Mediterrâneo.

No seu entender qual a medida adequada para rentabilizar os portos que já possuímos? Ou ao invés, será uma boa opção a construção de um novo porto sito na Figueira da Foz, ligado a Madrid por uma nova estrada, como se tem vindo a discutir? Muito obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado pela sua pergunta. E desde logo fico muito contente que o primeiro grupo a fazer uma pergunta, seja o grupo azul, que é o grupo que tem mais a ver com o mar, com certeza pela cor.

Sobre os portos portugueses, eu diria um pouco o seguinte: as portas de entrada na Europa têm sido sempre pelo Norte da Europa, basicamente Roterdão, Antuérpia, Hamburgo, Bremen. Nos últimos 15 anos, 20 anos começou-se a diversificar um pouco essa entrada e a Espanha apostou forte em criar portos que fossem também portos de entrada na Europa, e neste momento a Espanha tem, pelo menos um, se não dois, dentro dos grandes portos europeus, que é o Porto de Algeciras. Valência e Tagarrona estão-se a desenvolver muito também nesta fase agora.

Quando se diz às vezes que Portugal podia ser uma porta de entrada na Europa, enfim, é uma declaração um pouco complicada, porque de alguma forma estamos bastante longe também, em termos de distância geográfica.

É certo que Madrid, que tem o maior porto seco da Europa, (Madrid tem um porto chamado Porto Seco, porque obviamente não tem mar), mas é o maior porto da Europa em termos de volume de mercadorias , e Portugal tinha todo o interesse em conseguir chegar a esse porto e em participar desse mercado.

Sines, é neste momento o porto mais próximo de Madrid do que qualquer outro porto espanhol, e portanto, fazia todo o sentido.

Se me perguntar o que é que era necessário, obviamente que são necessárias duas coisas absolutamente essenciais. Uma, é necessário investimento em infra-estruturas e compreensão de que os portos têm que estar ligados à interland, sob pena de não existirem. Sines teve esse problema, Sines foi construído e foi deixado isolado como uma ilha e, portanto, Sines nunca conseguiu desenvolver-se até hoje.

Houve imensos pretendentes a Sines, costuma-se dizer que Sines era sempre a noiva mais abandonada do altar. Havia um independente americano sempre candidato às eleições desse país, o Ross Perot que era dono de muitos portos nos Estados Unidos e que chegou a namorar Sines, mas depois quando compreendeu que ele não podia escoar as mercadorias, rapidamente se desinteressou.

E, portanto, dum lado há de facto um investimento em infra-estruturas. Tem de haver ligação ferroviária. Sem ligação ferroviária um porto não é viável hoje em dia.

Depois, obviamente, é a questão da aposta num modelo de gestão dos portos que seja eficaz, eficiente e que seja gerido pelas pessoas com mais qualificações. O que acontece nos portos portugueses até hoje, é que os modelos de gestão são altamente ultrapassados em termos de gestão, com grandes conselhos de administração, altamente dependentes da tutela, e muitas vezes não participados pelos melhores. Não houve até hoje em Portugal, nunca, a percepção que nos portos devia estar quem soubesse de portos e de comércio internacional. Nos portos em Portugal pode estar facilmente o senhor que fez o cargo da Carris no mandato anterior ou da CP, e isso acontecia também, como sabem na TAP, e aconteceu em muitas empresas portuguesas, públicas. Os portos para todos os efeitos são empresas públicas e, portanto, padecem de alguma forma de excelência de gestão.

Portanto, se nós compreendermos a importância estratégica deles, seguramente que vamos tomar outras medidas.

Muitas vezes as pessoas dizem: mas porque é que os portos portugueses não crescem e os portos espanhóis crescem? Eu explico-vos: é como a selecção nacional portuguesa se fosse feita por amadores que durante o dia fossem médicos, carpinteiros, advogados, quando chegassem à noite e fossem dar pontapés na bola, se calhar não conseguiam meter nenhum golo na baliza. De alguma forma é um bocado esta problemática que se cria.

Eu não ia fazer mais portos em Portugal neste momento, porque os portos que temos não estão a ser utilizados em todas as suas capacidades. Portugal tem portos demais neste momento, até grandes portos comerciais. Há uns que não têm grande acesso – o porto da Figueira da Foz tem enormes problemas de acesso, em termos de configuração do Estuário, é um porto importante e tem de escoar porque tem uma indústria importante, como é a indústria da celulose e que tem que ser uma indústria que é uma indústria não de gama, não é uma economia de pequena gama que é exportada muito através da camioneta, mas que é uma indústria que deve ser exportada em grandes quantidades através de contentores marítimos.

Agora, cem por cento, tirar mais partido e rentabilizar os portos que temos.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Grupo Laranja, Leandro Esteves.
 
Leandro Esteves
- Muito boa tarde, Dr. Tiago Pitta e Cunha. Em nome do grupo laranja vou fazer uma pergunta relativamente à própria envolvência política e às políticas que a União Europeia tem tomado em relação ao Mar.

O Dr. Tiago tinha dito que de 1383 a 1974, tínhamos tido uma grande importância e uma predominância do mar, em que estávamos voltados de frente para o Mar, tínhamos outra vocação e outra tentativa de mobilidade, que se calhar não tínhamos por terra.

A partir dessa altura, também por uma questão de resolução de problemas internos e depois com a entrada na União Europeia, passamos a esquecer o mar e estar de costas voltadas para o Mar. E perdemos a predominância do mar quando foi criada a Convenção de Montego Bay, que defendia o limite dos direitos do mar, e que estabeleceu a partir daí a predominância que veio depois a ter os mares…

A questão é esta, como é que e um país que está a resolver um problema interno na altura da revolução, existe uma convenção, a Convenção de Montego Bay que acaba em 82 e que dá a predominância ao mar, e ao mesmo tempo, depois em 85 entramos para a União Europeia, e porque é que não soubemos aproveitar esses factores de localização e centralização estratégica.

Só mais uma questão, relativamente à zona económica exclusiva, mesmo que ela fosse alargada, discute-se agora a questão do Árctico para o alargamento das 300 milhas náuticas para a exploração do Árctico e dos fundos marinhos, a própria questão do petróleo a exploração do gás e também a investigação tecnológica em termos medicinais das algas que existem no fundo do Mar, como é que nós conseguimos preservar e fazer ao mesmo tempo uma investigação tecnológica, quando há altos índices de poluição do transporte marítimo que é feito por essas zonas. Eu lembro-me dum caso que aconteceu quando foi o acidente nos Galapagos, que morreram espécies raras que havia. Como é que nós, limitamos o tráfego marítimo nessas zonas ou estabelecemos outra rotas para melhor diferenciar o tráfego marítimo europeu.

Muito obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado. A sua pergunta é muito interessante, principalmente a primeira parte. No fundo tem duas perguntas aí, uma primeira parte que tem a ver com a Convenção do Direito do Mar e o que mudou no mundo através dos direitos que essa convenção veio a atribuir aos Estados costeiros, e eu queria comentar isso.

E depois tem uma mais a ver como é que preservamos a biodiversidade em função do desenvolvimento económico crescente e do transporte marítimo em concreto.

Na primeira pergunta, a sua pergunta é muito, muito interessante pelo seguinte: houve uma coincidência temporal que está um pouco na génese também exactamente deste nosso abandono do Mar. A Convenção do Direito do Mar foi negociada durante 10 anos, de 72 a 82, numa altura muito conturbada para Portugal e em que nós não estávamos muito preocupados obviamente com este tipo de problemas.

E por isso é curioso que coincide com a alteração territorial portuguesa e com a independência dos territórios ultramarinos, a aquisição da zona Económica Exclusiva que nós adquirimos através da Convenção do Direito do Mar, porque até à Convenção do Direito do Mar não havia ZEE.

E, portanto, é engraçado, nós, digamos, por um lado adquirimos esta jurisdição marítima, e como foi relativamente há pouco tempo, a Convenção do Direito do Mar foi adoptada em 82 mas só entrou em vigor em 1994, e 1994 foi ontem, no fundo, em termos temporais é muito curto. E, portanto, talvez não tenha havido também tempo em Portugal ainda para as pessoas terem assimilado a importância desta nova designação geográfica sobre a qual temos a jurisdição que é a zona económica exclusiva.

E, de facto, há um bocadinho esse problema.

Até diria que, durante bastantes anos, não foi só em Portugal, mesmo na comunidade internacional, nas Nações Unidas em concreto havia uma chamada “fadiga do Mar”.

Porque hoje em dia seria impensável estar 10 anos a discutir um instrumento de direito internacional. Não é possível. Hoje em dia discute-se dois, três anos e, ou se chega a acordos, ou ele vai para a gaveta.

E por isso é que a Convenção do Direito do Mar, que é considerada a constituição do Direito do Mar, é um dos instrumentos de direito internacional mais sofisticados, mais complexos e mais bem feitos que alguma vez houve, porque ele de facto parece um documento de direito interno, tão complexo que ele é. Levou dez anos. Houve uma certa fadiga. Mas depois passados dez anos, veio a Cimeira do Rio e o Relatório da Gro Brundtland da Agenda 21. Estas Cimeiras são cimeiras muito importantes, porque a Cimeira do Rio foi a primeira cimeira que começou a pôr a tónica no Ambiente também, e foi a cimeira que criou o paradigma que rege as nossas vidas hoje em dia, que é o paradigma do desenvolvimento sustentável.

Ora o paradigma do desenvolvimento sustentável, ainda hoje não encontrou um modelo de desenvolvimento concreto que o permita desenvolver. Mas a Agenda 21, tinha um capítulo que era o capítulo 17º que era sobre “O aproveitamento, a gestão e a governança integrada dos Oceanos”, ou seja, já nessa altura, há muito tempo, havia indicações, directivas que estabeleciam que as pessoas deviam deixar de ver o Oceano de uma forma sectorial através das diferentes áreas económicas, mas deviam vê-lo de uma forma integrada.

Nessa altura, estou convencido que com a excepção da Austrália que percebeu e que fez os trabalhos de casa, e que apresentou em 98, precisamente o ano que Portugal consagrou nas Nações Unidas como sendo o Ano Internacional dos Oceanos. Foi a Austrália nessa altura que apresentou a primeira estratégia integrada para o Oceano. E fê-lo em função dessa Cimeira do Rio.

Tivemos há pouco tempo a Cimeira de Joanesburgo – “Desenvolvimento sustentável”, em 2002. Cimeira que insistiu imenso nestas questões do oceano. Dos 140 parágrafos do programa de implementação, do plano de implementação de Joanesburgo, há mais de 30 parágrafos sobre o oceano.

Ou seja, o que é que isto significa? Isto significa que o oceano de facto está a voltar à agenda internacional, e por isso é que eu falei de uma corrida aos oceanos. E isso significa que todas estas problemáticas que me referiu do Árctico fossem problemáticas altamente interessantes.

Eu estive de férias durante uma parte de Agosto, cheguei a Bruxelas e estive as ver as revistas de imprensa especializadas que nós temos na área dos oceanos. E o maior número de artigos que houve em Agosto sobre os oceanos foi sobre a questão do Árctico. Vai ser uma questão muito interessante para a Europa, nós na Comissão Europeia vamos apresentar uma estratégia para o Árctico até ao fim deste ano. Vai ser uma questão muito importante.

O que é que se passa com as indefinições? A Convenção do Direito do Mar foi um documento fundamental, porque há 500 anos que os povos se combatiam entre eles pelas definições das delimitações do mar. E portanto foi pôr uma pedra numa tentativa política enorme. Desde o Mar Claustrum, o Mar Liberus, o Gróssios, tudo isso foram tentativas de definir as regras do jogo para o Mar. Houve três convenções das Nações Unidas até se conseguir chegar aquela que efectivamente trouxe a Convenção de Montego Bay que referiu.

Por isso de alguma maneira ela cristalizou as coisas. Mas ela permite num artigo, que é o artigo 76º, o alargamento das plataformas continentais, que é uma área que Portugal está a trabalhar com muito afinco. Que é aquela comissão duma plataforma continental que permite alargar a jurisdição dum país costeiro na sua plataforma continental até às 350 milhas . Isso para Portugal é muito importante. Não é bem o alargamento da ZEE, porque o regime jurídico é diferente e não iria entrar por aí. Mas é o alargamento da plataforma continental.

