ACTAS  
 
9/2/2008
Problemas Fundamentais da Economia Portuguesa: Porque precisamos de uma Nova Política Económica"
 
Dr.Pedro Rodrigues
- Um dos Professores da mais prestigiada faculdade de gestão da Europa, está hoje entre nós, para nos falar sobre “Os problemas fundamentais da economia portuguesa”.

O hobby do Sr. Prof. António Borges é a agricultura e natureza.

A comida preferida: cozinha portuguesa, especialmente peixe-grelhado.

O animal preferido: é o cavalo.

O livro que sugere: “Development as freedom”.

O filme que sugere é “Vida dos Outros”.

E a principal qualidade que mais aprecia é o espírito de iniciativa e o gosto pelo trabalho em equipa.

Sr. Professor muito obrigado por ter aceite o nosso convite e o chão é seu.

(APLAUSOS)

 
Dr.António Borges
- Muito obrigado e bom dia a todos. Em primeiro lugar, bem vindos a este extraordinário projecto, que é das coisas mais interessantes que existe no nosso país na área política. Gosto muito de ver o vosso entusiasmo, o vosso interesse e o vosso empenhamento, mas tenho também que vos felicitar porque, como sabem, isto é uma universidade em que é muito difícil entrar, e essa como todos com certeza conhecem é a grande qualidade de todas as boas escolas, é que só entram os melhores.

E portanto, a minha primeira palavra é de parabéns por terem sido escolhidos para estar aqui, há muitos outros que bem gostariam de cá estar e que não tiveram essa felicidade. É claro que há aqui também uma contrapartida que é a responsabilidade. Nós estamos aqui para tratar do nosso país, para tratar do interesse nacional, estamos aqui para debater em conjunto aquilo que são os nossos problemas fundamentais e encontrar soluções, e portanto, cada um de nós, depois tem de assumir essa responsabilidade a seguir, e combater por essas soluções, transformar-se num elemento de animação, de mobilização e de verdadeiro empenhamento nas questões de Portugal.

O nosso país hoje não está bem, como sabem. E, não está bem, não continuará bem se nós não o mudarmos. E portanto em democracia o país é aquilo que nós quisermos que seja e cada um de nós tem que mostrar aquilo que é capaz para transformar o mundo em que vivemos e em particular à nossa volta.

Portanto, é esta a nossa responsabilidade hoje.

(APLAUSOS)

Só uma palavra de agradecimento muito especial ao Instituto Francisco Sá Carneiro e à Juventude Social Democrática por terem esta extraordinária iniciativa, por a conduzirem com tanto rigor e tanta qualidade, se tudo em Portugal fosse como a Universidade de Verão do PSD, o país era muito diferente daquilo que é, posso-vos garantir.

Portanto, meus caros amigos, muitos parabéns e muito obrigado.

O tema de que vamos falar é de economia, naturalmente. Não quer dizer que seja o tema mais importante do país, mas é um tema que nos afecta a todos, é um daquelas onde temos tido maior insatisfação e maior desânimo. E portanto, aquilo que nos interessa hoje debater aqui é porquê?

Porque é que o nosso país não tem um bom desempenho? O que é que nos leva a estar sistematicamente muito abaixo daquilo que poderíamos concretizar e, sobretudo, aquilo que é nossa ambição? Há-de haver uma explicação.

Infelizmente muitas das explicações são completamente falsas, há sempre aqueles que dizem que Portugal está condenado a ser um país atrasado, que os portugueses são uns incapazes, que não temos qualidades para nada. E, por outro lado, há também aqueles que encontram sempre desculpas lá fora: há umas crises internacionais, dá impressão que são permanentes e que nos impedem de crescer e de nos desenvolvermos, etc., etc.

Ora, o ponto que eu queria debater hoje convosco é exactamente o oposto disto. Portugal tem todas as condições para ser um país bem sucedido, como já demonstrou muito bem em períodos até recentes da nossa história, portanto, não há nada, não há nenhum handicap, não há nenhum obstáculo, não há nenhuma dificuldade inultrapassável que nos impeça de ser bem sucedidos. Pelo contrário, nenhum país é bem sucedido se for mal governado.

E, portanto, a minha tese hoje é de tentar convosco estudar, analisar a política económica que tem sido seguida, a razão pela qual ela é responsável pelo nosso atraso e pela nossa dificuldade em acompanhar os mais avançados. E também a razão pela qual se não mudarmos o país também não vai, qualquer que seja a situação internacional, sair deste desempenho muito insatisfatório e muito medíocre.

Portanto, precisamos de facto uma política económica diferente, vamos aqui em conjunto debater este ponto.

Eu vou-vos apresentar as minhas ideias iniciais, às vezes até de uma forma um bocadinho provocatória, digamos, ou um bocadinho radical para depois gerar a vossa reacção e para que tenhamos aqui um debate mais vivo.

Ora bem, o sumário que eu pretendo tratar é este:

Em primeiro lugar, ninguém tem dúvidas que temos uma performance muito insatisfatória, que Portugal está muito abaixo daquilo que poderia conseguir, e que há-de haver uma explicação para isto e há-de ter uma série de problemas que nós agora tratamos como se fossem crónicos, habituámo-nos a eles e já consideramos normal.

Por exemplo, o problema talvez mais grave de todos, que é o do Desemprego. É a primeira vez que Portugal tem um desemprego persistente, alto, durante muitos anos. Nunca nos aconteceu no passado. Já tivemos períodos de desemprego alto mas rapidamente ele desaparecia. Agora, pelo contrário, parece que nos habituámos à ideia de que uma taxa de desemprego elevada é uma coisa normal, o que é um fenómeno grave.

Portanto, primeiro ponto, rapidamente percebermos o que é que está mal no nosso país.

Segundo ponto, dar-vos uma ideia do que tem sido a política económica actual. Não é de hoje, já vem de há muitos anos atrás. O Partido Socialista tem estado no poder 10 anos, nos últimos 13, é aí que está, de facto, o cerne da questão. Simplesmente este governo tinha condições até políticas para ter uma modificação profunda daquilo que é a nossa política económica, e optou por não o fazer. Antes pelo contrário, persistiu em erros que já vêm de trás, mas que se foram acentuando. E este é o ponto que, enquanto não for mudado não nos permite ter grandes esperanças quanto ao futuro do país.

Depois, há aqui uma questão central muito pouco debatida, aliás, o tema principal que eu vos queria dar ideia hoje é que, a razão pela qual a política económica é errada, é porque nós curiosamente, estranhamente, ainda não nos demos conta de que estamos num regime diferente desde que entrámos para a moeda única.

Portugal entrou para a moeda única ao mesmo tempo dos outros todos, ficámos radiantes e orgulhosos com esse êxito, que aliás foi preparado ao longo de muitos anos, e depois a partir daí foi como se nada tivesse mudado. E continuámos a cometer erros que já vinham da nossa tradição, alguns deles, mas que se foram acentuando porque realmente o ambiente, o enquadramento da moeda única em que nós hoje vivemos tem a particularidade de nos permitir fazer coisas extraordinárias, mas tem também um nível de exigência muito mais alto. Se nós esbanjarmos essas oportunidades, se nós utilizarmos mal os recursos que a moeda única nos fornece, então o preço a pagar é muito, muito caro.

E esta é que é a razão pela qual os problemas se têm vindo a agravar e a tornar permanentes e persistentes. É que a maior parte dos nossos políticos, como aliás dos nossos analistas, dos nossos comentadores, da opinião pública em geral ainda não se deu conta da mudança profunda que existe no país, desde que entrámos para a moeda única e do desafio que isso representa em termos de nomeadamente de exigência quanto à forma como aplicamos os nossos recursos.

Numa palavra, a moeda única trouxe-nos um acesso extraordinário de financiamento externo, como nunca existiu no nosso país, uma capacidade de ir buscar ao exterior a poupança que nós cá dentro não temos, e isso é positivo, claramente positivo se conseguirmos mobilizar bem esses recursos; mas depois temos de aplicar essa poupança bem, produtivamente. E se não o fizermos, pagamos um preço muito caro.

É este o tema central daquilo que é a nossa problemática actual de dificuldade.

E portanto, não admira que eu queira falar um pouco aqui de poupança, poupança interna, poupança externa. Nós infelizmente habituámo-nos a poupar muito menos do que no passado, e a ir buscar ao exterior o financiamento de que necessitamos, a questão é depois de ter condições para pagar esse financiamento no futuro.

O problema do endividamento externo do país, que nunca foi tão alto, tem que ser uma questão central, tem que ser debatida por todos nós, porque o que está aqui em causa é justamente o nosso futuro.

Depois, factores de crescimento económico. Uma das grandes confusões com que nós nos debatemos é, pouca gente percebe o que é o crescimento económico num país como o nosso. Fala-se muito no enorme sucesso da China ou da Índia, por exemplo, com taxas de crescimento altíssimas, dos países grandes produtores de matérias–primas ou petróleo, como o Brasil ou a Rússia ou Angola ou coisa assim, e as pessoas perguntam: porque não nós? Bem, petróleo não temos, matérias-primas também não, mas podemos fazer como a China e como a Índia.