Porque é que isso começa a criar alguns problemas? Porque, enquanto que a zona económica exclusiva é determinada às 200 milhas por uma decisão da estatuição da normal, por um critério jurídico; já o alargamento da plataforma continental até às 350 milhas depende de critérios geológicos, dos fundos marinhos. E isso vai criar enorme subjectividade, porque nós temos os cientistas que temos e depois podemos puxar um bocadinho mais a brasa à nossa sardinha ou à outra.

No Árctico em que há vários países costeiros, potências como o Canadá, os Estados Unidos, a Federação Russa, a Dinamarca, vai ser uma zona muito complicada. Mas neste momento quer a Grã-Bretanha, quer a Irlanda, todos esses países estão a tentar alargar a plataforma continental. O que é importante é que Portugal consiga fazê-lo e o nosso prazo termina já em 99.

As gerações futuras não nos iam perdoar se nós não tivéssemos conseguido aproveitar esta vantagem que a Convenção que mais nos beneficiou nos trouxe, que foi a Convenção do Direito do Mar, por falta de timmings, por falta de vontade política ou por falta de recursos económicos para o fazer, é muito importante essa problemática. É uma problemática para que eu gostava de chamar a vossa atenção.

Relativamente à biodiversidade. É absolutamente um dilema, que é: nós cada vez mais vamos tirar mais partido do Mar em termos económicos, porque a tecnologia cada vez mais nos permite tirar mais partido do mar. Este campo de Tupi que a Petrogás está a explorar no Brasil, está a mais de 3 mil metros de profundidade, coisa absolutamente impensável há dez anos. Há dez anos, mais de 500 metros ninguém tirava nada do leito marinho.

Por isso, obviamente que a globalização que vai triplicar o número de contentores até 2020, prevê-se que arte 2020 o número de contentores a andar no Mar triplique. Imagine o que isso não vai ser de pressão sobre a construção naval, os navios, os portos, os corredores de tráfego marítimo, como é que nós vamos conseguir lidar com isso e com a preservação da Biodiversidade que nós sabemos ser tão importante, porque o Mar está verdadeiramente ameaçado em termos de biodiversidade. Está ameaçado em termos das alterações climáticas, em termos da acidificação, em termos da perda de biomassa. Para o fazer precisamos da tal política integrada, um dos grandes objectivos da política marítima integrada é precisamente esse, que é, com a visão integrada e com um investimento enorme na excelência da investigação científica e tecnológica, nós queremos conseguir destacar, de uma vez por todas, crescimento económico/deterioração ambiental. E queremos fazê-lo através de mecanismos que estamos a propor, como planeamento espacial marítimo, por exemplo.

Toda a vida, desde que existe propriedade privada, que em terra nós fazemos o ordenamento do território, mas nunca fizemos o ordenamento do mar. Ou seja, há umas regras de domínio público, há umas regras incipientes, mas que não se comparam em nada com uma boa disciplina dos usos do mar.

O que está a acontecer é que os usos cada vez são mais e portanto, os usos que competem vão-se tornar conflitos de usos se não tivermos um ordenamento que o faça. E desde logo, um dos grandes conflitos é com o ambiente, porque aumentando os tráfegos dos corredores marítimos, aumentando as energias eólicas off-shores, energias das ondas, aumentando a aquacultura off-shore, tudo isso vai ter realmente um peso muito grande.

Por isso é que temos de investir nestas matérias. Temos que investir em termos políticos, temos que investir em termos científicos, temos que investir em termos conceptuais de pensamento em gerir o Mar.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Segue-se o Grupo Amarelo, pelo Benjamim.
 
Benjamim
- Boa tarde. Em nome do Grupo Amarelo agradeço a presença do Dr. Tiago Pitta e Cunha.

Sabendo que em Portugal a nossa frota pesqueira está um pouco envelhecida, considera que a requalificação e modernização da frota, através de investimentos públicos e privados, poderá contribuir para um melhor aproveitamento da nossa zona económica exclusiva?

Obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado. Bom, há uma coisa que hoje em dia é ponto assente na política europeia e, de alguma forma também, até um certo ponto nas políticas nacionais que é: a deterioração dos recursos vivos, dos recursos pesqueiros chegou a níveis tais que não se vê com bons olhos a prática de subsídios ou de subvenções às frotas nacionais.

A Comissão Europeia, na política comum de pescas de que é responsável, tem como política limitar o mais possível a modernização das frotas. Coisa que fazia no passado até ao ano 2000.

Porquê? Porque se entende que nós estamos a criar uma procura insustentável onde já não há produto para essa procura. E estamos também convencidos que foi o excesso de procura na Europa como em todo o lado do mundo, que levou à má gestão dos recursos vivos e, portanto, à sua deterioração.

E, portanto, é muito difícil pensar que vamos poder voltar a ter uma frota pesqueira das dimensões que tínhamos no passado, quando os recursos diminuíram muito.

Depois há uma coisa muito importante que tem a ver também com a Convenção Montego Bay, que o seu colega referiu, e que é que: da mesma maneira que Portugal adquiriu uma enorme zona económica exclusiva, todos os Estados costeiros do mundo adquiriram também. E, portanto, muito da pesca de longo curso que Portugal fazia livremente na altura passou a ser proibida, porque passou a ser pesca que seria feita na jurisdição de outros países.

A Espanha ao contrário de Portugal aproveitou os acordos que a Comissão Europeia faz com terceiros países, na Ásia e na África, e na América também, para beneficiar de acordos para explorar legalmente na jurisdição desses países recursos pesqueiros.

Portugal, por não ter dimensão, massa crítica, ou por não haver talvez um empreendedorismo dos nossos empresários, porventura por outras razões, não fez isso e, portanto, a nossa pesca de longo curso praticamente desapareceu. Ela era feita na terra de ninguém, a terra de ninguém passou na ser de alguém, nós não utilizámos os mecanismos da Comissão para o fazer dentro dos acordos que a Comissão estabelece, e portanto reduzimos a nossa frota pesqueira a frota costeira, que é a frota de curta distância. Ela é importantíssima, nós temos de a manter, ela tem um papel, ela trás muito do peixe que nós consumimos, ela é importantíssima do ponto de vista social, do ponto de vista sociológico, do ponto de vista cultural para Portugal.

Agora, dizer-me que vamos apostar na pesca, eu não diria que seria uma grande aposta de futuro. Neste campo aí eu reconheço que a Aquacultura está a aumentar à medida que a pesca está a diminuir, porque as capturas diminuem todos os anos. Neste momento a Aquacultura na Europa corresponde a uns 15%-20% do peixe consumido, e calcula-se que em dez, quinze anos venha a corresponder a cerca de 50% do peixe consumido, Portanto, haverá um enorme investimento.

Por isso, eu diria aos empresários, aos investidores portugueses que, neste momento o Fundo Europeu de Pescas dá todo o dinheiro para a Aquacultura e dá o mínimo possível para as frotas de pesca, só mesmo quando o que está em causa é a segurança das embarcações.

Portanto, melhoria dos motores, ainda se vai, mas não embarcações novas, não modernização. Isso acabou e não voltará a acontecer.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. De seguida o Vasco Galhofo em nome do Grupo Rosa.
 
Vasco Galhofo
- Boa tarde a todos. Dr. Tiago Pitta e Cunha.

A nossa questão é a seguinte: o Dr. Tiago Pitta e Cunha referiu há pouco que Portugal pode voltar a ser grande e líder no Mar, mas também referiu que Portugal não é um país, em termos económicos e políticos, tão grande como pode ser grande no mar.

A nossa questão é: será que os outros países que nos rodeiam, até mesmo Espanha e outros países europeus não poderão colocar objecções ou pressões para que essa grandeza de Portugal seja travada? Porque, afinal de contas, se Portugal crescer haverá mercado, e haverá outras coisas que passarão a passar por Portugal e não por outros países que já o fazem.

E também outra pequena pergunta: É no seu entender importante que Portugal vigie melhor a nossa costa e a nossa zona exclusiva económica, para que outros países não pesquem lá?

São essas as nossas questões.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado. Tem duas perguntas também, uma no fundo a que diz respeito à vigilância marítima mais concreta e tem uma pergunta inicial que diz respeito um bocadinho às pressões que outros países possam exercer sobre Portugal.

Há uma coisa na sua afirmação que eu queria desde logo comentar, e que acho que é muito importante em todo o diálogo sobre esta problemática do Mar em Portugal. Eu nunca disse que Portugal queria ser o grande líder da Europa no Mar.

Ou seja, é importantíssimo evitar nesta ideia do projecto do Mar, algumas tendências que existem para o messianismo, para a ideia de que, Portugal com o Mar vai resolver os problemas todos, e que o Mar vai ser a panaceia dos nossos problemas.

Não, não. Os problemas de Portugal não estão apenas no não explorar o Mar, os problemas de Portugal talvez estejam em problemas culturais, sociológicos importantes da nossa sociedade, que nos impedem de desenvolver. Às vezes gosto muito de pensar que somos uma sociedade diametralmente oposta à sociedade britânica. Nós em Portugal somos fantásticos nas relações humanas, somos muito amigos dos nossos amigos e em tudo o que diz respeito às nossas relações, acho eu, temos uns comportamentos exemplares e uma boa qualidade de vida ; mas tudo o que tem a ver com organizações das instituições, no trabalho, na cultura, em qualquer tipo de organizações - nós somos péssimos. Nós não temos, não assumimos responsabilidades, achamos que o Estado vai sempre fazer tudo por nós.

E, por isso, temos uma cultura de organização social que é muito pouco agregada. Por exemplo, nós vivemos numa série de preconceitos e esses preconceitos limitam-nos imenso. Um dos grandes preconceitos que me assalta logo, e não me quero desviar muito aqui, mas era muito mais importante em Portugal que acabasse a cultura de que a hierarquia, a chefia significava conhecimento e saber, do que outro tipo de problemáticas.

Um dos grandes problemas em Portugal é que nós não conseguimos traduzir a informação para as empresas de uma forma suficientemente rápida. Porque em Portugal as estruturas hierárquicas são muito formalizadas e depois entende-se que o chefe não é o coordenador mas é o que tem que saber mais que todos os que estão abaixo. E portanto, os chefes vivem preocupados em esconder que não sabem tanto quanto sabem, e vivem os subordinados a ter de esconder que sabem mais que os chefes.

Então, acontece muito em Portugal que uma pessoa até pode sair dum curso de engenharia com o know-how máximo de engenharia da altura mas leva dez, quinze anos na empresa para onde vai a conseguir traduzir esses conhecimentos, que é quando chega à hierarquia, e quando chega à hierarquia os seus conhecimento já estão obsoletos porque obviamente já passaram 15 anos e já há novos conhecimentos das universidades de engenharia.

Portanto, há uma série de outras questões que não passam por Portugal ir para o Mar, era isto que eu queria dizer um bocadinho. O Mar não vai resolver as coisas todas.

E é muito importante evitar o messianismo, como eu digo, porque é perigoso começar a desenvolver teses de que “Ah, bom, isto na Europa já deu o que tinha a dar, agora temos é de ir para o mar”. Teses-dicotomias. Não. O Mar é um conteúdo para o nosso projecto europeu, isto é fundamental que seja compreendido. Não pode ser uma dicotomia, não pode ser uma alternativa, não pode uma alternativa, não pode ser entendido dessa maneira.

Mais: por causa do relacionamento complexado que nós temos com o mar, por causa da tal ligação ao Estado Novo, que se calhar não está nas vossas cabeças, mas está nas cabeças das pessoas com mais anos que vocês e que ainda são os dirigentes do País nas várias áreas, económicas, académicas, políticas, há aquela ideia de que é muito perigoso estas tentações, de voltar a falar nos “quintos impérios”, nestas questões do Mar.

Portanto, é altamente contraproducente, quando vamos agarrar um bocadinho naquele imaginário do Mar dos heróis do passado. Nós temos que projectar o mar através da qualidade de vida das nossas regiões que são por definição praticamente quase regiões costeiras, através da tecnologia, através da energia, através da biodiversidade, através de um povo que deveria ter, mais do que qualquer outro, consciência da importância do desenvolvimento sustentável do Mar.

Nós devíamos estar para o Mar como os nórdicos estão para o Ambiente. Os nórdicos inventaram o Ambiente com a Conferência de Estocolmo, em 1972, desde aí os nórdicos ficaram sinónimos de “green”, de verde. Nós poderíamos ter, até para um paradigma de desenvolvimento, essa percepção em Portugal, devíamos ser sinónimo de azul, e garanto-vos que um dia que fossemos sinónimo de azul que os nossos cidadãos seriam mais qualificados, que seríamos vistos na Europa não como as pessoas que só se preocupam em fazer os produtos baratos, mas como alguém que tem uma sensibilidade especial para uma realidade que é fundamental no século XXI, por causa das alterações climáticas, por causa dos equilíbrios ambientais, por causa da globalização. Seria extraordinaria.

Mais. O mar tem esta capacidade que era: era excelente que nos fossemos bons numa coisa, que nós fossemos bons numa coisa. Uma coisa muito interessante, no muito contacto que tive com irlandeses no passado, os irlandeses sempre se admiram da falta de auto-estima que os portugueses têm. Porque eles não conseguem compreender, porque eles dizem “Cá, nós vivemos 500 anos a cavar batatas, vocês viveram 500 anos a viajar pelo mundo, conhecendo, criaram uma língua universal, e depois ainda têm dúvidas sobre o vosso futuro, como é possível?”

Eu acho que se nós fossemos bons no mar, na perspectiva de futuro: das tecnologias, do ambiente, da qualidade de vida , do turismo, do lazer, da educação, da consciencialização, nós poderíamos ter maiores níveis de civismo, maiores níveis de desenvolvimento, e poderíamos efectivamente ter mais auto-confiança. É nesse sentido. Nós nunca seremos a potência da Europa, há países que são muito mais possantes na área do mar do que nós.

Não é esse o nosso objectivo, o nosso objectivo é pura e simplesmente, não deixar de tirar partido desta matéria, e por isso é que eu referi essa referência como líder no fundo.

Eu não creio que nós dependemos dos outros para fazermos isso, nós só dependemos de nós próprios. A Espanha não tem palavra nenhuma a dizer se nós quisermos desenvolver a nossa frota mercante; mas a Espanha tem muita palavra a dizer se nos quiser impedir de transitar com os camiões pelas estradas espanholas.

Os austríacos quando entraram na União Europeia negociaram o número de camiões que poderiam passar pelas estradas da Áustria, isto já foi em 95, já foi há muitos anos. No futuro a liberdade de circulação que é uma liberdade fundamental do Tratado de Roma, vai ser sobreposta pelas grades ameaças e pelos grandes desafios da Europa, como o desafio da Poluição e do Ambiente. Esses vão-se sobrepor e portanto, a liberdade de circulação vai ser limitada. E temos que compreender isto em termos de soberania e em termos de futuro.

Portanto, eu até digo: Não. Nós fomos para o Mar quando a Espanha ficou grande, não era quando a Espanha eram vários Estados, e a Espanha é grande hoje outra vez, se calhar nós temos que voltar ao Mar.

Relativamente à vigilância marítima, concordo 100% consigo. Como nós não vemos no mar um activo, nós não o guardamos; quando uma coisa é preciosa nós guardamo-la muito bem e gastamos dinheiro a conservá-la. Quando uma coisa existe aos pontapés, não ligamos a ela e não a vigiamos. Se Portugal tivesse a tal consciência colectiva estratégica do Mar, de certeza que gastávamos um pouco mais de recursos a vigiar aquilo que é nosso e a preservá-lo.

Obviamente que tem havido preocupações nos últimos anos, e nomeadamente também por governos em que o PSD tem participado em aumentar a vigilância marítima; mas não chega porque os desafios são enormes. Os desafios à segurança marítima por causa das actividades ilegais, por causa das actividades criminosas, por causa também de problemas com uma imigração irregular, por causa de questões de segurança do Mar, poluição, - eu digo sempre que, a maior ameaça que Portugal tem, não é a ameaça do terrorismo é a ameaça de um Prestige. Se um Prestige se arrebenta no Cabo de São Vicente no Algarve, nós temos uma área económica que são 11% do PIB nacional, que é o turismo, dos quais 80% é o Sol e Praia, que nos iria reduzir o PIB em 2 ou 3 pontos percentuais durante uns anos.

Ora bem, se percebermos isso nós vamos investir muito mais na vigilância do Mar; mas como não percebemos isso, não investimos. E, portanto, vamos esperar que não aconteça.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado, Dr. Tiago Pitta e Cunha. Segue-se a Teresa Silva do Grupo Roxo.
 
Teresa Luísa Silva
- Boa tarde a todos em nome do Grupo Roxo. Obrigada Dr. Tiago pela sua presença aqui.

No seguimento do que disse que “Portugal é um país que os portugueses não conhecem”, e estando nós a comemorar dez anos sobre a realização da Exposição Mundial dos Oceanos, queríamos perguntar, - é uma forma retórica, porque achamos que já está respondido – será que nós continuamos a utilizar devidamente as estruturas e as instituições que foram criadas à altura para sensibilizar os portugueses e o resto da Europa para a nossa natural ligação ao Mar. Nós achamos que não, não é. E a pergunta é: não devemos nós apostar afincadamente na educação ambiental e na comunicação científica como forma de transmissão de conhecimentos ?

Obrigada.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Não posso mais concordar com a parte final da sua pergunta/afirmação. Relativamente à Expo e o que foi. A Expo teve uma importância muito grande, porque foi a primeira vez que nós conseguimos, de alguma maneira, falar do Mar sem falar do passado. A Expo tinha como lema “Os oceanos e o futuro”. Foi a primeira vez que o imaginário dos oceanos foi não a Torre de Belém mas o Oceanário. E nestas duas partes de Lisboa vemos os dois lados da moeda: por um lado, temos a Torre de Belém e os Jerónimos e o Padrão dos Descobrimentos, e o outro lado temos o Oceanário e o Pavilhão do Conhecimento. E portanto isso foi positivo.

A Expo, a meu ver, em toda esta temática não deixou de ser uma enorme oportunidade perdida. Porque a Expo podia ter sido o ponto de viragem e o reencontro a reconciliação dos portugueses com esta temática, e não o foi. Houve dezenas de milhares de jovens portugueses das escolas ao secundário, que frequentara a Expo e que foram aos Pavilhões e que poderiam ter ganho uma percepção da importância estratégica desta matéria, e nesse aspecto isso não foi transmitido.

A Expo teve imensos aspectos positivos, foi a primeira vez, como eu digo, que foi levantada a questão numa perspectiva de futuro, mas efectivamente, acabou por ser uma concha vazia no sentido em que os conhecimentos não se transmitiram, não se consolidaram. Desmontaram-se as tendas e ficou a recuperação de uma zona urbana de Lisboa que vale muito por isso, mas não o reencontro de um país com a sua geografia, que seria ainda mais importante. E, portanto, a Expo aconteceu.

Há uma coisa muito interessante, que eu achei muito interessante quando estávamos na Comissão Estratégica dos Oceanos, o nosso Relatório tem um Capítulo sobre Educação, e nós estudámos uma série de artigos de pedagogos que comentavam um programa muito bem feito que decorreu de 93 a 98, programa “Oceanofília”, que havia na altura nas escolas, e que levava as escolas a fazer concursos inter-escolares sobre a temática dos oceanos em todas as áreas imagináveis: na história, na biologia, na literatura, na arte, no teatro, na dança. E tudo o que diziam esses pedagogos era a importância que essa temática teve para a motivação quer dos professores quer dos alunos, e os níveis de aprendizagem que se conseguiram nessa altura. Porque as pessoas também têm que ser motivadas e, de facto, naquela altura aquilo constituiu uma enorme motivação, quer para os professores que conseguirem dar melhor as matérias, quer para os alunos conseguirem absorvê-las melhor.

Por isso, concordo absolutamente consigo e com a segunda parte da sua pergunta que é: a educação ambiental pode ser um excelente veículo para a melhoria em todas as outras áreas. Educação ambiental, significa maior nível de consciência, maior compreensão da necessidade de planear, de prever o futuro, maior racionalidade de comportamentos, maior preocupação com aquilo que utilizamos, com o que gastamos, com o que despendemos em termos de lixos, em termos de degradação do meio ambiente.

A educação seria excelente também porque, a educação traz-nos uma imagem de marca de modernidade , que nós precisamos desesperadamente para a nossa imagem no estrangeiro.

Quando estávamos nas Nações Unidas, e quando Portugal a partir de 98 quis ter um papel preponderante dentro do multilateralismo das Nações Unidas, dentro das delegações dos outros países, o nosso objectivo foi: temos de meter Portugal com uma das dez delegações mais importantes na área dos oceanos. E fizemo-lo através de três medidas. A primeira medida que foi a mais importante foi destacar-nos da imagem que se tem de Portugal e da Espanha e destacar-nos da imagem que temos das pescas obsoletas, e aproximarmo-nos de países como a Nova Zelândia e sermos campeões da Agenda de Desenvolvimento Sustentável.

Ao aproximarmo-nos dessa Agenda, nós conseguimos enormes influências políticas exteriores de outros países que se preocupam com essa Agenda. Para compreenderem o que foi aquilo, nós criamos sinergias com uma série de outras áreas do mundo, de países que viram em Portugal um campeão de uma Agenda que lhes é crucial, com todos os Estados Nação-Ilha do Mundo. Há mais de 60 países nas Nações Unidas que são pequenas ilhas, quer do pacífico, como o Tuvalu, o Vanua, Samoa, quer por exemplo das Caraíbas, e noutras áreas na Costa oriental de África , esses países passaram a votar em candidatos portugueses noutras agendas das Nações Unidas que não tinham nada a ver com o Mar, porque nós na Agenda do Mar criámos a imagem de um país que não se levanta para pedir a palavra apenas quando o que está em causa é o seu umbigo. Ou seja, Portugal habituou-se a intervir nas Nações Unidas quando o que estava em causa eram problemas ligados a Angola, a Timor ou alguma coisa.

Nós temos que criar interesses internacionais em que sejamos bons, não apenas aqueles que nos dizem respeito, mas sejam causas internacionais. É isso que faz a Noruega, é isso que faz a Nova Zelândia, é isso que fazem outros países.

Ora, ao adquirirmos isso na área das relações externas do Mar, nós estamos a adquirir a tal imagem, a tal modernidade que sendo genuína potencia uma enorme modificação para melhor das sociedades.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Alexandre Resende em nome do Grupo Encarnado.
 
Alexandre Resende
- Muito boa tarde a todos. Caro Dr. Tiago Pitta e Cunha, o Grupo Encarnado quer também agradecer a sua presença aqui e a excelente aula que nos deu, e que acima de tudo nos permitiu também ter uma outra visão sobre a importância estratégica do mar para o nosso país.

A pergunta que o Grupo Encarnado lhe quer colocar tem a ver com a própria biodiversidade existente neste grande mar que está à nossa volta. Esta biodiversidade pode fazer de Portugal um centro europeu de excelência na investigação. No entanto, como disse durante a sua apresentação deste tema, quer as políticas nacionais na área do mar que estão ainda a dar os primeiros passos, quer até os próprios investidores, os decisores económicos muitas vezes estão relutantes quanto a potenciais benefícios do seu investimento.

A pergunta que lhe queremos colocar é quais são: de que forma é que se poderiam criar fontes de financiamento para a investigação científica, principalmente, tendo em conta que existem outras actividades do mar, como o turismo e energias renováveis, e de que forma é que essas actividades relacionadas com o mar, poderiam servir como financiamento para a investigação científica.

Muito obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado pela sua pergunta, que também é uma pergunta que não tinha sido colocada nem eu me tinha referido a ela, e portanto, vem alargar um bocado o âmbito da nossa conversa.

E é uma pergunta muito pragmática e muito importante, que é: como é que se pode começar a tirar partido da riqueza?

Como é que, por exemplo, os nossos investigadores nas áreas da biologia marinha, da oceanografia, da oceanologia podem pura e simplesmente transformar os seus conhecimentos em produtos, em serviços, em riqueza. Julgo que passa um pouco por aí.