Nada disso! Nós não temos nada a ver com países que estão num estádio de desenvolvimento muito, muito diferente do nosso. Nós somos uma economia muito mais avançada, integrada num espaço, que é o espaço europeu que é dos mais avançados do mundo, e portanto, temos que ter um modelo económico completamente diferente. Precisamos de perceber quais são os factores de crescimento que realmente contam num país como o nosso, porque se formos aplicar políticas e medidas que vêm de países que não estão na mesma fase de desenvolvimento, as coisas tornam-se contraproducentes. Este é talvez um dos temas mais difíceis de compreender, é que a maior parte dos nossos observadores não se dá conta que há muitas coisas que nós fazemos hoje e que estão erradas, não só representam desperdício de recursos, mas são de facto contraproducentes, traduzem-se num peso morto na economia que trava o nosso crescimento.

Este é outro dos pontos que eu gostava de tratar. E daqui resulta uma série de problemas que são verdadeiramente estruturais. Os nossos problemas de crescimento económico não são uma coisa de conjuntura, não estão ligados à crise internacional, não são dos últimos meses ou dos últimos trimestres, são de há dez anos para cá. E por isso são problemas profundamente estruturais. Se não mudarmos a estrutura da economia não conseguimos arrancar.

Em que é que esse problema estrutural se traduz? Traduz fundamentalmente naquilo que eu chamo um dualismo muito grande, que toda a gente conhece, porque é absolutamente patente: enquanto há sectores da economia, extremamente prósperos, e empresas que ganham tanto dinheiro que não sabem o que é que hão-de fazer com esse dinheiro, e acabam por ir investi-los no estrangeiro em projectos completamente fantasmagóricos; depois, há o resto da economia, provavelmente bem mais de metade, que está asfixiado com problemas de sobrevivência, com dificuldades enormes em recuperar o seu atraso. E é este dualismo, este contraste entre sectores e empresas que estão bem e outras que estão com imensas dificuldades, que é o nosso problema estrutural principal.

É claro que a política económica é sempre o resultado da defesa, do confronto de muitos interesses, temos que perceber porque é que ela é o que é, que interesses é que estão a ser defendidos, qual é a forma como o governo utiliza os mecanismos que tem de controle da economia para fazer avançar os seus objectivos políticos.

E depois terminarei com os elementos fundamentais de uma política económica radicalmente diferentes, que essa sim, se dirige a estes problemas que eu aqui falei.

Não preciso perder muito tempo sobre aquilo que é o nosso desempenho económico, porque ele é de facto muito insatisfatório.

Deixem-me rapidamente dar-lhes uma ideia. Crescimento económico, comparando o nosso país seja com quem for, praticamente, o crescimento económico português desde há muitos anos que é muito inferior ao de quase todos os outros, tirando países em crises profundíssimas no mundo sub-desenvolvido. No ambiente em que nos integramos dos países avançados, mesmo em relação a países que não estão nada bem, por exemplo, a Itália, a França, a própria Alemanha, que têm um crescimento económico relativamente moderado e tal, nada de extraordinário, mesmo em relação a esses nós não conseguimos acompanhar. E não é do último mês, nem do último trimestre, é de há dez anos a esta parte, praticamente.

Portanto, há aqui uma performance sistemática de insuficiência de crescimento, divergência sistemática. E então se compararmos com os melhores, como exemplo aqui neste gráfico, o caso da Irlanda, vê-se rapidamente qual é o atraso que nós estamos a acumular.

Os gráficos todos que eu tenho aqui para vos mostrar são de 2000 a 2007, portanto, temos aqui 8 anos, que são um período suficientemente longo para nos darmos conta de que não estamos a falar das últimas dificuldades das últimas semanas, estamos a falar de um problema profundo que já dura há muito tempo e que tem que ser profundamente alterado.

É claro que não tenho aqui dados de 2008, nem me interessa, em 2008 há de facto uma desaceleração da economia mundial, há uma crise financeira importante que nós conhecemos, que trás dificuldades para todos; não é esse o ponto, crises há sempre como também há períodos de grande prosperidade, o ponto é que de facto há aqui um carácter sistemático na nossa evolução económica que se traduz por uma má performance e é isso que me interessa acentuar ao longo dos anos.

Depois, o desemprego. O desemprego é um tema central, e é um tema central porque nós estamos com uma certa tendência para não o levar suficientemente a sério. Não pode haver uma sociedade desenvolvida, sem pleno emprego. E nós, em Portugal, tínhamos essa tradição, tivemos as nossas crises, tivemos os nossos períodos de dificuldade, foi preciso aplicar políticas de austeridade, foi preciso vir o Fundo Comunitário Internacional governar o país em certas alturas, etc., e, portanto, tivemos alguns momentos em que o desemprego subiu muito mas depois voltava ao normal, voltava a taxas de desemprego entre os 3,5 e os 4%.

E, portanto, havia um regresso ao pleno emprego que nos dava muita tranquilidade e muita segurança. Hoje em dia não, hoje em dia o desemprego está extraordinariamente elevado, o dobro daquilo que normalmente era quando estávamos em pleno emprego, de uma forma crónica, persistente e dá impressão de que ninguém se preocupa muito com isso. E quando o desemprego desce de 7,8% para 7,7%, fica tudo radiante, como se de facto tivéssemos feito um progresso extraordinário.

Isto para termos uma ideia de até que ponto estamos longe daquilo que deveriam ser os nossos grandes objectivos, e daquilo que o país normalmente conseguia ainda não há muito tempo.

O problema do desemprego está muito ligado à política económica, como vamos ver daqui a pouco, e enquanto ela não for mudada não podemos ter grandes esperanças nesta matéria também.

É claro que com o desemprego elevado os salários não progridem. E nós temos uma evolução salarial extremamente triste, deprimente, nós não podemos ser um país de gente pobre, sobretudo quem trabalha. E, portanto, enquanto não invertermos esta tendência as pessoas têm todas as razões para estarem desanimadas e descontentes.

Ao mesmo tempo assistimos a uma extraordinária concentração de poder económico. Na nossa História, raramente, ou se calhar nunca, tivemos tanta concentração de poder económico em tão poucas empresas, ou grupos com um força enorme, com uma ligação muito forte ao poder político, mas com uma certa asfixia da economia – este ponto é central. Isto é, não são as grandes empresas que fazem o crescimento, o desenvolvimento da economia e, sobretudo, não são as grandes empresas que criam emprego. Em todos os países, não é em Portugal, estou a falar dos Estados Unidos, ou da França, ou da Inglaterra. O emprego é criado pelas pequenas e médias empresas. As grandes empresas, como lemos no jornal todos os dias, estão sempre a tentar reduzir pessoal, sempre, sempre, por melhor que esteja a sua situação económica.

Portanto não é aí que está o futuro do país, não é aí que está o crescimento, a inovação e sobretudo o emprego.

E por outro lado, quando as grandes empresas têm uma situação extraordinariamente favorável, muitas vezes é à custa das pequenas e médias. E, portanto, muitas vezes o seu sucesso e a sua prosperidade se traduz em custos mais elevados para o resto da economia. Isto é um fenómeno que se verifica em muitos países, que em Portugal é particularmente acentuado, porque de facto ao relativo fracasso do desenvolvimento económico geral, contrapõe-se uma prosperidade muito grande de um certo numero de grandes empresas que, de facto, mantém uma taxa de rentabilidade extremamente elevada.

Isto é talvez um dos sintomas mais importantes do falhanço da nossa política económica. Portugal não é as grandes empresas cotadas em bolsa; Portugal são 10 milhões de pessoas que têm todo o direito a ter carreiras profissionais, a serem prósperas, a investir, a criar valor, a desenvolverem-se, e enquanto a política económica for canalizada, como é hoje, para proteger grandes empresas portuguesas, acabamos por asfixiar o resto da economia.

É claro que daqui resulta também uma grande desigualdade na distribuição de rendimentos. Portugal é dos países da Europa com uma distribuição mais desigual, porque de facto a prosperidade de alguns contrasta com uma situação sistematicamente mais difícil de outros. Isto tem muito que ver com a evolução justamente dos salários, tem muito que ver com o tal dualismo económico, tem também consequências muito importantes do ponto de vista regional, hoje a desigualdade entre as regiões é crescente, e em particular é absolutamente aflitiva no Norte do país, que era uma das regiões mais dinâmicas com uma capacidade empresarial mais significativa no passado e que hoje é das regiões mais pobres do país, de uma forma que não pode deixar-nos senão muito preocupados.

E, por último, há aqui um ponto que todos temos consciência, basta ler o jornal, basta ouvir aquilo que são as preocupações dos nossos dirigentes empresariais, que é o facto do país estar praticamente à venda.

Não há activos portugueses, propriedades, terrenos, empresas, etc., que não estejam na mira de interesses estrangeiros que gostariam de os comprar. E portanto, há aqui um problema, aliás, preocupante, porque tem também que ver com a nossa própria independência e tudo o mais, de que neste confronto internacional nesta Europa aberta de que nós quisemos fazer parte, nós estamos a ser o alvo do interesse aquisitivo de todos os outros, e do nosso lado não há a mesma capacidade de afirmação. Não só de afirmação das nossas empresas, mas também e aquisição no exterior.

E, portanto, há aqui um ponto que também temos que perceber e compreender bem: porque é que as empresas portuguesas estão todas na mira, porque é que estão todas a ser sistematicamente compradas, e quando não são é porque são protegidas pelo governo para não serem, o que de outra forma indicaria que estão todas muito vulneráveis e muito frágeis. Há aqui também um elemento de insegurança que nos interessa compreender, porque isto tem tudo a ver com o modelo que tem sido seguido, a política que tem sido posta em prática.