E por isso gostava de brevemente me meter nesse aspecto. Desde logo, a nossa zona económica exclusiva é muito específica, é muito especial. Nós não temos muita biomassa na zona económica exclusiva, porque, alguém até disse que temos grandes zonas que são desertos biológicos porque nós temos uma plataforma continental muito profunda e por isso a maior parte de recursos pesqueiros que não sejam as chamadas pelágicas, as espécies que migram e transmigram, como por exemplo o atum, (que é uma espécie migratória) a maior parte das espécies não estão no nosso mar, e portanto, nós em termos de recursos de pescas estamos limitados, mas temos muitas outras riquezas que referiu.

Principalmente na área da biodiversidade, eu gosto sempre de referir, as tais bactérias das fontes isotermais do Açores, por exemplo. São uma riqueza muito grande, com enorme potencial, na farmacêutica neste momento, mas não só. Na área, por exemplo, dos biocombustíveis, chegou-se à conclusão que os biocombustíveis de primeira geração não serviram para resolver o problema, porque vão criar outros problemas noutros lugares. Porque vão com isso reduzir o produto de alimentação que é criado, porque nós estamos utilizar terrenos não para criar produtos para a alimentação, mas para criar para combustível.

E então fala-se muito na segunda geração de biocombustível. E um dos produtos que se fala muito na segunda geração de biocombustíveis são as micro-algas, e a utilização de algas. As algas reproduzem-se e crescem muito mais depressa do que qualquer cultura vegetal terrestre e, portanto, com um investimento adequado e com os conhecimentos que em Portugal não escasseiam na área do estudo das algas, seria fácil, por exemplo, arrancar para negócios de bio-algas, de biocombustíveis através das algas.

Ou seja, eu até vos digo que se houve um sector que em Portugal não foi completamente abandonado na área do Mar, foi o sector das ciências físicas. Em Portugal, de 98 para 2008, duplicou o número de doutorados e mestrados na área das Ciências do Mar. Nós temos algumas faculdades com prestígio no Mar em Portugal, mesmo com prestígio internacional, não vou dizer uma ou duas porque são várias. E há de facto alguma vocação dos estudantes de biologia em Portugal para irem para a biologia marinha. É uma área, por exemplo, em que é frequente ter alunos de países industrializados, países do norte da Europa a fazerem doutoramentos e mestrados em Portugal. Se me perguntarem se isso acontece nalguma Faculdade de Direito ou nalguma Faculdade de Economia, eu vos direi certamente que não.

O que demonstra também a tal percepção externa das capacidades portuguesas nesta matéria. Porque eu posso ser dinamarquês e venho a Portugal, se calhar, fazer um estudo sobre uma microalga; mas se eu for dinamarquês não venho estudar nenhuma teoria económica para Portugal.

E por isso eu diria, nessa área até não estamos absolutamente mal, porque houve um esforço muito grande com a Expo também. Foi lançado um programa com a Expo em 98, que potenciou um bocadinho esse desenvolvimento.

Mas não se criou riqueza até hoje. Ou seja, as centenas e os milhares de pessoas que se formaram nessas áreas andam sempre aflitos com as bolsas da Fundação de Ciência e Tecnologia para gerir as suas carreiras académicas, e é preciso que muitas destas pessoas passem para o sector produtivo, para o país se desenvolver.

Portugal é um país de pequenas empresas: de empresas familiares, de empresas feitas de colegas, de empresas.. E não vai deixar de o ser pelas nossas características, pelas nossas dimensões. O que é importantíssimo e que consigamos gradualmente substituir as nossas empresas de pouca inovação e de pouca tecnologia, por empresas de doutorados e de mestrados. Se nós continuarmos a ser um país de pequenas empresas, mas se formos um país de empresas feitas por doutorados e por mestrados, nós vamos ser um país de grande valor acrescentado nas muitas empresas portuguesas.

E é preciso financiamento para essas empresas começarem. Portugal é um país extremamente conservador no risco, e é conservador no risco quer em termos de empresários quer em termos dos Bancos , quer em termos dos institutos de investimento do Estado, são os primeiros a ser conservadores.

E por isso, é muito difícil para os jovens estudantes portugueses que se formam nas universidades e que querem  seguir para mestrados e doutoramentos. Hoje em dia, sem um mestrado ou sem um doutoramento a pessoa dificilmente domina uma verdadeira área científica desse tipo, a pessoa tem que progredir para essa área. Mas depois o ideal era que a pessoa completada a sua formação, passasse a produzir riqueza, não necessariamente e nem todas mas uma parte delas, e para isso é necessário haver investimento.

Neste momento era muito interessante que em Portugal houvesse programas, e que houvesse mais capitais de risco, e houvesse mais fundos de investimento a apostar em start-ups, obviamente.

Era preciso haver também aqui um conjunto de políticas publicas e de políticas dos Bancos. Eu falo muitas vezes com directores, com administradores de Bancos em Portugal, e eles reconhecem que não há grandes critérios para atribuir os financiamentos, não há grandes temáticas. Lá está, como o nosso país não tem grandes linhas estratégicas, nós não temos isso.

Ontem curiosamente no Diário Económico, havia um destacável só do Banco Espírito Santo, porque o Banco Espírito Santo na sequência de contactos que teve com a Comissão Estratégica dos Oceanos em 2004, criou uma bolsa para a melhor empresa, todos os anos, de inovação na área do oceano. E é muito interessante, é pena não termos aqui esse destacável porque ele é muito interessante e responde muito à sua pergunta. Temos de ir bastante por aí.

Obviamente é que não podemos ver mais o território português como o limite do nosso financiamento. Eu digo sempre às universidades, vale sempre a pena pagar o salários a uma pessoa para estar a filtrar Bruxelas e a tirar todos os dinheiros que consegue tirar do 7º Programa Quadro, paga ao salário dessa pessoa ao fim do mês…

Portugal concorreu sempre e beneficiou sempre dos fundos estruturais e daqueles fundos que advinham por inerência, pelas nossas condições de desenvolvimento sócio-económico. Mas Portugal falha muito em concorrer em igualdade com os outros países, com os países mais ricos aos fundos mais sofisticados em que é preciso fazer candidaturas com pés e cabeça. E mesmo nas nossas universidades nós até há pouco tirámos muito pouco partido do Programa Quadro de Investigação e Tecnologia. Há muita coisa em Bruxelas que seria interessante que os jovens investigadores soubessem e que não precisassem de ir sempre à Fundação de Ciência e Tecnologia e que fossem directamente a Bruxelas também para se financiarem.

Obrigado.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. De seguida Filipe Almeida em nome do Grupo Cinzento.
 
Filipe Almeida
– Muito boa tarde, Dr. Tiago Pitta e Cunha. Em nome do Grupo Cinzento queria agradecer a sua presença aqui. A mim em especial este é um tema que me toca, sou do Algarve, e isto faz parte da nossa vida, o Mar, e é dele que trazemos a riqueza.

Portugal é um pequeno país. Este é o nosso pequeno país e tem a maior zona económica exclusiva da União Europeia. O Mar está no nosso ADN, foi com ele e através dele que outrora crescemos.

A energia é se calhar um dos paradigmas do futuro, precisamos cada vez de mais energia, as fontes que utilizamos acabam-se, precisamos de encontrar novas ou explorar melhor aquelas que são renováveis.

Acha que teremos capacidade a partir da experiência que ganhámos com empresas portuguesas, como a Martifer ou a EDP Renováveis, em investimentos e aquisições em Portugal e fora, de desenvolver plataformas de aerogeradores em off-shore?

Obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado pela sua pergunta que não é nada uma pergunta cinzenta, apesar de vir do Grupo Cinzento, nesse aspecto fico contente. É uma pergunta muito concreta e muito azul.

A energia é um dos aspectos fundamentais desta Agenda dos Oceanos. A Agenda dos Oceanos está intrinsecamente ligada a duas agendas: a Agenda das Alterações Climáticas e à Agenda da Energia.

As alterações climáticas. Explica-se por si próprio, o Oceano é um factor modelador fundamental das alterações climáticas. Nos pensávamos até há poucos anos que só havia uma coisa chamada, no fundo, o clima atmosférico. Descobrimos com o entendimento do El Niño e De la Niña, que há um outro clima, que é o clima oceânico, das correntes oceânicas, que é altamente condicionante do clima atmosférico e começámos a compreender a importância que os oceanos tinham como o termóstato do planta. No fundo, como a circulação das temperaturas do planeta.

Portanto, as alterações climáticas e o oceano, há muita coisa a fazer nessa área.

Na energia. Principalmente na conjuntura actual que a Europa vive, o Mar é cada vez mais importante. É importante porque 60% do gás natural e 40% (…)

(um minuto inaudível)

Dr. Tiago Pitta e Cunha: - (...) com a tecnologia nós começamos a fazê-lo em plataformas flutuantes, como referiu, para o petróleo e para o gás natural, e com isso começamos a ter acesso a jazidas a que até hoje não se tinha acesso, principalmente no mar do Norte, no mar de Brent vai ser uma área que vai ter um grande desenvolvimento para grande benefício da Noruega.

Curiosamente, só aqui um parêntesis, o país do mundo do mundo que beneficiou mais da Convenção do Direito do Mar foi a Noruega, que passou de um país agrícola ao país mais rico do mundo, número um no desenvolvimento humano mundial. Porque a Noruega beneficiou muitíssimo da sua zona económica exclusiva porque tinha todos estes minerais, recursos pesqueiros; em desfavor dos britânicos que dividiam o mar a meias com a Noruega e que ficaram reduzidas a uma faixa muito mais estreita. Portugal também beneficiou imenso, só não tem beneficiado ainda porque ainda não tirou partido dele. Mas nós também beneficiámos com esta alteração.

A energia é importante, para o petróleo, para o gás, a energia do mar. É importantíssimo para as energias renováveis. As energias renováveis, hoje em dia, têm benchmarks de políticas públicas que são, como sabem, iniludíveis, como os 20% de energia renovável até 2020. Foi decidido pelo Conselho Europeu, essas energias vão ter de aparecer.

Para Portugal o off-shore pode ser muito interessante. Pode ser interessante na área da energia das ondas, onde há muitas empresas portuguesas e estrangeiras a avançar neste momento, também noutros países da Europa, os britânicos estão muito avançados na área da energia do mar, e os escoceses em particular, dentro das ilhas britânicas.

A energia eólica que me referiu também, porque nós em Portugal temos uma plataforma muito acidentada, há os problemas de impacto visual, e no Norte da Europa neste momento começa-se a substituir também as eólicas que estão fixas ao leito marinho por eólicas flutuantes. Essas eólicas flutuantes com a tecnologia adquirida das plataformas de petróleo e de gás natural, vão-se tornar uma tecnologia acessível e que vai permitir a Portugal explorar muito energia eólica off-shore, porque a energia eólica em terra também cria outros problemas, desde logo de impacto paisagístico, de poluição sonora e por aí.

Julgo que nós vamos, mais tarde ou mais cedo, de evoluir para aí. Portugal tem um potencial no vento e nas ondas inacreditável, de potencial elevado, gosto muito de dizer sempre isso, porque em Bruxelas há pouco vento comparado com Lisboa. Mas tenho colegas do leste que se queixam porque em Bruxelas há muito vento. Para eles, Bruxelas tem muito vento; para mim, Bruxelas tem pouco vento como português, e, portanto, logo Portugal tem muito vento e nós poderemos tirar partido desse recurso.

O mar vai ser muito importante para isso, eu julgo que é uma questão de tempo. Há uma coisa muito interessante que, no desenvolvimento do tal benchmark de 20% de energias renováveis em 2020, a Comissão Europeia propôs o chamado SET Plan, que era o Plano Estratégico das tecnologias Renováveis na Europa, faz um levantamento do estádio de desenvolvimento das energias renováveis na Europa e diz quais são aquelas que têm mais perspectivas de crescer. E nesse estudo, a Comissão diz que 50% das renováveis na Europa até 2020 terão de ser produzidas pelo vento. E que praticamente dentro desses 50% produzidos pelo vento, praticamente 50% terão de vir a ser produzidos off-shore. E, este estudo foi objecto de um grande estudo de impacto. E isso é um bom indicador do potencial que poderá ter para Portugal a nossa área off-shore para a área da energia.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. De seguida em nome do grupo Castanho, o Luís Paulo Carneiro.
 
Luis Paulo Carneiro
– Boa tarde a todos. Em nome do grupo Castanho, não podemos deixar passar esta oportunidade para congratular o Dr. Tiago pelo trabalho que tem feito nesta área, penso que realmente se dúvidas houvessem quanto à importância do mar para o desenvolvimento de Portugal, penso que deixamos aqui de ter essas dúvidas.

Falou há pouco de uma falta de vontade política em relação a esse assunto. Isso é uma coisa que não nos surpreende realmente, dado que o Governo que temos, governa-se a si próprio e não para a população em geral. Agora , a nossa questão está relacionada com o que é que se pode fazer, mesmo a nível da própria Comissão Europeia para pressionar o governo. Como sabe, são atribuídas verbas e mais verbas aos países da comunidade europeia, por exemplo, eu que sou dos Açores, é uma região que neste momento recebe 500 mil euros por dia, portanto, é muito dinheiro. De que forma é que se pode condicionar, de alguma forma essas verbas, para que sejam aplicadas em áreas fundamentais como o Mar. Sabe-se que não vai resolver todos os problemas, mas também se sabe claramente, que é uma forma de melhorar, por exemplo, a captação de investimento, e criar emprego.

Existe uma total ausência de grandes estratégias em relação ao mar, tanto que os portugueses neste momento, como disse e muito bem, vivem de costas voltadas para o mar. Assuntos como a posição geográfica, que está a ser completamente esquecida, as energias renováveis como já aqui se falou, penso que a questão dos portos que falou há pouco, de Roterdão, que constituía 20% do PIB da economia, penso que isso não foi também por acaso, houve investimento por parte do governo, como sabe grande parte do material que vem para Portugal, se calhar os empresários preferem que entre por Roterdão do que entrar por Lisboa, porque lá existe ausência da carga fiscal à entrada, do IVA, nomeadamente quando é fora da comunidade Europeia.

Portanto, de que forma é que se pode pressionar esse governo para que realmente aposte claramente numa área, já que o investimento privado vai ter que acontecer, mas sem a ajuda de grandes políticas nessa área penso que é complicado.

Obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Obrigado. Vejo que está muito informado destas matérias ao ponto de conhecer o sistema fiscal em vigor na área do IVA. Quando me referi há bocado ao sistema fiscal referia-me a esse mas também a outros problemas, ao problema do IRC dos transportes marítimos mas do IVA também, é evidente. É altamente vantajoso para qualquer importador português descarregar as mercadorias em Vigo e depois trazê-las para o território português, porque não tem que pagar o IVA à cabeça, como referiu, nessa altura, mas apenas quando efectivamente vende o produto.

É um problema que já vem de trás, e que é um problema que tem sido utilizado como justificação e é uma justificação que poderá ser razoável numa conjuntura, têm sido utilizadas as dificuldades financeiras, o deficit orçamental português para não se alterar essa situação.

Mas de qualquer maneira, eu bati-me muito também para que essa situação fosse contemplada no passado. A União Europeia não pode condicionar os fundos a utilizações concretas pelos Estados-membros. Há uma série de critérios, há uma série de leituras, de entendimentos, de directivas, mas depois são os Estados-Membros que decidem, são as regiões que decidem como é que os fundos são gastos.

Portanto, passa outra vez um bocadinho por aquilo que dizíamos, obviamente que o nosso papel em Bruxelas é criar as condições nos diferentes fundos europeus, para que haja propostas desenhadas para investimento no mar. E temo-lo feito, por exemplo, a nova geração de INTERREG’s vai ter agora duas chamadas fast call, duas candidaturas, duas possibilidades de candidatura através de um modelo mais expedito, que é acompanhando pela própria Comissão em termos de ajuda da formação da candidatura, a duas áreas do mar. Uma área da gestão da orla costeira; ou em qualquer área que tenha a ver com a economia do mar. Isso foi introduzido no âmbito desta política marítima, na área do Programa Quadro, e o Duarte Marques estava-me a dizer isso aqui, esta política marítima é uma política marítima feita em Bruxelas por todas as instituições. O Parlamento tem tido imenso interesse nesta política, e Portugal tem tido imensos portugueses, e muitos deles do PSD que têm lutado muito pela política marítima no Parlamento Europeu, e nomeadamente o Deputado dos Açores, Duarte Freitas, debateu-se muito para que no 7º Programa Quadro a área de investigação cientifica estivesse mais canalizada para a área de investigação científica do mar.

Portanto, temos procurado, de alguma forma, impregnar as várias políticas europeias com a área do mar. É isso que se quer com a política marítima. O que nós queremos com a política marítima, é criar uma política de software que vai por sua vez criar impacto nas várias políticas europeias.

Na política da competitividade, nós vamos sempre lembrar que nas áreas empresariais, inovação e competitividade que se devem privilegiar na Europa não se podem esquecer das áreas marítimas, as áreas da biotecnologia, das energias, por aí fora.

Que a área da investigação científica não possa deixar de privilegiar a investigação científica marinha.

Que na área do desenvolvimento regional, não se possa deixar de privilegiar a qualidade de vida das regiões costeiras da Europa e das ilhas da Europa.

É esta, um bocadinho, a função da política marítima. E isso, nós estamos a fazê-lo gradualmente.

Agora, em Portugal, como é que se pode pressionar o Governo? Bom, aí, acho que temos de esperar que as regras do jogo democrático produzem os seus efeitos. Em princípio para se pressionar o Governo, tem que se ser melhor que o governo, e tem que se ocupar o lugar do governo.

Claro que as pessoas também podem contribuir de muitas maneiras, podem contribuir criando as suas empresas, criando as suas associações de cidadãos nas várias áreas, alertando para as questões da educação ambiental, podemos fazer muitas coisas sem ficar à espera que o Governo faça.

Muito obrigado.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. De seguida Alberto Fernandes em nome do Grupo Verde.
 
Alberto Fernandes
– Muito boa tarde a todos. Dr. Tiago Pitta e Cunha, em nome do Grupo Verde muito obrigado por nos ter alertado para este importante problema.

E antes de colocar a questão do nosso grupo, só em jeito de brincadeira, gostaria de partilhar com todos aqui uma ideia que o nosso colega Ricardo trouxe: é que neste país tão esquecido do mar e de costa voltadas para o mar, há coisas que o Estado não se esquece. É que qualquer um de nós que quiser ir para a beira-mar tentar pescar um singelo jantar com uma pequenina cana de pesca, é necessário pagar uma taxa de Multibanco, e essa taxa não nos trás qualquer contrapartida. Esperemos não chegar ao ponto de ser necessário pagar uma taxa de uso de cana de pesca como se paga para o caso da caça.

E agora a pergunta propriamente dita: sabendo nós que não existe qualquer política estruturante nacional para o Mar, será que se justifica a criação de um ministério especificamente direccionado para os assuntos do mar, como já houve no passado, creio eu? E se sim, que medidas acha que esse ministério deveria tomar no curto prazo, para que começássemos a mudar a nossa consciência colectiva da percepção do mar? Muito obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado. Portugal teve no passado, dois ministérios no Mar. Essa experiência foi feita já duas vezes no passado e foi uma experiência que nunca teve bons resultados. Porque os ministérios do mar acabam por ser ministérios de alguma política sectorial do Mar. Na verdade uma das vezes o Ministério do Mar acabou por ser o Ministério da Pesca; e, na segunda, vez o Ministério do Mar acabou por ser um pouco o Ministério dos Portos e dos Transportes Marítimos.

Eu sou frontalmente contra a centralização da temática do mar num Ministério do Mar, porque ela vai completamente contra a ideia da integração. O que se advogava no Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, é que o Mar é de tal forma transversal a todos os sectores económicos, e não só, porque aqui já falámos em muitas outras perspectivas, que nós, em termos dum modelo de governança moderno não podemos centralizá-lo num determinado ministério.

Eu costumo sempre dizer: se o Mar for tão importante quanto é o nosso território, nós também não temos o Ministério da Terra, portanto, também não devemos ter o Ministério do Mar, também não temos o Ministério da Lua, não é? enfim, como piada…

O que é importante é compreender, é ter uma estratégia para o Mar, que seja absolutamente transversal e que seja absolutamente compreendida pelos vários decisores políticos das várias tutelas. Porque os vários decisores políticos das várias tutelas vão ter uma parte da responsabilidade da implementação desta estratégia do mar.

Se quiséssemos centralizar no Ministério do Mar o transporte, íamos ter que arrancar o transporte marítimo dos outros modos de transporte. Ora isso, era absolutamente estruturante, os transportes têm que estar todos eles em integração, portanto, nós íamos integrar no Mar e íamos desintegrar, no fundo, a montante.

E portanto, não seria racional, seria absolutamente contrário àquele relatório da Agenda 21 que já foi publicado em 1982. É nesse sentido que devemos evitar um bocadinho estas questões, as coisas não se revolvem através da criação de ministérios e de estruturas institucionais. Nós precisamos mais de políticas de software, de pensamento, mas de um pensamento que é vertido em documentos e portanto, é, de alguma forma, doutrinável.

Nós precisávamos muito era que a Ministra da Educação, o Ministro das Obras Públicas, o Ministro da Defesa, todos eles compreendessem que o País tinha uma estratégia para o Mar, e todos eles nas suas áreas cumprissem a sua parte da estratégia para o Mar. E então, tínhamos aí uma política de coordenação dos ministérios do Mar.

O que propunha a Comissão Estratégica dos Oceanos, era a criação de um Conselho de Ministros regular anual, em que se juntavam nesse Conselho de Ministro, presidido pelo Primeiro-Ministro, os ministérios que têm mais impacto no Mar, talvez pudéssemos deixar de fora, por exemplo, o Ministério da Justiça, ou talvez numa altura, numa determinada lei, fosse necessário chamar o Ministério da Justiça a esse grupo. Mas talvez não fosse necessário ele estar lá sempre.

Mas que houvesse um ministério que nessa forma dessa governança integrada, através dos vários ministros, pudesse implementar a tal política que era uma política transversal e que era uma política verdadeiramente horizontal relativamente a todo o Governo.

Era isso que, no fundo, que era mais importante, julgo eu, porque senão o que vamos acabar por fazer é: vamos ter um bocadinho do Mar num ministério, o Ministério do Mar nunca vai riscar o mesmo que riscam os vários ministérios sectoriais nas suas políticas, e portanto, vamos fazer um mau serviço ao Mar e não um bom serviço ao Mar.

Esta é a minha opinião.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. De seguida Fausto Amaral em nome do Grupo Bege.
 
Fausto Amaral
- Boa tarde a todos. Doutor, não digo isto em nome do grupo por ser de praxe, mas sim porque merece, esteve muito bem. O grupo Bege também o gostaria de felicitar pela sua recente paternidade.

Agora a pergunta: como é que Portugal pode tratar a zona económica exclusiva como sua se é dependente das políticas e vontades europeias, normalmente nacionalistas, contraditórias e adversas a Portugal?

A segunda pergunta que também gostávamos de ter respondida, seria: o que pensa da dessalinização, tendo em conta por um lado para resolver os problemas da falta de água e, por outro, que é um investimento muito grande, uma grande factura energética e é uma solução fatalista de último recurso.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Obrigado. A primeira pergunta é mais controversa, eu vou começar já pela segunda e depois respondia à primeira em segundo lugar.

Sobre a dessalinização. Este método de transformar água salgada em água doce, potável ou não, mas doce, é um método que está a ganhar grande expressão na Bacia do Mediterrâneo. Porque a desertificação é uma realidade, a falta de água é uma realidade e é necessário supri-la. Tem algumas, contra indicações ambientais. A dessalinização consome muita energia eléctrica para produzir os seus efeitos e, por isso, também contribui de alguma forma para a factura ambiental. De qualquer forma, faz sentido, por exemplo, a determinadas escalas, a um país, por exemplo como Malta que tem não rios e que não tem água potável, eles vivem da dessalinização e pagam uma factura energética muito elevada, porque toda a água que consomem é água dessalinizada.