Ora bem, e que política é essa?

E aqui voltamos à tal concepção errada que já dura de há muito tempo, que é a seguinte: os nossos governos socialistas têm continuado a insistir na ideia de que é a despesa que comanda a economia.

Que é preciso estimular a despesa, seja ela qual for, para que o país cresça mais. Se as empresas têm dificuldades, bem vamos aumentar o consumo, vamos aumentar a despesa pública, vamos aumentar o investimento, vamos, enfim, de alguma forma garantir que há mais procura, para que as empresas tenham mais facilidade em vender os seus produtos, aumentar a sua actividade económica.

E, portanto, acabamos por ter uma política expansionista que não dá quaisquer resultados. Esse é que é fenómeno estranho. E reparem: é preciso ter um certo cuidado aqui porque alguns elementos da política que tem sido seguida que são menos expansionistas, como por exemplo, a contenção da despesa orçamental, que tem existido; mas há outros que mais do que compensam isso, como por exemplo a extraordinária ênfase em projectos absolutamente gigantescos, que se destinam precisamente a estimular a actividade económica nesta concepção errada que tem sido posta em prática nos últimos anos.

Como nós não temos capacidade de nos financiarmos, bem, não há problema, recorremos ao financiamento externo. Estimulamos a despesa, lançamos estes projectos, tentamos aumentar o consumo, o investimento das empresas, etc., recorrendo ao financiamento externo. E, portanto, se for preciso lançamos grandes investimentos.

O ponto é que, porque é que esta política é errada? Porque senão houver resposta da nossa capacidade produtiva, este estímulo à despesa não se traduz senão em mais importação. E este é que é o ponto central que convém nunca perdermos de vista.

Se fossemos uma economia fechada, se vivêssemos isolados do resto do mundo, então de facto essa perspectiva dita Keynesiana como dizem os economistas, de que estimulando a despesa se estimula a actividade económica, talvez fosse aceitável. Mas não é essa a realidade do país de hoje, sobretudo desde que estamos na União Europeia, e em particular com a moeda única.

Estamos completamente abertos ao que se passa no resto do mundo e no resto da Europa. E cada vez que nós aumentamos a despesa, seja em consumo, seja em investimento, seja em gastos, seja no que for, cada vez que nós aumentamos a despesa se não aumentarmos a nossa capacidade produtiva ao mesmo tempo, esse aumento de despesa traduz-se apenas em maior deficit externo, em maior importação. E todo esse estímulo vai para o exterior, e todo esse nosso endividamento com o qual financiámos essas despesas só serve para sair outra vez na importação e estimular as economias estrangeiras, se quiserem.

O problema central não pode ser estimular a despesa. Não pode ser lançar projectos megalómanos na perspectiva de que com isso vamos reanimar a economia. O problema fundamental tem que ser: como é que nós aumentamos a capacidade produtiva. Como é que nós permitimos que as empresas portuguesas respondam às oportunidades.

Portugal já tem hoje um deficit externo muito grande, dos maiores do mundo. E, aliás, nunca seria possível ter um deficit externo tão grande se não estivéssemos na moeda única, se não estivéssemos no euro. Noutro tempo, quando tivemos deficits destes era a bancarrota cambial rápida, era o Fundo Monetário Internacional a governar o país, era a desvalorização brutal da moeda, etc.

Portanto, é por estarmos na moeda única que podemos financiar um deficit externo tão grande. Mas o ponto é que o deficit externo não é senão o facto, ou o sintoma ou a resultante de estarmos a gastar de mais, produzir menos do que aquilo que gastamos. E quando nós gastamos de mais em relação àquilo que produzimos, naturalmente que esse excedente vai para o deficit externo. É em termos de importações muito acima das exportações.

Em qualquer economia do mundo, isto é um resultado absolutamente incontornável, o deficit externo é a agregação das contas de todos os agentes económicos. Se nós pegarmos nas famílias portuguesas todas, nas empresas portuguesas todas, no Estado, enfim, toda a gente do país e fizermos a consolidação das contas desta gente toda, o resultado que fica é o deficit externo. Quer dizer, quando há um déficit externo é porque no seu conjunto o país está a gastar mais do que produz; quando há um superávit está a produzir mais do que gasta. Por exemplo, a China tem um superávit externo gigantesco, porquê? Porque tem uma taxa de poupança altíssima, porque produzem muito e gastam pouco, daí que tenham capital para tudo e para mais alguma coisa, para todos os projectos, para todas as infra-estruturas, para o que quiserem, mas daí também que tristemente têm um nível de produção muito acima daquilo que é a sua capacidade de consumo, daquilo que é o nível de vida e a qualidade de vida das pessoas. E portanto, sacrifica-se muito as gerações presentes para garantir um nível de poupança para investir para o futuro.

Cá em Portugal estamos em situação oposta. Gastamos muito mais do que aquilo que produzimos e, portanto, há aqui inevitavelmente um deficit externo grande, uma saída para o exterior desse gasto excessivo.

Por outras palavras, se nós não temos uma resposta rápida das nossas empresas não é por falta de mercado, é por falta de capacidade competitiva. Isto é, se as empresas portuguesas não têm condições de competitividade, tudo aquilo que nós gastarmos a mais não vai para elas, vai para as suas concorrentes estrangeiras. Tudo aquilo que as famílias portuguesas eventualmente com mais dinheiro no bolso queiram despender, tudo aquilo que os empresários queiram investir vão gastar, se não for oferecido pelas empresas portuguesas em condições de competitividade, não fica cá vai para o estrangeiro.

E este tema central é fundamental, não interessa estimular a despesa, não interessa provocar mais gastos, mesmo de investimento - notem bem -, mesmo de investimento, se com isso ou se ao mesmo tempo, não se conseguir que as empresas funcionem melhor, sejam mais produtivas e mais competitivas, porque todo esse estimulo vai para fora. E portanto, estamos apenas a endividarmo-nos no estrangeiro para estimular as economias externas, que é a coisa mais louca e mais insensata que se pode fazer.

No meio disto tudo e perante as dificuldades com que as empresas se defrontam, o governo opta por protegê-las, proteger nomeadamente as grandes, e ao menos ter uns exemplos de casos bem sucedidos.

Mas quais são as empresas que são protegidas? São as únicas que podem ser protegidas, que são as que estão voltadas para o mercado interno e que não têm concorrência estrangeira. Essas é fácil de proteger pela regulamentação, por todos os níveis de proteccionismo que existem, pela forma como o Estado gere os seus contratos e tudo o mais. Essas são muito fáceis de proteger; as outras todas que estão expostas à concorrência estrangeira, que são a grande maior das empresas e mais de metade da economia, acabam por ficar entregues à sua sorte, digamos. E enquanto as coisas assim se passarem não há processo nenhum de crescimento económico possível, ainda que algumas empresas sejam muito ricas e muito prósperas.

E, depois, no meio disto tudo, há muito window dressing que é uma das grande novidades da política portuguesa, esta forma extraordinária como as coisas nos são apresentadas diariamente na comunicação social, como se o país estivesse no melhor dos mundos, como se o governo soubesse fazer tudo e mais alguma coisa da forma mais perfeita. Na realidade, muito daquilo que nos é comunicado sistematicamente não tem conteúdo. Aqui o melhor exemplo é, evidentemente, o plano tecnológico, que até teria sido uma belíssima ideia se tivesse sido em prática, mas que nunca se traduziu em nada de concreto a não ser a suposta banda larga para toda a gente e uns computadores nas escolas e não sei que mais.

O que é que isto tem a ver com a capacidade produtiva do país? Como é que isto ajuda as empresas portuguesas a confrontarem-se com os seus concorrentes estrangeiros? De forma extraordinariamente marginal, não tem praticamente impacto, pode via a ter impacto daqui a 10 ou 20 anos.

Mas não é esse o ponto, o ponto é que hoje, hoje em dia ou as empresas portuguesas dão um grade salto em termos qualitativos de inovação, tecnologia, etc., ou não têm condições de concorrência e, portanto, é preciso fazer alguma hoje de concreto por elas. Não é ideias vagas sobre o que no futuro poderá eventualmente ter impacto, porque as crianças hoje na escola vão desde os cinco anos trabalhar com a Internet. Não é que isto seja uma má ideia, claro que é uma boa ideia, mas não é isso que vai resolver o nosso problema de hoje.

E muitas outras medidas que vão sendo anunciadas, que vão sendo apresentadas, mas que na prática não têm conteúdo substancial, não afecta o problema central.

Vamos então aos problemas centrais.

O da poupança. Não há crescimento económico sem poupança. Nós podemos em certa medida utilizar a poupança externa, podemos ir buscar o capital ao estrangeiro, mas se não tivermos um mínimo de poupança nacional capaz de sustentar o investimento do país, acabamos por acumular um nível de endividamento que se transforma num peso impossível de sustentar, porque se traduz depois em exigências muito, muito altas de rentabilidade.

Nós temos que ter presente que de facto podemos recorrer à poupança externa, mas ela não é de graça, ele exige pagamento, exige contrapartida. E portanto, o nível de produtividade/rentabilidade com que essa poupança é aplicada tem que ser extraordinariamente exigente. E, pelo contrário, a nível interno, aquilo a que nós assistimos é uma evolução muito, muito preocupante daquilo que é a poupança interna portuguesa.

No nosso país, recordem que há 20 anos atrás Portugal tinha das taxas de poupança mais altas do mundo, chegou a haver alturas em que chegámos a ter taxas de poupança acima dos 30%, quase como a China. Mas hoje não, hoje o valor da poupança desapareceu, reparem como estes números mostram que a poupança nacional tem descido para valores muito preocupantes, dos mais baixos do mundo. E sobretudo a poupança das famílias, hoje em cerca de 6% do rendimento disponível, é extraordinariamente baixa.

Portanto, dá a impressão que vivemos no presente. Ora como é que é possível manter um crescimento económico rápido, que existe níveis de investimento sérios, etc., sem ter os recursos para isso?

A Dra. Manuela Ferreira Leite, aqui há tempos, disse que o país não tem dinheiro. É isto. É este o ponto. Estão a ver. Para se investir é preciso ter capital, para ter capital é preciso poupar. E quando se perde o sentido do valor da poupança, estamos a ter um handicap enorme para o nosso crescimento económico futuro.

Reparem que isto é a contrapartida daquela ideia que vos falava há pouco que é a de que é preciso estimular a despesa, que só se consegue crescer estimulando a despesa, levando os consumidores a gastar mais, as empresas a investir mais, o Estado… Ora bem, isso é exactamente o contrário do que nos interessa. O que nos interessa é pelo contrário estimular a poupança, levar as pessoas a recuperar o gosto por investir no futuro, e utilizar esse capital para de forma muito criteriosa e seleccionada, investir bem. O que nós estamos a fazer é o oposto disto. É ir buscar o capital ao estrangeiro, endividamo-nos no estrangeiro para investir mal. E não é muito difícil ver como é que este processo acaba.

A poupança evolui desta forma por muitas razões, algumas aliás são difíceis de perceber completamente, mas o que é facto é que nós temos feito todo o possível por eliminar os estímulos à poupança.

Dou-lhes dois exemplos. O primeiro é a Segurança Social. A Segurança Social é em todos os países mais evoluídos do mundo, por exemplo na Escandinávia que não pode ser acusado de ser um país de capitalismo neo-liberal, selvagem, não sei quê, antes pelo contrário, a Segurança Social é um dos mais importantes mecanismos de estímulo à poupança. Porque as pessoas poupam para financiar a sua própria reforma, porque as pessoas sabem quando põem dinheiro de lado esse dinheiro é investido e no futuro têm pensões mais altas e sobretudo têm segurança de saber que o dinheiro lá está, que é deles, que está tranquilo, está protegido, está investido, e que vai ser rentabilizado no momento da poupança.

Ora nós em Portugal abandonámos completamente esta ideia, apesar de todas as propostas que o PSD tem feito nesta matéria, o governo insiste sistematicamente que a Segurança Social tem que ser meramente redistributiva. Tem que ser tirar a uns para dar a outros. E portanto, o que eu pago hoje para a segurança social não tem impacto nenhum, não me dá nenhuma tranquilidade, nenhuma segurança no que respeita à minha reforma futura.

Portanto, um dos elementos mais importantes de estímulo à poupança, daqueles que as pessoas sentem e vivem mais dentro de si, foi eliminado completamente por esta recusa profundamente ideológica de considerar que a poupança pode ser capitalizada para pagar reformas futuras.

E, depois há outros casos mais caricatos ainda, reparem, uma das coisas que os portugueses muito apreciavam eram os chamados Certificados de Aforro, que era uma forma segura, tranquila, com uma rentabilidadezinha interessante de ir aplicando as suas poupanças. O governo acabou quase com eles, alterou de tal maneira a sua rentabilidade que as pessoas passaram a vender a desfazerem-se dos Certificados de Aforro.

Mais um estímulo à poupança que desaparece. E entretanto aparece-nos uma crise financeira internacional, e o governo está hoje a financiar-se a taxas muito mais altas do que aquelas que pagava antes nos Certificados de Aforro. Admito que a intenção não fosse essa, mas foi dos erros mais gritantes destes últimos tempos, porque de facto acabou-se com um bom estímulo à poupança e o Estado finalmente paga mais caro pela sua divida, que é uma coisa realmente, absolutamente contraditória.

Passemos agora à questão do endividamento externo - dos mais altos do mundo, como eu dizia. Deixem-me dar-lhes uns números. Isto aqui é a nossa conta corrente com o exterior. Todos os anos o que é que nós ficamos a dever, o que é que nós não pagamos, o que é que nós importamos sem pagar do resto do mundo. Temos vários países aqui e Portugal é a barra vermelha com um deficit externo de 10% por ano nos últimos anos. Este ano anda pelos 10, para o ano o Banco de Portugal prevê 11, de maneira que estamos em valores extraordinariamente altos há muito tempo.

Se forem ver os países sensatos, a área do euro, o conjunto dos países da OCDE, etc., mesmo os Estados Unidos que supostamente tem um deficit externo gigantesco, tem apenas um quarto daquilo que nós temos.

O que é que isto significa? Que vamos buscar ao exterior, todos os anos, cerca de 10% do nosso rendimento nacional para financiar a tal despesa excessiva de que estava falando. Ora se vamos buscar estes 10% é porque nos estamos a endividar em 10% da riqueza nacional todos os anos. E, de facto, a nossa divida em relação ao exterior está hoje em níveis absolutamente recordes, muito perto dos 100% do PIB.

Reparem no que isto significa de peso para as gerações futuras. Porque cada um de nós e dos nossos filhos e dos nossos netos, quando trabalhar, quando produzir, quando gerar rendimento, vai ter que pagar esta divida, os estrangeiros não nos vão perdoar, não nos vão emprestar o dinheiro. E sobretudo quando as taxas eram baixas, quando andavam pelos 2% ainda era uma coisa, agora não são, agora as taxas estão muito mais altas (…)

(Um minuto inaudível)


Prof. António Borges: - (...) é canalizada para pagar o financiamento externo.

Ora bem, normalmente não há aqui nada de muito errado, porque a ideia da moeda única era precisamente que o capital circulasse à vontade e fosse para onde tivesse maior rentabilidade. E, portanto, os países mais atrasados dentro do Euro terem acesso a capital externo para se financiarem, é uma boa ideia.

É isto que eu chamo a lógica da moeda única, a moeda única foi feita na Europa para que o capital circulasse livremente, para que nós pudéssemos ir buscar onde ele existe, para recuperar o nosso atraso. A questão é saber se estamos a utilizar esse financiamento externo bem? E o que é que significa utilizar bem? O financiamento externo tem um custo. Nós temos que utilizar esse financiamento, para investir de uma forma que produza, pelo menos, aquilo que vamos pagar pelo financiamento. E se possível muito mais.

Agora, se vamos utilizar esse financiamento para fazer, por exemplo estádios de futebol, sobretudo estádios de futebol vazios, é evidente que vai ser muito difícil pagar este financiamento externo. E não é só a questão financeira que se põe aqui, é a questão económica, é o nós estarmos a utilizar recursos que não temos e que vamos ter que ir buscar ao estrangeiro para fazer coisas de que não precisamos e que nunca vão ser rentáveis, nunca vão gerar prosperidade e bem estar para o futuro do país.

E este é que é todo o drama da política económica dos últimos tempos. É a forma como nós temos utilizado o financiamento externo, a um nível gritante, para o canalizar para projectos que não têm rentabilidade imediata, nem sequer a médio e longo prazo. E que, portanto não nos permitem pagar esse financiamento externo e representam uma aplicação, um esbanjar de recursos. E, ainda por cima, de recursos que não temos, que não são nossos.

Este é o drama central de que falamos. E é por ser este a pedra de toque da política económica do governo, que o governo se recusa a debatê-la.

E não dá elementos, não fala, não quer que se saiba, põe umas coisas na internet que não convencem ninguém. E, de facto, o debate não é possível, porque se fosse era ainda mais gritante.

Reparem, todos os governos têm os seus devaneios, todos os governos querem fazer um grande projecto, mais ou menos louco, que deixe umas marcas, isso sempre faz parte da história das fraquezas dos políticos quase permanentes. Agora, fazer tanta coisa ao mesmo tempo, toda ela tão pouco produtiva, a pretexto de que é assim que se moderniza o país, se a Europa está a fazer nós também temos que fazer. É que não faz sentido. E, de facto, a carga que isto representa sobre as gerações futuras está lá, e ninguém nunca a vai fazer desaparecer.

Agora, podemos perguntar-nos: Porque é que os estrangeiros nos emprestam tanto dinheiro? Porque é que todos os anos 10% do nosso rendimento nacional entra do exterior? Será que os estrangeiros são caridosos? Gostam de nos ajudar? É verdade que a União Europeia dá-nos muito dinheiro dado. E é um erro tremendo, porque ele é dado, não o aplicar bem. Mas o ponto não é esse, o ponto é que quando falamos em deficit externo não estamos a falar em financiamento através da CEE, estamos a falar em financiamento através de empréstimos.

E, portanto, podemos perguntar, os bancos normalmente não emprestam dinheiro a quem não tem uma rentabilidade suficiente para garantir a recuperação desse capital? Agora, no caso português, porque é que continuamos a ter acesso a financiamentos, ainda que a custo cada vez mais alto, notem bem, é porque temos sempre aquilo que se chama o colateral, a garantia do empréstimo. Porque se nós não conseguirmos pagar o financiamento externo, os estrangeiros ficam com os nossos activos. E aqui está a ligação muito directa entre aquele problema de endividamento, de falta de poupança , de má utilização do financiamento externo, e ao mesmo tempo de encontrarmos os estrangeiros sempre dispostos a comprar as nossas propriedades, as nossas casas, as nossas empresas, os nossos investimentos, e por aí fora.