Em Portugal já há pequenos exemplos de aproveitamento da dessalinização, por exemplo, o Grupo Pestana, os Hotéis, no Algarve, está a ter centrais de dessalinização para cada hotel de forma a reduzir o seu consumo de água potável. O Algarve é um caso concreto de desequilíbrio muito grande entre a água que produz nos seus lençóis freáticos, e a água que consome, nomeadamente nos meses de turismo do Verão, e é necessário nós gerirmos estes recursos naturais com grande apreciação.

Portanto, se calhar, fazia algum sentido. Se calhar também fazia sentido, no futuro, vir a impor que quando se constrói um campo de golfe seja necessário ter uma dessalinização, em determinadas zonas, obviamente onde haja acesso ao mar, para que a água consumida no campo de Golfe não seja a água da rede viária ou a água dos lençóis freáticos da região em que o campo de golfe está.

Hoje em dia, há empresas que apostam muito nesta matéria, a General Electrics vende dessalinizadoras como pãezinhos quentes. Ou seja, isto é uma área que está em franco desenvolvimento e que vai aumentar muito.

Agora, em Portugal não se vive uma área de uma aposta obviamente pública até hoje. Acho que Portugal está a procurar ainda acautelar as suas questões hídricas através de barragens e através desse tipo de mecanismos. E por isso mesmo, julgo que é do interesse dos poderes públicos e das empresas que estão no negócio da água, não pôr o acento tónico na dessalinização, até para não retirarem daí o valor que neste momento se afigura nas centrais hídricas. As centrais produzem energia, mas também acumulam água. E portanto, não queria muito mais ir por aí, mas de alguma forma, não tem estado na Agenda a questão da dessalinização por essa razão. Julgo que no futuro ela vai aumentar, mas julgo que também é importante que a dessalinização também cria problemas ambientais, e portanto, não vai ser também a medida milagrosa para resolver o problema do consumo da água.

Mas é um passo. E principalmente se houver um estudo de impacto de cada dessalinizadora que é montada.

Relativamente à ZEE. Há em Portugal a convicção clara de que a Europa nos roubou o mar, pelo menos já há a convicção clara que a Europa nos roubou as pescas. E não posso procurar rebater essa ideia, onde eu estou. Porque é uma ideia absolutamente falsa.

Um grande amigo meu, o Almirante Vieira Matias e eu, estamos em permanente controvérsia porque ele entende que a Europa nos roubou uma área; eu digo-lhe “Não sr. Almirante, a Europa não nos roubou o Mar”. Porque a Europa não nos roubou o mar para o dar à Espanha, mas a Espanha tem beneficiado do mar. A Espanha beneficiou muitíssimo da política comum de pescas, Portugal não beneficiou da política comum de pescas. A política comum de pescas não é muito mais vantajosa para a Espanha que para Portugal. Tem a ver um pouco também com o empreendedorismo, com a determinação, com a forma como nós lidamos na nossa actividade ligada ao Mar, e nós, de facto, não temos tido nem esse empreendedorismo nem essa determinação.

Não houve empresários em Portugal, das pescas que não estivessem sempre dispostos a abater os seus navios em troca do subsídio das pescas, e depois é muito difícil dizer “Bom, mas reduzimos imenso as nossas embarcações”. A Europa não tem qualquer jurisdição sobre a nossa ZEE para além da política comum de pescas. A Europa tem algum impacto na questão do ambiente, porque há uma competência mista dos Estados-membros com a União Europeia no que diz respeito ao ambiente.

E a Europa, aí sim, está altamente preocupada com a degradação ambiental do oceano, e adoptou, durante a última presidência portuguesa, uma directiva e uma estratégia temática para a preservação do Mar que vai revolucionar completamente a relação que nós temos com o Mar.

Porque essa estratégia prevê que todos os países da Europa até 2021 venham a ter uma boa qualidade do Mar. Isso é extraordinário, porque até agora só tínhamos a directiva da água que dizia respeito a águas interiores, e neste repente temos esta imensidão que é o Mar, e isso para Portugal vai acarretar grandes trabalhos e grandes custos.

E aí, claro, que há uma certa partilha de competência, mas na verdade no que diz respeito às decisões sobre o uso económico do nosso mar, sobre a vigilância marítima, sobre a sua exploração, sobre a investigação científica, ela depende apenas de Portugal e, portanto, depende apenas da nossa vontade, da nossa assumpção de riscos e da nossa assumpção de empreendimentos e de projectos.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Ainda temos tempo para algumas perguntas livres se houver interessados.

Pode ser um de cada vez. Agradecia que se levantassem, dissessem o nome e o grupo, por favor.

 
João Morgado
- Caro Doutor Tiago Pitta e Cunha, está neste momento a ser discutida a soberania sobre os territórios marítimos que resultaram do degelo do Árctico, pela Rússia, pelo Canadá, etc. Não considera que a União Europeia devia tomar uma posição firme para evitar que antes de se discutir a soberania sobre estes territórios e o controle das rotas marítimas que por eles passarão, se deveria ter antes em conta o fenómeno ambiental gravíssimo que se está a dar pelo degelo daquela área, que teve uma degradação dramática num espaço tão curto de tempo?
 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- É uma pergunta muito pertinente, eu vou-lhe dizer: tem toda a razão, eu partilho completamente da sua posição. A União Europeia com excepção da Dinamarca não tem um interesse directo no Árctico, no sentido que não tem território, jurisdição sobre o Árctico. E portanto, a União Europeia podia tentar participar nestas discussões que estão a ir por caminhos francamente, não diria perigosos que é uma frase forte de mais, mas francamente difíceis com a plantação da bandeira da Federação Russa, com os países todos, a começar no Canadá e os Estados Unidos estão a abrir um diferendo entre eles.

Ou seja, não deveria ser esse o caminho. Na verdade o caminho devia ser, primeiro ver como é que s pode assegurar a preservação ambiental daquela área, e em função desse dado adquirido, ou seja, assegurando o princípio do ecossistema e a sobrevivência do ecossistema, desenhar as utilizações económicas que se podiam fazer.

Infelizmente não é esse o caminho que está a acontecer, a União Europeia, que como digo não tem um interesse directo no assunto, deveria tomar a perspectiva no honest broker, portanto, do mediador honesto e pôr o acento tónico na questão do ambiente, porque é muito mais importante a longo prazo para a Europa do que a exploração económica de mais uma jazida de petróleo, ou de mais uma rota de corredor de tráfego marítimo.

Eu não tenho a certeza de qual vai ser o resultado. A Comissão vai apresentar uma estratégia para o Árctico até ao fim deste ano, está a ser feita basicamente pela Comissária Ferrero-Walder, que é a Comissária de Relações Exteriores, na RELEX, que é o Departamento da Comissão que trata desses temas, mas também há interesses económicos muito grandes dos grandes países exportadores da Europa, desde logo nas rotas de tráfego marítimo. E portanto, acho que a nossa estratégia vai ser assim um bocadinho híbrida, como costuma habitualmente ser, em que vamos ter um bocadinho de ambiente, mas também vamos ter algum sinal de abertura.

O Livro Azul que é esta Política Marítima que os senhores têm aí, saiu em Outubro de 2007, nessa altura nós já temos aí uma palavrinha na área do objectivo estratégico, que é: “liderança europeia nas questões marítimas”, já temos um paragrafozinho sobre o Árctico.

Quando lançámos o Livro Verde, que foi o que lançou a grande discussão e o grande debate, que veio dar origem ao Livro Azul. Na União Europeia nós lançamos sempre o Livro Verde, discutimos o Livro Verde com os cidadãos e com os interesses, com os chamados takeholders, e depois apresentamos então a política propriamente dita. Houve um ano de discussão pública do Livro Verde, e o Livro Verde foi lançado em Junho de 2006. Em Junho de 2006, para vocês compreenderem, havia uma corrente na Comissão que queria referências ao potencial do Árctico para exploração económica, por causa do que referiu, por causa dos minerais, por causa dos combustíveis fósseis, por causa das rotas de transporte, o Comissário Dimas e a DGAmbiente opôs-se completamente a qualquer referência ao Árctico dizendo que era gravíssimo que o Árctico estivesse a ser aberto a explorações económicas, e pensar que nós, já que a alteração climática já aí está, ao menos vamos tirar partido disso, era um bocadinho como decidir os sapatos do defunto quando ele ainda está na cama ou moribundo no hospital.

Portanto, é engraçado pensar que em 2006, o Comissário Dimas ainda conseguiu impedir a referência ao Árctico por considerar que isso seria perigoso para a União Europeia ir por esse caminho. E, em 2007, um ano depois já não conseguiu. E portanto, isto mostra bem a dinâmica deste tema.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Tiago Milito.
 
Tiago Gonçalves
- Muito boa tarde, caros companheiros, muito Dr. Tiago Pitta e Cunha.

A questão que lhe queria colocar está directamente relacionada com um assunto que foi transversal, já hoje da parte da manhã e continuará a sê-lo penso eu, ao longo de toda esta edição da Universidade de Verão, e tem a ver com a nossa competitividade fiscal.

Como falámos aqui hoje já, e até retirei esta ilação da sua palestra, que nos aqui deixou, hoje em dia nem para um armador português ou para alguém que venha receber mercadoria em Portugal, são competitivos os nossos portos. É preferível ir a Espanha descarregar e trazer esses produtos para Portugal.

Nesse sentido, queria-lhe fazer uma pergunta: é possível pensarmos numa harmonização aduaneira ao nível da União Europeia? Não sendo possível, de que forma pode Portugal tornar-se competitivo nesse aspecto, e fazer com que mais gente possa descarregar aqui as suas mercadorias, fazendo assim com que Portugal seja aquilo que, por exemplo, este governo está a apostar muito, que seja as portas da Europa, apostando também em plataformas multimodais de acesso, através das linhas ferroviárias e rodoviárias.

Muito obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Sabe, a harmonização aduaneira ou tudo o que tem a ver com o sistema fiscal é uma questão altamente delicada para Bruxelas e há países que se opõem de forma frontal a esse tipo de situação. Para Portugal, seria julgo eu excelente, mas para a Irlanda, se calhar não seria tão interessante do ponto de vista do IRC, ou para outros países que são países de trânsito e que captam essas mercadorias do ponto de vista aduaneiro.

Por isso a solução terá sempre de ser nossa.

O que acontece em Portugal é que é impossível fazer pior, em termos de políticas públicas é impossível fazer pior do que fazemos.

Portanto, neste momento eu até diria: o Governo do Partido Socialista prosseguiu a ideia original do governo do Dr. Durão Barroso em manter uma estratégia para o Mar. Criou uma equipa de missão, que é composta por pessoas de excelente qualidade e que fazem o melhor que podem no seu trabalho, criou uma estratégia que é montada em cima da estratégia da Comissão Estratégica dos Oceanos, lançada pelo Dr. Durão Barros, e, de alguma forma, não fez tábua rasa do trabalho anterior, como é normalmente apanágio noutras áreas. E isso, eu acho altamente positivo.

Acontece é que a estratégia para o Mar que o Partido Socialista tem, que é uma estratégia altamente sofisticada, não corresponde depois às políticas sectoriais, nomeadamente à política fiscal. E, portanto, temos aqui uma estratégia política que em si é válida mas que não influência as políticas sectoriais, e como tal não muda a realidade das coisas.

E enquanto as tais políticas sectoriais, a começar pelas políticas que trazem competitividade, ligadas às políticas fiscais e aduaneiras não forem alteradas nessa área dos transportes marítimos, porque esta questão é muito importante para os transportes marítimos, nós vamos a ficar a ver navios passar por aqui sem parar.

É por isso que eu digo sempre, quer dizer, Portugal só apostará nesta área do Mar, quando compreender que ela é estrategicamente suficiente para se poder justificar à economia portuguesa que tem de haver regimes – que não são regimes diferentes dos regimes dos outros países da Europa, ainda por cima -, mas tem de haver regimes que potenciem a competitividade destas áreas, o que não acontece.

Eu não sei, e confesso que não sei, se o Governo do PSD iria ter coragem de alterar estas matérias também no futuro. Eu estou é altamente animado por ver o vosso grau de preparação, por ver as perguntas que os senhores me têm colocado, eu acho que raramente estive numa assembleia de pessoas que me fizessem as perguntas tão pertinentes como os Senhores têm vindo a fazer.

Portanto, eu estou com muita esperança no futuro.

 
Duarte Marques
- Havia mais uma pergunta na última fila, antes da Goretti, o mais jovem. Tiago, a média de idades é 22 anos.
 
João Almeida
– Antes de mais, muito boa tarde, Dr. Tiago Pitta e Cunha. Devo confessar que este não é um tema que apele muito aos meus interesses mais naturais, mas dou-lhe toda a importância, e considero que a sua intervenção, hoje, aqui, foi muito boa e que nos pôde enaltecer aspectos que muitas vezes não consideramos importantes.

A minha dúvida prende-se com um dos factores que mencionou na obtenção de energia eólica off-shore. Ou seja, recentemente eu tive acesso a informação através dos jornais dos media americanos, duma situação controversa que se passava no Estado de Massachusetts, e especificamente em Cape Cod , que é uma das zonas turísticas mais fortes da zona Nova Inglaterra, e que havia a controvérsia desse tipo de energias, e havia a pretensão de instalar uma central off-shore, mas sendo aquela a zona propícia a esse tipo de energias, seria muito positiva para obtenção de energias naquela zona, iria substituir muito das outras energias; mas punha-se a questão da poluição estética, diga-se assim, e até que ponto é que seria aceitável a poluição sonora e estética em si. E qual seria o impacto numa zona turística tão importante?

A minha dúvida é: se em Portugal ao implementar essa energia, poderíamos enfrentar casos semelhantes?

Noutra análise, tive também a hipótese de comentar isto com uma pessoa de nacionalidade sueca, que me disse que esta tecnologia já era implementada no seu país, e que não sentia qualquer problema e que as circunstâncias eram basicamente as mesmas, em termos de distância à costa, também numa zona turística, mas que não sentia como se fosse um problema estético, e que esse problema nem sequer era identificado, mas que nos Estados Unidos estava a ser tratado com algum mediatismo.

Obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Muito obrigado. Há essas perspectivas, é uma pergunta mais sobre a energia eólica, e há essas perspectivas.

Como tudo em Portugal, há uma enorme descrença neste momento sobre a energia eólica off-shore em Portugal, e eu falo com empresários do sector e há uma enorme descrença, porque nós somos sempre os últimos a aderir às inovações, as coisas nunca são válidas, há dois ou três anos havia uma enorme descrença, talvez não dois ou três anos, não, porque o tempo passa muito depressa, eu diria, em 2000-2001, eu falava com as pessoas em Portugal, a energia eólica em Portugal era muito incipiente, tem sido um fenómeno, um cluster montado de uma forma muito rápida, por causa das políticas públicas, precisamente, que o têm apoiado bastante. E as pessoas achavam que a energia eólica não ia dar nada, que era altamente subsidiada, que só existia por causa dos subsídios, e que era lirismo completo dos ambientalistas.

Isso mudou completamente, hoje em dia nenhum empresário pensa assim.

Relativamente ao off-shore em Portugal continua-se a pensar assim. Principalmente os empresários também que às vezes estão interessados em montar com custos, tem que se reconhecer – menores em terra do que no mar -, e portanto, é fácil encontrar alguns defeitos na energia eólica off-shore.

Quando me fala em Cape Cod , e eu que, como vivi em Nova Iorque muito tempo, acabava por de vez enquanto ir lá parar, sabendo que enquanto os Clinton’s continuarem a ter férias em Cape Cod de certeza que não vai haver energia eólica off-shore ao largo de Cape Cod.

O que é interessante na energia eólica off-shore é que, temos dois tipos de energia eólica off-shore: temos a tradicional, que hoje em dia parece uma floresta, quer nas Costas da Dinamarca, quer no Mar Báltico, em toda a Costa da Alemanha, que é a energia eólica que está a muito pouca profundidade, em profundidades de 6 a 12 metros , 15 metros , e que são as torres que estão implantadas no leito do mar; e há a nova geração de energias off-shore que são aquelas que são flutuantes, e que já começam a ser utilizadas, pelo menos pela Noruega.

As flutuantes podem ir para profundidades, sem grandes custos, de 50- 60 metros . 50- 60 metros só pode ser bastante longe da Costa, é o caso em Portugal, em que a nossa costa é muito acentuada. Ora, se nós soubermos que a curvatura do mar em 4 milhas , nós deixamos de ver alguma coisa que está à altura até não sei quantos metros. Se você tiver os seus campos eólicos a uma milha de distância da costa, eles vão estar muito presentes; se tiver a duas, três milhas, eles vão estar mais ausentes; mas se estiverem para fora das 4 milhas , 5 milhas , eles vão estar invisíveis ao olho de quem vem da costa. Claro que para o turismo náutico, os barcos vão ter de passar por esses campos, mas isso também passa por tudo. Nós vamos ter, no futuro, vamos ter Aquacultura off-shore que vai ser não a Aquacultura que cria tantos problemas ambientais nos estuários dos rios, mas a Aquacultura no mar aberto, e vamos ter enormes áreas no mar “colonizadas” por estas quintas marítimas.

E, portanto, todo o mar vai mudar alguma forma de cariz.

Agora, a questão da poluição estética é uma realidade. Por exemplo, em Gales, na Inglaterra, há neste momento, um movimento político que foi criado pelos cidadãos que não querem mais energias eólicas no país de Gales. Porque já têm tanta que aquilo já lhes começa a afectar. E confesso que se me plantassem uma pá junto duma casa que eu tenho no Alentejo, eu ficava absolutamente doente, ia tentar serrar com certeza o pilar da energia eólica. Por isso é que em terra as energias eólicas têm dificuldade: os ventos são cruzados não são bons, os solos são bons para a agricultura, são áreas de preservação ambiental. E por isso é que o mar oferece algumas possibilidades.

No futuro, de acordo com aquele plano estratégico da União Europeia que eu referi, não há dúvida nenhuma que mais tarde ou mais cedo vamos cair lá. Mas nós vamos ficar à espera que seja feito noutros lugares, e depois quando for feito noutros lugares, nós em princípio iremos fazer.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Agora é a Goreti Martins, por favor.
 
Goreti Martins
– Boa tarde a todos. Doutor, a questão que lhe vou colocar tem o seu quê de traição. Relativamente a Portugal já fomos uma grande potência marítima, uma grande porta de entrada de mercadorias para a Europa - e a traição está aqui -, Portugal neste momento é uma das principais portas de entrada para o tráfego de droga na Europa, será que com este exemplo negativo podemos tirar alguma exemplo positivo?

Obrigada.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Obrigado por avisar a sua traição. Mas, sabe, o nosso alheamento do que se passa no espaço oceânico que nos rodeia é tal, a nossa cegueira – cegueira no sentido de não termos capacidade de monitorização desse espaço, de vigilância -, é tal, o nosso desvalor do seu potencial económico é tal, que nós não temos a percepção em Portugal que toda a costa sul de Portugal, a partir duma zona do Alentejo, é um verdadeiro passador de estupefacientes para a Europa. E nós não temos, obviamente, neste momento, os meios adequados a fazer essa fiscalização.

E, portanto, não há dúvida nenhuma, o mar é importante não só pelas coisas boas mas também pelas coisas negativas. O mar é importante também pelos desafios e pelas ameaças que nos trás.

Há uma coisa muito interessante que é: nós temos de parar as ameaças que fazemos ao mar, mas também temos que nos proteger das ameaças que o mar nos trás, nomeadamente, através, por exemplo, da erosão da orla costeira, como temos visto ali na zona de Lisboa, da Caparica, as colocações de areia que estão a ser feitas lá por causa das alterações climáticas, por causa do aumento das tempestades, do aumento das marés. Há bocado eu falei no Prestige, mas a erosão costeira é uma das outras ameaças que nós temos sobre a economia portuguesa, porque a erosão das costas e das praias do Algarve, também vão produzir o mesmo efeito de deixarmos de ter turistas, porque as pessoas não vão para os hotéis para ficar a olhar para o mar das falésias, as pessoas vão para os hotéis para estar na praia.

Portanto, todas estas questões estão ligadas. Temos alguma tendência, por vezes, a não conseguir compreender o futuro de uma forma muito clarividente.

A questão os portos é um exemplo. Recebemos na Comissão Europeia com frequência grandes empresários asiáticos, da China, de Singapura, uns ligados aos transportes marítimos, outros ligados apenas ao sector produtivo das exportações, que nos vêm pedir “por amor de Deus” que façamos na Europa uma nova política para os portos, porque os portos da Europa tal como estão vão ser factores de estrangulamento do desenvolvimento económico desses países porque não vão dar vazão ao aumento do comércio internacional. E muitos dizem-nos: os portos da Europa como estão hoje, vão ser miniaturas daqui a dez anos.

Ou seja, é preciso ler os sinais do tempo, do futuro, e temos que nos adaptar a essas coisas.

Na questão da vigilância, é o mesmo problema. É a mesma problemática, na dependência que temos desses espaços marítimos. Nós, hoje em dia, não conseguimos fazer a correlação de uma coisa com a outra.

Por vezes, surpreendo-me como é que a Europa não tem uma mão mais pesada sobre Portugal no que diz respeito a esse flagelo, que depois vai ser, em última análise, um problema para todos os europeus. Até a questão da vigilância marítima é uma das questões primordiais.

Na política marítima europeia nós estamos a lançar, e agora com a presidência francesa, pela primeira vez, (e é altamente controverso porque diz respeito a segurança, e segurança começa a sair da esfera certamente da Comissão Europeia), um network, uma coligação das guardas costeiras europeias, e passar a ter reuniões anuais das guardas costeiras europeias, para discutirmos o problema da vigilância marítima.

Porque o problema da vigilância marítima coloca-se em dois níveis: um, a cooperação entre guardas costeiras de países diferentes. Não existe na Europa minimamente cooperação entre as guardas costeiras e os problemas no mar são transfronteiriços, por definição. O problema dos estupefacientes, o problema de outro tipo de criminalidade, o problema do terrorismo, o problema da imigração irregular, tudo isso, são problemas transnacionais, não dizem respeito a um país, por isso é necessário haver uma articulação entre eles. Nós descobrimos quando começamos a fazer este estudo que a guarda costeira sueca e a guarda costeira dinamarquesa, contactam por telemóvel quando têm de falar porque têm frequências diferentes, não conseguem entrar nas frequências uns dos outros. Isto mostra bem, a ausência de coordenação e de cooperação.

Por vezes, eu dizia, que o meu paradigma seria se calhar construir a Nato das guardas costeiras. Ou seja, ter formação idêntica, ter equipamentos idênticos, manter a soberania e jurisdição de cada país sobre as suas guardas costeiras, mas que houvesse de facto uma série de sinergias que pudesse potenciar as guardas costeiras e a vigilância da Europa, e assim reduzir a ameaça dos espaços oceânicos.

Por outro lado, há outra dimensão que queria referir: É que, com algumas excepções, a maior parte dos países europeus (e Portugal está entre eles), temos dez ou mais agências que fazem vigilância marítima. E essas agências fazem vigilância marítima de determinados e diferentes assuntos. Há quem faça a vigilância da guarda fiscal, que neste caso é a Guarda Nacional Republicana, depois há a polícia marítima, depois há o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, depois há a vigilância das pescas, depois há a vigilância.. E estas entidades não cruzam informações, não colaboram, não se coordenam, na medida que se deviam coordenar.

E, portanto, também há muito a fazer em termos de organização de vigilância marítima.

 
Duarte Marques
- Muito obrigado. Não sei se há mais alguma questão que queiram.. O Vasco já fez uma pergunta, dou prioridade à Irina.
 
Irina Martins
– Boa tarde. Muito obrigada pela sua intervenção aqui hoje, foi muito bom.

E eu volto um pouco à questão da vigilância. Tal como o Filipe sou do Algarve e preocupa-me bastante o mar, e a vigilância é uma coisa que há cada vez menos, mas vigilância quanto à poluição do mar. Porque nós estamos a acabar com os nossos recursos marítimos junto à costa, quer pelos barcos de arrasto que destroem o fundo marinho, quer pela poluição feita por esses mesmo barcos, quer pelos dejectos lançados ao mar, entre outras coisas.

Que medidas é que podem ser tomadas a curto prazo para que não venhamos a perder a longo prazo?