Porquê? Porque o próprio endividamento excessivo se traduz numa desvalorização automática e inevitável das nossas empresas e dos nossos activos. E os torna mais vulneráveis à compra pelos estrangeiros.

E este reequilíbrio, se quiserem, na moeda única quem não se sabe governar perde o controle das sua economia, porque a propriedade passa para estrangeiros. Isto não é nada de novo, não há nada aqui que seja uma surpresa para ninguém, no entanto, ainda não é suficientemente compreendido e, de facto as pessoas vão prosseguindo neste caminho quase suicidário sem tentar sequer inverter a tendência.

Agora, o ponto seguinte, tem que ver precisamente com factores de crescimento económico. E como lhes dizia há pouco, o crescimento económico não é uniforme para todos os países do mundo. O crescimento económico na África do Sul não tem nada a ver com o crescimento económico no Brasil, que não tem nada que ver com o crescimento económico na Inglaterra, são estádios muito diferentes de desenvolvimento. E aquilo que se aplica em certas fases de desenvolvimento não se aplica noutras.

Num país como a China ou como a Índia ou como, se quiserem, o que era o Portugal dos anos 60, por exemplo, os senhores não viveram nessa época mas eu vivi, os factores de crescimento, as condições de sucesso eram totalmente diferentes de hoje, porque aquilo que faltava ao país era capital. Se formos à China encontra um mercado gigantesco, com uma grande falta de empresas que respondam ao mercado, e portanto, as oportunidades de investimento são extraordinárias, o país precisa de investir, precisa de construir as coisas mais básicas: fábricas de cimento, fábricas de produtos químicos, centrais de produção de energia eléctrica. Tudo isso está ainda no princípio, se quiserem, sobretudo em grandes áreas da China ou da Índia que ainda estão em fases de desenvolvimento muito, muito atrasadas.

Nos países desenvolvidos, na Europa, nos Estados da América, no Japão, é o oposto disto. As necessidades estão todas satisfeitas, não há nada que falte, ninguém fazendo uma fábrica igual às que já existem tem qualquer sucesso, porque o mercado já está satisfeito. Portanto, a única possibilidade de se gerar crescimento económico nos países avançados é através de fazer qualquer coisa diferente, melhor, mais produtiva, mais eficaz, uma nova solução para problemas que já existem.

Isto é, enquanto que nos países mais atrasados, que estão no princípio do seu desenvolvimento económico, precisam de facto de investir , de aumentar a capacidade de produção, de fazer mais do mesmo; nos países mais avançados não é assim, precisam é de inovar, de fazer coisas diferentes. Empresas que criem mais riqueza, soluções que se traduzam por mais bem-estar para os consumidores.

E é, portanto, um esforço extraordinariamente importante de inovação que se traduz num crescimento económico mais rápido. Se não houver inovação nos países mais desenvolvidos, o investimento traduz-se apenas em, naquilo que os economistas chamam, rendimentos marginais decrescentes. Cada vez têm menos produtividade, cada vez dá menos resultado.

E todo o crescimento económico nos países avançados depende do aumento da produtividade, do aumento da eficiência, não é fazer mais do mesmo, é fazer coisas novas, mais eficientes, com mais produtividade, com mais qualidade.

E daí o papel central da inovação. Dois pontos aqui cruciais, aquilo que eu chamo o coração do problema. Não há em países como o nosso, em países europeus, americanos, japoneses, etc., não há nenhum futuro senão houver aumento da produtividade. Só a produtividade é que se pode, na China não é assim, na China há tanta gente disponível, tanta gente que está, enfim, ainda numa economia de subsistência, etc., etc., que fazendo ao lado das actuais fábricas outras iguais, vai-se buscar toda aquela gente que está desempregada, emprega-se e o crescimento é quase automático.

Nos países desenvolvidos não é assim, é preciso encontrar soluções mais produtivas, é preciso pegar nas pessoas tirá-las de empregos onde são pouco produtivas e pô-las em empresas mais eficazes, com mais qualidade.

E isto só se faz com muita inovação, com muito progresso tecnológico e, portanto, com iniciativa empresarial. E há aqui dois pontos cruciais, deixem-me primeiro mostrar-lhes aqui um graficozinho, este é talvez o gráfico mais triste de todos do nosso país. É que ao fim de oito anos a produtividade portuguesa está pouco acima daquilo que estava em 2000. E não é que nós tenhamos investido pouco, porque se formos ver os montantes que têm sido investidos ao longo destes oito anos, são altíssimos. Muito mais altos que muitos outros, por exemplo, são quase o dobro dos montantes investidos nos Estados Unidos da América, em percentagem da economia, evidentemente.

Portanto, não é uma questão de falta de investimento , é uma questão de mau investimento, é uma questão do investimento não ser canalizado de forma a aumentar a produtividade, pelo contrário, ser utilizado de uma forma que esbanja recursos e que depois não se traduz por nenhum progresso em termos de produtividade, praticamente. Reparem como estamos aqui 4 ou 5 pontos acima, ou menos, 3 ou 4 pontos acima do que estávamos em 2000; enquanto muitos outros países que nós gostaríamos bem de copiar, estão 15, 20, 30 pontos acima do que estavam há oito anos atrás.

É que reside o nosso atraso fundamental. E é enquanto não se resolver este problema, que não teremos nunca crescimento económico rápido, por mais que se estimule a actividade económica, por mais que nos endividemos no estrangeiro, por mais grandes projectos que se façam.

Se não pusermos todo o assento tónico na produtividade, não há processo de gerarmos um crescimento económico rápido.

Agora, se a produtividade está muito ligada à inovação e ao progresso tecnológico, temos que ter presente que ela resulta fundamentalmente da iniciativa empresarial. E como lhes digo a iniciativa empresarial depende fundamentalmente dos novos empresários, daqueles que vão ser capazes de criar coisas novas. Não daqueles que já existem, que eventualmente tiveram a sua capacidade de inovação no início, mas que hoje estão bem instalados, têm empresas rentáveis, têm sobretudo um grande património a defender. Não é desses que podemos esperar que o país dê grandes saltos em frente, é dos novos, é de pessoas como as que estão aqui nesta sala, que se calhar pode haver aqui 10, 20, 30 que são capazes de fazer empresas novas, com soluções novas, com tecnologias novas e que, de facto, dão um grande salto na economia. E há mais futuro nesse caminho do que qualquer outro, sobretudo do que num caminho dirigista, controlado pelo Estado, investindo em projectos de rentabilidade negativa, financiados no exterior.

Agora, isto implica, antes de mais, um progresso muito grande no que respeita à competitividade. E este ponto aqui é particularmente triste. Nos últimos anos a competitividade do nosso país sofreu imensíssimo. Estes indicadores de competitividade que aqui estão são um bocadinhos técnicos, desculpem lá, o primeiro é a chamada Taxa de Câmbio Real Efectiva, o segundo são os Custos de Trabalho por Unidade Produzida, que tem que ver com a produtividade, o terceiro é as chamadas Posições Competitivas, os preços portugueses comparados com os preços estrangeiros. E em todos eles nós temos vindo a sofrer uma deterioração. A competitividade aumenta quando estes índices baixam. Quando estes índices sobem a competitividade está a ser prejudicada. E quase todos os anos estes índices têm evoluído da forma errada. E as empresas não conseguem sobreviver, não conseguem confrontar os concorrentes externos nesta situação.

Agora, deixem-me mostrar-lhes ainda um outro gráfico também muito preocupante, que é o seguinte – não sei se conseguem ver isto bem aí do fundo das sala, se calhar não conseguem, mas eu vou-lhes dizer o que é que aqui está. Isto é um estudo sobre quem mais ganha e quem mais perde com a globalização. Portanto, cada uma destas barras representa um país, dos países desenvolvidos, e para cada um destes países a análise que está aqui feita é, quais são os países que relativamente aos mercados emergentes, exportam aquilo que os mercados emergentes querem comprar, e importam aquilo que eles querem vender. Portanto. São aqueles que mais beneficiam com a globalização. São os países que de facto têm para vender, como a Alemanha que tem para vender à Rússia, Mercedes e BMW. Os russos gostam muito de comprar Mercedes e BMW, os alemães têm exactamente isso para oferecer. E quer comprar à Rússia gás natural e petróleo que é exactamente o que os russos querem vender, portanto, há aqui claramente base para entendimento à parte dos problemas políticos.

E depois há os países que têm para vender, para exportar exactamente aquilo que os países subdesenvolvidos ou emergentes têm para vender. Que é, por exemplo, o nosso caso. Quando nós vendemos têxteis, vestuário, calçado, etc., vamos encontrar os países emergentes como nossos concorrentes; quando nós vendemos certos produtos de indústria manufactureira, transformadora mas ainda relativamente elementar, vamos encontrar o Brasil a concorrer connosco.

Portanto, o que está aqui neste gráfico são os países que mais exportam o que os países emergentes querem comprar, e mais importam o que eles têm para vender; e, pelo contrário, os que estão em mais directa concorrência com eles.

E o que se vê aqui à esquerda são os que mais ganham, e à direita os que mais perdem nesta abertura do mercado global. À esquerda temos os Estados Unidos, a Finlândia, a Alemanha, a Irlanda, o Reino Unido, a França, e por aí fora; à direita temos uma série de países em que o último é Portugal.

De acordo com este estudo, que foi feito já há dois anos, Portugal é o país que menos beneficiou com a globalização, que mais sofreu com a concorrência estrangeira, que se encontra em posição mais vulnerável no mercado internacional face à concorrência dos novos países emergentes.

E este ponto é muito importantes, porque isto é incontornável. Nós não vamos retirar-nos do comércio mundial por causa disto, sair da União Europeia e fechar as fronteiras.

Agora, dada esta situação precisamos de facto de muito profundas mudanças estruturais para fugir a este colete de forças se quiserem. E daí que a competitividade da economia tenha que ser o problema central, porque se não for nunca vamos conseguir ultrapassar estas dificuldades e estas barreiras.

E agora deixem-me falar precisamente de problemas estruturais, que são o que tornam toda esta situação mais permanente, digamos. É que em todas as economias, como já lhes sugeri no princípio, existem os sectores protegidos e não protegidos, aquilo que nós, economistas, chamamos os sectores de bens transaccionáveis, transaccionáveis quer dizer que podem ser exportados, que podem ser importados, que estão portanto, no mercado internacional; e os não transaccionáveis que são aqueles que estão protegidos da concorrência externa.

Os bens transaccionáveis são: os produtos agrícolas, a grande maioria dos produtos industriais, alguns serviços mas muito poucos. Por exemplo, o turismo é claramente um serviço que está em concorrência no mercado internacional, obviamente.

Os não transaccionáveis são aqueles que são naturalmente protegidos: a banca, os seguros, uma grande parte da energia, o retalho, a distribuição, etc. Uma séria de serviços que, de facto, cada um de nós não pode “Ai, eu  não gosto do meu banco, acho muito caro, vou abrir uma conta em Madrid”, não é assim, não é. Isso talvez seja possível para uns grandes milionários, mas para a grande maioria da população não pode ser assim, tem que trabalhar no mercado interno. “Ai, eu não gosto do meu supermercado, pratica uns preços muito caros, vou comprar ali a Badajoz”, bem, se uma pessoa vive a 10 km de Badajoz está bem, mas se vive em Lisboa já não dá.

E, portanto, há de facto um grande conjunto de actividades que têm uma protecção natural, são os sectores protegidos, não transaccionáveis, digamos.

Ora aquilo que se tem verificado no nosso país, é que a política económica tem beneficiado muitíssimo os sectores protegidos. Porquê? Porque este estímulo à despesa vai-lhes criando mercado, vai-lhes dando oportunidades de ter alguma actividade. Esses sim não têm medo da concorrência estrangeira, os bancos, as companhias de seguros, a grande distribuição, não precisam de se preocupar com a concorrência estrangeira. E, portanto, o estímulo que o Governo vai introduzindo na economia para tentar estimular neste caso não vai para importações, fica com eles, e daí que essas empresas tenham uma grande prosperidade.

Agora, se formos ver todos os outros sectores, os chamados transaccionáveis, aqueles que estão em confronto permanente com a concorrência externa, não é assim. Não têm nenhuma capacidade de fixação de preços , os preços são fixados no mercado internacional, quando os custos sobem ficam mais apertados com margens mais estreitas, e acabam por ser asfixiados e não se desenvolverem.

E, daí que haja este dualismo na economia portuguesa, este contraste entre os que estão muito bem e os que estão com imensas dificuldades, até de sobrevivência.

Daí que haja implicações redistributivas muito fortes. Porque aqueles que estão ligados às empresas protegidas não têm razões de queixa, todos os outros têm até uma grande dificuldade em sobreviver.

É evidente que isto tem consequências regionais muito acentuadas. E não admira que leve à concentração do poder económico.

Agora, o ponto mais difícil de todos é o último, é que quanto mais prósperas são as empresas que estão protegidas, mais difícil é lançar novas iniciativas nas empresas que estão expostas à concorrência estrangeira.

E portanto, há aqui uma contradição muito funda e muito séria, que é a asfixia da iniciativa empresarial por força da prosperidade dos sectores protegidos.

Enquanto nós mantivermos esta política económica, não há possibilidade nenhuma do país alguma vez recuperar o seu atraso.

Ora bem, é evidente que há quem ganhe com tudo isto, não é? Para muitas empresas, nomeadamente os sectores protegidos, a situação é muito confortável, para estas empresas a questão fundamental é entenderem-se bem com o Estado, que a regulação da banca, das comunicações, da energia lhes dê margens tranquilas para poderem continuar a ganhar dinheiro. E, portanto, o papel do Estado é decisivo mas a prosperidade destas empresas, se se entenderem bem com o Estado, está garantida. É claro que estas empresas ficam bem, ganham, não querem que nada mude, tudo está bem para elas. E todos aqueles que vivem na sua órbita a mesma coisa. E daí que os grandes projectos tenham um apoio tão grande em certos sectores importantes da economia, porque estimulam e é evidente que, por exemplo, quando o Governo anuncia dezenas de milhares de milhões de euros em projectos novos, os bancos ficam radiantes. Radiantes, contentes, negócio, futuro. Embora aqui já comece a haver concorrência estrangeira, a verdade é que uma grande parte, uma grande fatia, até por razões da própria regulação, uma grande fatia do negócio vai para eles.

Agora, temos que ter presente que isto é de facto uma concepção extremamente vanguardista da política económica, há um conjunto de pessoas que sabem o que interessa ao país, que põem isso em prática, que se der resultado deu, senão der “tant pis”, o resto do país não nos interessa, e entretanto vamos mantendo aqui a nossa situação de controle da forma como a economia funciona, com um Estado que no fundo é cada vez mais poderoso e cada vez mais influente.

O que seria então uma política económica completamente diferente?

Em primeiro lugar, espero ter deixado bem claro que, se não resolvermos o problema da competitividade, o que passa de facto por uma melhoria sistemática da produtividade do país, não há nenhum futuro.

Portanto, este é que e o problema central. Como é que vamos ajudar a grande maioria das empresas portuguesas a concorrer bem com os seus adversários, os seus concorrentes estrangeiros, nomeadamente europeus, mas do mundo inteiro?

Isto implica uma política sistemática de redução de custos , e não pode ser de redução de salários , porque então ficamos todos sistematicamente pobres. Tem que ser através de ganhos de eficiência , tem que ser através de progressos tecnológico, tem que ser através duma diferença profunda na regulação da economia, por forma a que não se passem sistematicamente toda a espécie de custos para as empresas expostas à concorrência estrangeira.

E há aqui uma evolução radicalmente diferente. Não se pode continuar a proteger as empresas que já estão bem à custa das outras todas, porque asfixiamos definitivamente o país.

Depois é preciso uma política de inovação e tecnologia diferente de facto, que dê resultado. E essa só pode concretizar-se, como eu dizia há pouco, através das iniciativas de novos empresários.

E Portugal, em meu entender nunca teve falta de empresários, sempre que houve oportunidades, sempre que as condições eram favoráveis apareciam sempre empresários novos, gente que ninguém sabia quem eram, e que concretizavam projectos extraordinários. Se calhar, como eu dizia há pouco, alguns estão nesta sala, ninguém sabe, à partida ninguém sabe. Agora, quando as condições são favoráveis os projectos avançam e os empresários novos aparecem.

Agora, quando elas não existem, quando a economia está toda orientada no outro sentido, quando não há veículos e mecanismos de apoio à iniciativa empresarial. Reparem os novos empresários queixam-se muito que os bancos não lhes emprestam dinheiro, não lhes permitem avançar com projectos novos. Pois com certeza que não, os bancos não estão lá para isso, aliás o dinheiro dos bancos não é deles é dos depositantes, têm que ter o maior dos cuidados da forma como dão crédito. Agora, em todos os países com um desenvolvimento rápido e com inovação acelerada existem outras situações de capital de risco , de formas muito mais sofisticadas de financiamento, de partilha de investimento etc., que dão aos empresários com potencial a capacidade de avançarem rapidamente.

Em Portugal nunca se fez nada disto, nem este governo manifestou, apesar de uma séria de iniciativas e de propostas que foram sendo postas em cima da mesa, nunca se interessou. Ora bem, enquanto não se resolver este problema, não há hipótese de haver iniciativa empresarial nova, e portanto, não há hipótese nunca de haver inovação acelerada. Toda a inovação rápida vem de gente nova, não vem dos que já estão instalados, que têm sobretudo muito que proteger.

E depois, para se investir é preciso fundamentalmente investir bem.

Se saírem daqui com uma ideia central de que o mau investimento é um handicap brutal para a economia, já terei conseguido uma grande parte da minha missão, porque este é o tema a que ninguém em Portugal dá suficiente atenção.

Investimentos não reprodutivos, investimentos pesados sem rentabilidade ou com uma rentabilidade só muito distante no futuro, são um travão brutal ao crescimento económico, impedem aqueles que são efectivamente eficazes e que podem melhorar a produtividade e a eficiência da economia, de serem eles a avançar. Há aqui uma discriminação muitíssimo forte.

E, portanto, a selecção criteriosa dos investimentos a fazer tem que ser uma pedra central daquilo que se faz.

A competitividade, a produtividade, a eficiência e inovação têm que ser muito, muito, e sempre orientadas para o mercado externo. Não é possível desenvolver o país pensando nos 10 milhões de portugueses e no seu poder de compra. Tem que ser sempre numa lógica de cada vez maior abertura e integração, e portanto, o standard de exigência tem que ser esse. E é com base nesse standard de exigência que devemos tomar as nossas decisões de investimento e de crescimento económico.