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- A fiscalização e a vigilância marítima na perspectiva da poluição e dos acidentes ambientais tornou-se uma política central europeia a partir do Erika e do Prestige.

Até ao Erika e o Prestige, a Europa não legislava sobre essa matéria, desde aí a Europa não parou de legislar sobre essa matéria.

Eu até costumo sempre dizer que encontrei um pouco em Bruxelas, uma União mais virada para terra do que para fora. Muito mais virada para uma política agrícola, muito mais virado para o eixo antigo de Paris-Bona. Não há uma única referência ao mar, aos oceanos, à pesca no Tratado de Roma em 57, não era essa a preocupação.

Depois começou a haver desde os anos 70 e através do tribunal a criação da Política de Pescas. Depois, da Política de Pescas, no princípio dos anos 90 com a falência da construção naval europeia e a concorrência dos asiáticos e da Coreia, começou a haver uma Política Industrial para a construção naval, foi o segundo passo, o terceiro passo foi de vigilância Marítima, que foi criada com o Erika e com o Prestige. Essa política foi ao ponto da criação de uma instituição, que é a Agência Europeia de Segurança Marítima que, está sediada em Lisboa.

E aí tenho que ser claro nessa coisa, a Agência está sediada em Lisboa pela determinação do Presidente Barroso , que na altura como Primeiro-Ministro de Portugal, não saía para nenhum encontro com nenhum homólogo sem levar a candidatura portuguesa à Agência de Segurança Marítima. Na altura a Comissão Estratégica dos Oceanos estava em pleno, e eu lembro-me de ter tido ocasião de lhe dizer que se nós perdêssemos essa organização da União Europeia. Nós não poderíamos ter grandes veleidades em criarmos aqui uma estratégia para o mar e em sermos um país que contribuísse para a Europa na área do mar. Nós tínhamos que trazer isso para cá. Podíamos não trazer outras agências, mas essa tinha de vir. E essa veio. Essa agência está em Lisboa. E está a fazer um belíssimo trabalho. Felizmente que não teve até agora de fazer um trabalho de combate a um acidente, porque não tem havido, de relevo, mas tem feito um enorme trabalho de prevenção. E muito de prevenção tem passado por a sofisticação dos mecanismos dos sistemas de monitorização. A interoperabilidade dos sistemas entre os Estados-membros, a detecção por satélite de lavagens de tanques. E o que essa agência está a fazer tem que ser replicado para os Estados-Membros.

Portugal atrasou-se muitíssimo com os VTS’s, que é o sistema de vigilância da costa, é através de radares, de vigilância, de utilização de recursos humanos das polícias marítimas que nós vamos poder pôr cobro a esse tipo de problemas. O que é certo é que há uma enorme diferença entre países. Por exemplo, a costa portuguesa continua a ser entendida por muitos como um costa negra, em que os barcos que aqui passam ao largo continuam a lavar os tanques e a fazer uma série de tropelias, que não têm coragem de fazer no Golfo da Biscaia, asseguro-lhe, porque têm um helicóptero da marinha francesa passados trinta minutos em cima deles, porque hoje em dia é muito fácil monitorizar, os barcos quando lavam os tanques diminuem de velocidade e tudo isso.

As coisas que eu vejo no Algarve são de arrepiar, posso estar deitado na Praia de Monte Gordo e ver o arrasto ali a 300 metros da praia em áreas altamente proibidas de fazer arrasto e lá estamos nós, milhares e milhares de banhistas a ver aquele arrasto, e não aparece nenhum meio de fiscalização.

Nós em Portugal somos muito maus no enforcement, ou seja, esta palavra inglesa, somos muito maus a impor a lei, somos bons a fazer leis, fazemos muitas leis, mas a fazê-las respeitar não somos muito bons e no caso da vigilância marítima isso é particularmente sentido porque são áreas muito complexas, áreas com grandes custo económicos, e, portanto, menos fazemos.

 
Duarte Marques
- A última pergunta para o nosso caro amigo Barroso, da Póvoa do Varzim. Junto ao mar, para fechar.
 
António Barroso
– Muito obrigado pela lição que nos deu, Dr. Pitta e Cunha.

Sou da Póvoa do Varzim e tenho orgulho de ser da terra que foi escolhida para ter um projecto de exploração de energia das ondas, que está a ser pioneiro, e esperemos que fortifique e tenho acompanhado, mas aquilo que me levou a questionar é o seguinte: porque julgo que muitas vezes em Portugal é necessário uma mão forte da União Europeia, e se calhar de Bruxelas neste caso, porque o que me entristece muitas vezes é a falta de uma política integrada e de nível nacional para dois pontos: um, já foi aqui referido que é a questão do desaçoreamento da costa, e que muitas vezes acontece porquê? Porque por exemplo, nos portos que com o tempo vão ficando (…)

(Um minuto inaudível)

(cont.) (…) excesso de areia e tem que ser retirada essa areia, muitas vezes é retirada completamente do mar e vendida muitas vezes cá fora, ou seja, o mar deixa de a ter, e nós sabemos que o movimento das ondas acaba por ter que a repor. E muitas vezes é por isso que a costa fica desaçoreada, porque novamente devido à forma do porto essa areia é novamente introduzida no porto, tendo o mar ido “roubar” às praias. E é isso que acontece.

E porque não, definitivamente, sempre que seja desaçoreada um barra essa areia tenha que ser reposta, nesta caso ao longo da costa, que é pelo menos o que os especialistas recomendam.

Outro ponto que, no fundo, também é preciso mão forte e que julgo que Bruxelas também que o fazer, e já o tem feito mas o país continua esquecido, que é a questão do tratamento das águas residuais que está completamente a pôr em causa, no fundo, o nosso turismo de costa.

E isto é que é importante que haja de cima a baixo, de Norte a Sul, um tratamento de águas residuais e uma aposta clara nesse tema, para que definitivamente possamos ter boas praias, praias com qualidade, porque não basta um concelho ter tratamento, os do lado não têm e as águas com o movimento acaba por ficar tudo contaminado.

Muito obrigado.

 
Dr.Tiago Pitta e Cunha
- Obrigado. Referiu aqui um tema que ainda não se tinha falado que é a questão da deriva das areias e das próprias areias, que se designam por inertes. Os inertes, os cascalhos, as pedras, as areias, também tem uma utilização económica. Neste momento, em Portugal, é proibido utilizar as areias do mar como actividade económica, e só se utiliza em questões de desaçoreamento dos portos.

Agora, eu não sei como é que esse desaçoreamento está a ser feito. O que eu oiço dizer é que as empresas que fazem o desaçoreamento dos portos, normalmente têm protocolos com os portos para colocar as areias em praias que perdem areia.

Obviamente que é conhecida e bem estudada em Portugal a deriva das areias, que é uma deriva de norte para sul, claramente, na costa ocidental do continente português. E, portanto, obviamente se metermos a areia a norte do porto, ela vai açorear novamente a seguir; se metermos a sul, vai açorear o porto que estiver mais a sul a seguir a essa praia. É inevitável.

É importante preservar as praias também, porque as praias por sua vez preservam as dunas, e as dunas preservam toda uma zona de interface entre o mar a terra que tem uma grande biodiversidade e uma grande importância na protecção dos solos agrícolas.

E, por isso, eu não sei se elas estão a ser ou não bem executadas.

O que eu acho que é muito interessante pensar quando falamos nas areias é que, ao contrário da maior parte dos países da Europa em que nalguns é proibido tirar areias dos rios, dos estuários ou a céu aberto das serras, em Portugal é proibido tirar a areia do mar. Nesses países é proibido tirar areia de terra porque se entende que criam um prejuízo para a biodiversidade muito maior e desequilíbrios muito maiores. E, portanto, na Grã-Bretanha, na Dinamarca ou na Holanda, só se pode utilizar para a construção das obras públicas areia tirada do mar. O que faz bastante sentido, ainda por cima conhecendo-se as derivas. Sendo que a nossa areia vem de cima para baixo, a areia que nós não utilizarmos vai dar a Marrocos, e portanto, é um recurso que passa pela costa portuguesa e que nós não utilizamos.

Além disso, se pudéssemos utilizar esse recurso, estaríamos talvez a evitar problemas tão graves como aquele que aconteceu Entre-os-Rios, que foi muito resultado da extracção de areias selvagem num rio português. Quando uma pessoa vai, é absolutamente incompreensível para qualquer europeu chegar à Serra de Sesimbra, ali ao pé de Lisboa, e ver os buracos daquela serra, aquilo parece um queijo Gruyère, quer dizer, é absolutamente impressionante, os buracos de todas as saibreiras e as pedreiras que existem na Serra da Arrábida que devia ser absolutamente preservada e intocável.

Há uma coisa que é curiosa, se repararmos quando andamos de avião e quando estamos a fazer a aproximação a Lisboa, vindos de qualquer país do Norte da Europa, vindos por cima, o número de pedreiras a céu aberto que existe neste país é uma coisa absolutamente espantosa, isto não existe nos outros países, não se vê. Há poucas, e as que já foram utilizadas, fecham-se.

E, portanto, é muito interessante pensar nesta forma da extracção das areias que podia ser uma actividade económica rentável e podia evitar todos estes problemas ambientais que em países que têm maiores preocupações nestas áreas, já não é admissível continuar.

No que diz respeito à questão das águas residuais. Bom, aí, isso traduz um pouco, enfim, o estádio de desenvolvimento de um país. Portugal fez progressos enormes nessa matéria, apesar de tudo, nos últimos 20-30 anos fizemos enormes progressos nessa matéria. De certeza que não estamos ainda ao nível de muitos outros países e isso reflecte-se às vezes até nas bandeiras azuis das praias portuguesas que oscilam bastante e que não têm conseguido arrancar, nos últimos anos, para patamares mais elevados. Temos conseguido manter, às vezes há umas que perdem, temos anos bons e anos maus, eu não consigo compreender o que é que produz estes resultados, de vez enquanto temos um ano mau, passados dois anos temos um ano bom. Portanto, não sei muito bem como é que é feita esta monitorização. Sabemos é dos casos de verdadeiros escândalos ambientais que existem nas praias portuguesas, nalguns lugares em que há enormes poluições, nomeadamente onde há pecuária e indústrias desse tipo em Portugal. Temos é que ser vigilantes.

E nós, isso é uma coisa muito para os cidadãos, para os poderes públicos locais. Estar vigilante dessas matérias e não pactuar minimamente com as situações que não permitem ainda que as águas tenham qualidade de vida.

A nova directiva do mar que vai sair, vai reforçar em muito a vontade das pessoas que querem parar com estes problemas.

 
Dep.Carlos Coelho
- Muito obrigado, Dr. Tiago Pitta e Cunha pela excelente intervenção que produziu e pela resposta a todas as perguntas que lhe foram colocadas.

Eu agora vou acompanhar com o Duarte Marques o Dr. Tiago Pitta e Cunha, peço à Zita e aos Avaliadores que tomem em mãos o processo do costume. E eu volto aqui, tenho três apelos para vos fazer.

Sr. Dr. Tiago Pitta e Cunha muito obrigado.

(Aplausos)

 
Ana Zita Gomes
- Vamos então fazer a votação novamente. Vamos votar por filas.

Votação

Muito obrigada.

 
Dep.Carlos Coelho
- Três coisas breves.

Primeiro, não se esqueçam que agora à saída têm que depositar o vosso voto de avaliação desta sessão, avaliação do tema, bem como aquele impresso do “Eu aprendi que”, três, duas, uma, ou se não aprendeu nada, um risco, mas são votos obrigatórios.

Em segundo lugar, para vos recordar que os trabalhos de grupo começam às 17h30. Há agora entre as 17h00 e as 17h30, há uma espécie de lanchezinho, uns sumos e uns bolos no primeiro andar, para descontrair um bocadinho, às 17h30 os grupos recomeçam no sítio onde reuniram ontem. Portanto, onde reuniram ontem os vossos grupos, ontem à noite, hoje vão reunir às 17h30.

Eu vou pedir só aos 10 Coordenadores para ficarem 5 minutos para ajustarmos uma coisa.

Até já.

 

 

 

 
10.00 - Avaliação da UNIV 2008
12.00 Sessão de Encerramento da UNIV