E, por último, deixem-me terminar com esta ideia fundamental que é a do mérito.

Em Portugal há muita, muita gente, muito boa, em quase todos os sectores económicos há empresas belíssimas, tão boas como as estrangeiras, há bons empresários, há bons trabalhadores, há bons profissionais. O problema é como é que nós conseguimos que esses tomem conta do país, e não os outros, os que estão instalados, os que não querem que nada mude, os que querem viver à custa do Estado. E portanto, restaurar esta ideia de mérito, permitir que o mercado realmente funcione para que os melhores venham ao de cima , e para que removam, façam desaparecer do mapa os mais instalados, e os mais incompetentes, e os mais subsídio dependentes - esta é que é a questão central daquilo que precisamos. E isto implica de facto uma política económica muito, muito diferente.

Muito obrigado, demorei um bocadinho mais do que tinha previsto. Peço desculpa por isso. Vejo que ainda ninguém adormeceu, o que é positivo, mas agora vamos ter o nosso debate que nos vai permitir esclarecer muita coisa, e que me vai dar o gosto de vos ouvir a vocês.

(APLAUSOS)

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Sr. Professor. Vamos entrar então na fase do debate. A primeira intervenção é da Rita Ribeiro Marques do Grupo Bege.
 
Rita Ribeiro Marques
- Sr. Director da Universidade de Verão e Sr. Presidente da JSD, Caros Colegas, Sr. Professor António Borges.

Desde já e em nome do Grupo Bege , agradeço a sua ilustre presença e a intervenção com que nos brindou.

Sr. Professor, relativamente aos fundos comunitários que têm sido sobejamente concedidos ao nosso país, porque é que no seu entendimento a economia portuguesa não tem conseguido concretizar esses fundos, realizando um investimento produtivo por forma a igualar as taxas de crescimento de outras economias da União Europeia como sejam a Espanha ou a Irlanda? Obrigado.

 
Dr.António Borges
 - Esta é, de facto, a questão central, o exemplo dos fundos europeus é um deles, e é muito importante porque são fundos gigantescos e que não se vão repetir indefinidamente. Ir buscar ao estrangeiro recursos para nos desenvolvermos, que depois aplicamos mal, e porque aplicarmos mal esbanjamos a oportunidade e, mais do que isso, criamos obstáculos às nossas próprias empresas para se desenvolverem correctamente.

Nós temos um pouco a impressão que os fundos europeus são uma coisa gratuita, não temos que os pagar e, portanto, caem do céu e podemos usá-los à vontade. Ora não há nada de mais errado do que isto. Porque o problema não é o do financiamento das despesas através de fundos gratuitos ou não, o problema é de que essas despesas se mal feitas tornam-se um handicap para o resto da economia. Mesmo que feitas com dinheiro de graça.

Porquê? Porque discriminam contra as outras despesas, contra os outros projectos, contra os outros investimentos.

E esse é que é o tema central. Quando nós utilizamos recursos gigantescos, por exemplo, do orçamento comunitário, do orçamento europeu para investir em projectos que não são reprodutivos, então de facto estamos a criar condições mais difíceis para as empresas portuguesas se desenvolverem, crescerem e competirem com os seus adversários europeus.

Agora, deixe-me dizer-lhe que nós não somos caso único. Falou na Espanha e na Irlanda, são dois exemplos completamente diferentes, aliás, curiosamente, ambos os países estão com dificuldades neste ano de 2008, e a Espanha particularmente, a Espanha tem um percurso muito semelhante ao nosso, teve a grande vantagem de quando entrou na moeda única como nós entrámos, o governo foi muito mais razoável do que o nosso, e manteve sempre um excedente orçamental muito importante, enquanto que nós íamos para défices gigantescos e para um crescimento rapidíssimo das despesas públicas. E portanto, isto deu à Espanha a possibilidade de financiar um crescimento económico rápido durante muito tempo, o que nós não conseguimos, mas não evitou que tivesse muitos problemas iguais aos nossos.

Qual é o problema central espanhol? É o da perda de competitividade, tal como nós também perdemos. E muitos dos indicadores que eu mostrei no caso espanhol também são bastante maus. Os espanhóis também têm perdido muita competitividade. Porquê? Porque investiram uma grande parte dos recursos que estavam à sua disposição em investimentos não reprodutivos. Por exemplo, no sector imobiliário. Ao investirem no sector imobiliário de uma forma excessiva, acabaram por criar um handicap muito grande à sua própria economia. As empresas concorrenciais do sector transaccionável em Espanha, estão hoje com muitas dificuldades em concorrer, porque os recursos foram todos para o outro lado. E em concreto hoje o sector imobiliário está com muitas dificuldades e está a caminho de falências sucessivas.

Ora, isto é, em muitas perspectivas exactamente o que se passou em Portugal. Nós investimos esses fundos comunitários ou outros fundos que fomos buscar ao exterior em projectos muito poucos produtivos, o melhor exemplo que eu vos dei é o dos Estádios de Futebol, especialmente vazios, e que de facto isto transforma-se num handicap muito grande para o resto das economia, sobretudo se repetido ad eternum, em montantes cada vez maiores, e acaba por travar brutalmente o crescimento económico.

A Irlanda é outro caso. Muito, muito diferente. Aqueles de vocês que já foram eventualmente à Irlanda, dão-se conta de um país que hoje é dos mais ricos da Europa, muito mais rico, por exemplo, que a Inglaterra, ao lado. A Irlanda costumava ser, como os irlandeses dizem, uma colónia da Inglaterra subdesenvolvida e atrasada e muito pobre, hoje é mais rica que a Inglaterra mas muito mais, e é dos países mais ricos da Europa, o que não era o caso há vinte anos atrás.

E no entanto, se os senhores forem lá não vêem auto-estradas, não vêem aeroportos modernos, não vêem TGV’s, não vêem Estádios de Futebol loucos, não vêem nada destas coisas que nós achamos absolutamente indispensáveis.

Vêem o dinheiro todo canalizado para investimentos produtivos, para investimentos que criam emprego, para investimentos que trazem tecnologia nova, para investimentos todos eles orientados para o mercado externo, e para investimentos que permitem, de facto, às pessoas ir melhorando a sua qualificação profissional sistematicamente e ir evoluindo para empregos cada vez melhor pagos e mais interessantes. Aí é que há um contraste no modelo irlandês com o espanhol e com o português. E daí se vê como utilizando bem os recursos externos se consegue resultados fantásticos, utilizando mal estamos apenas a agravar problemas estruturais.

Eu vou-vos dar um exemplo, uma vez que estamos aqui no interior do país. Há aqui muitos alentejanos? Quem é que é do Alentejo?

Por exemplo, política agrícola, é uma das áreas para a qual a Europa nos tem canalizado mais fundos para investir. O governo optou por utilizar mais de metade da totalidade desses fundos num único projecto, que é o projecto do Alqueva. Reparem no que isto significa, como eu dizia há pouco a abordagem vanguardista ou dirigista da economia, o governo acha que ele é que sabe que aquilo que mais interessa à agricultura portuguesa é um único projecto, que é projecto do Alqueva no Baixo Alentejo. E que todo o resto do país, os agricultores de todo o resto do país não têm nada que ver com fundos comunitários, esqueçam isso, vai tudo para ali.

É evidente que as condições de sucesso assim são muito, muito difíceis. Fazer uma aposta tão louca num único projecto, por mais mérito que ele eventualmente possa vir a ter, vai de facto representar um handicap muito grande para todo o resto da agricultura.

Isto como exemplo concreto da sua pergunta.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Sr. Professor. Diogo Gomes do Grupo Azul.
 
Diogo Gomes
- Muito obrigado. Bom dia. Sr. Professor António Borges, Sr. Director da Universidade de Verão, Caro companheiro Pedro Rodrigues, presidente da nossa J, Caros companheiros.

Em nome do Grupo Azul vou formular a nossa pergunta, ouvimos aqui que o nosso país não está bem, acho que gostaria que estivessem aqui outras personagens do mundo político para estar a assistir a esta aula, foi um prazer enorme, em nome do Grupo Azul , que assistimos à sua intervenção, a nossa pergunta vai direccionada mais para as PME’s.

Sabemos que o que sustenta o nosso país são as PME’s, tanto da maneira como dinamizam a economia como as pessoas que empregam, as PME’s estão em crise, e o que lhe queria perguntar era: sabendo que estão em crise as PME ’s, asfixiadas e endividadas, como podemos exigir o crescimento através da poupança das PME’s? E também perguntar como é que aumentamos a produtividade sem recorrer ao financiamento?

Era esta a nossa pergunta. Muito obrigado.

 
Dr.António Borges
- Ora bem, ponto central, estamos completamente de acordo que o futuro da nossa economia está de facto nas pequenas e médias empresas. É aí que há, para já o grosso da economia, o maior potencial de emprego e uma maior capacidade de inovação. Aí completamente de acordo.

Ponto números dois, há no conjunto das PME’s portuguesas diferenças absolutamente gritantes. Há umas que são muito atrasadas, muito subdesenvolvidas, enfim, com poucas condições de existir; e há outras que são boas e que são competentes e que viveriam bem em qualquer parte do mundo. A questão é como é que nos permitimos às segundas, às mais eficientes e mais modernas, crescer rapidamente, tomar conta do mercado se quiserem e serem elas o motor do crescimento.

O ponto mais importante de todos é esta ideia de que, é para elas que têm de ir os recursos. E, portanto que, se não é com elas que nos preocupamos, então elas não vão poder sobreviver. Quantos mais recursos nós canalizamos para as grandes empresas bem sucedidas e protegidas, mais estamos a prejudicar as pequenas e médias empresas.

Este é um tema muito, muito importante percebermos.

Nós temos esta ideia de que “bom, se dermos à EDP mais uns biliões para eles investirem, pois eles que invistam”, não, não, os que vão para ali, não vão para acolá.

E portanto, estamos a discriminar contra as empresas pequenas e médias que, de facto, acabam por pagar o preço com a sua dificuldade de sobrevivência.

A falta de poupança no país é um elemento central de toda esta problemática, porque de facto, são as pequenas e médias empresas que acabam por ter mais dificuldade em ir buscar capital depois, para investirem e para se desenvolverem. Nomeadamente quando estamos numa crise financeira como a actual. O governo diz que preparou o país para esta crise -  completamente o oposto da realidade. Ao aumentar muitíssimo o financiamento externo, o custo desse financiamento tem subido muito e quem paga esse preço são justamente as pequenas e médias empresas, que cada vez têm mais dificuldade de acesso ao crédito.

Portanto, o problema da poupança não é pedir às pequenas e médias empresas que poupem, é pedir ao país que poupe para pôr esse capital à disposição das empresas mais produtivas.

E porque é que nós temos a segurança que as empresas pequenas e médias fazem investimentos produtivos? Porque são eles que sabem que se não fizerem investimentos produtivos desaparecem do mapa. É esta lógica da economia de mercado que nós temos de respeitar. Quem melhor sabe o que se deve ou não se deve investir, são empresários que estão no terreno, que conhecem o mercado, que sabem as oportunidades que existem e que sabem que se falham desaparecem.

E portanto, há aqui uma disciplina de mercado que é aquilo que faz muita, muita falta ao país.

Eu sou governante, sou ministro dos transportes e das obras pública, posso ter o sonho de fazer os projectos todos que eu quiser e gastar os biliões, desde que me emprestem o dinheiro, gastar os biliões que eu entender. Porquê? Porque não está lá ninguém para dizer: o sr. falhou e portanto vai ser excluído do mercado.

E isto permite toda a espécie de erros, enfim, erros muito, muito graves.

Pelo contrário, é pelo funcionamento dos mecanismos de mercado nas pequenas e médias empresas que de facto garantimos que o dinheiro é bem empregue.

E, depois de facto a melhoria da produtividade, a capacidade de concorrência, a melhoria da competitividade são muito mais fácies de atingir rapidamente nas pequenas e médias empresas, sobretudo se elas se orientarem para o mercado externo. Por isso é que eu defendia que a política económica portuguesa tem que ser muito diferente no sentido de ajudar as pequenas e médias empresas a reduzir custos, a terem custos operacionais, a terem acesso mais fácil a financiamentos, a terem acesso mais apoiado a mercados externos, nomeadamente através de programas de aposta em marca, etc., etc., e também a melhorar a qualificação do seu pessoal, a melhorar a sua formação profissional e por aí fora.

Mas tudo numa lógica de competitividade, sem a qual, de facto, o país não tem nenhuma garantia de sucesso económico.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Sr. Professor. Tem agora a palavra o António Barroso do Grupo Laranja, e pedia aos próximos alunos, escusam de cumprimentar a mesa para não perdermos muito tempo, cumprimentar o nosso convidado é sempre simpático mas a mesa não fará muito sentido, se não vamos estar a semana toda a cumprimentarmo-nos uns aos outros.
 
António Barroso
- Muito bom dia a todos. Antes de mais, Sr. Professor quero agradecer em nome do Grupo Laranja a excelente aula que nos deu e que nos está a dar.

A questão que queria colocar é a seguinte: qual o papel que o governo pode ter para estimular a economia?

E dou, sintetizo um pouco porque é um tema muito vago, através da fiscalidade, e porque não defender junto da União Europeia uma harmonização fiscal europeia também? Acho que ajudaria. Através das golden shares em sectores estratégicos da economia, sim ou não? Porque não uma aposta grande nos PALOP, porque não fazer da CPLP uma grande comunidade económica que foi assim que nasceu a CEE, foi através de um conjunto de países a seguir à Segunda Guerra Mundial que depois passou para uma comunidade económica, porque não? Até porque um dos BRIC, Brasil, Rússia, Índia China, um deles é o Brasil e é um dos nossos grandes parceiros, porque não apostar nos PALOP? E também um papel que eu acho que é fundamental que o governo tem no estímulo ao empreendedorismo, no estímulo a que os jovens consigam criar também o seu emprego e mais emprego, porque acho que é aqui a aposta para combatermos o desemprego.

Isto porquê? Porque com a actual forma de estar deste governo, não é assim que estimula, acho que não é com PIN só para alguns, não é com atitudes tipo “emplastro” a colar-se na fotografia junto a algumas celebridades, julgo que não é assim que vamos estimular a economia.

Muito obrigado.

 
Dr.António Borges
- Olhe, desculpe, repita-me o seu segundo ponto. O primeiro era a fiscalidade, o segundo era?
 
António Barroso
- As golden shares.
 
Dr.António Borges
- As golden shares, exactamente.

Ora bem, vamos rever então cada um destes temas. Há aqui uma questão central que é esta de que: o que é que o Governo pode fazer para estimular a economia?

Como a situação económica não é boa, há muita que acha que é preciso que o governo faça qualquer coisa para estimular a economia. E portanto, acaba por fazer asneira, e acaba por ter uma actividade contraproducente.

O papel fundamental do governo é permitir à economia de se desenvolver, é remover obstáculos. É tornar as empresas mais produtivas, é tornar os empreendedores mais eficazes. Não é ser o governo a dirigir a economia, estimular, lançar. Estão a perceber? Esta é talvez a diferença mais importante em relação ao nosso actual governo, é que o nosso actual governo acha que é ele que deve estimular, conduzir, orientar, cada vez que aparece qualquer coisa são eles que aparecem a dizer fomos nós que fizemos isto.

Não, não, não. Isso é a concepção mais errada, mais contrária à nossa. Na nossa maneira de ver as coisas, os portugueses, as empresas portuguesas, os empresários portugueses, os investidores portugueses são mais que capazes e competentes de conduzir a economia. É preciso é deixá-los, é preciso é remover obstáculos, é preciso é dar-lhes condições para eles serem bem sucedidos, e não discriminar contra eles.

Portanto, agora vamos ver cada um destes pontos em particular.

O primeiro ponto é o da fiscalidade. A fiscalidade é de facto um problema muito sério no nosso país. Para já é pesadíssimo, continua a subir brutalmente, este governo só por si já fez subir a carga fiscal 2 pontos percentuais ou perto disso, talvez um bocadinho mais. Isto é, o total de receitas fiscais em relação ao produto, uma carga fiscal que já é muito elevada. É claro que nós não estamos em alturas de reduzir impostos porque infelizmente a despesa também é tão grande e o deficit tão pesado, que de facto não estamos em alturas de reduzir impostos, mas temos a perspectiva a prazo de, de alguma forma aliviar esta carga fiscal pesadíssima que cai sobre o país, e em especial sobre os elementos mais produtivos da economia.

Eu acho, em particular, que no caso português a fiscalidade que nos interessa atacar com mais determinação é sobre o trabalho, é sobre os custos pesadíssimos de empregar pessoas. Não só ao nível das empresas como ao nível dos próprios trabalhadores. Hoje o peso brutal da carga fiscal sobre quem trabalha, contribuições de Segurança Social, IRS, etc., é completamente desproporcionado em relação a outras formas de rendimento, em meu entender. E isto, de facto, também se traduz num obstáculo grande ao emprego, porque quem vai empregar alguém tem que pagar toda esta carga adicional para além daquilo que a pessoa precisa para viver e para ter a sua vida normal.

Agora, o problema da fiscalidade que será seguramente um daqueles que nós estudaremos com mais afinco e com mais determinação, tem este dilema muito sério, precisamos da receita infelizmente, e portanto, trata-se de modificar a estrutura fiscal para tornar a economia mais produtiva, tornar a fiscalidade mais justa, que não é o caso hoje, mas numa perspectiva em que infelizmente por enquanto o total da receita ainda é necessário.

Segundo ponto, o das golden shares e do papel do Estado no controle das empresas, e do controle da propriedade das empresas. As golden shares como talvez saibam estão a desaparecer porque são proibidas pela União Europeia. São completamente contrárias à ideia europeia de que os melhores é que devem tomar conta das empresas porque são eles que têm mais competência e mais legitimidade para o fazer, sejam eles portugueses, ou espanhóis, ou gregos, ou finlandeses.

Ora nós não gostamos de ver as nossas empresas sob controle estrangeiro e portanto mantemos estas golden shares, isto é um verdadeiro suicídio a prazo, porque se a golden share leva a proteger as empresas e portanto a permitir que essas empresas continuem no mau caminho, elas vão seguramente ficar cada mais frágeis, cada vez mais vulneráveis e um dia em que a golden share forçosamente desaparecerá, então é que são definitivamente engolidas.

Portanto, toda a problemática do controle das empresas deve ser orientado no sentido de as tornar mais independentes e mais fortes através da exposição à concorrência e da sua capacidade competitiva. E qualquer mecanismo de manutenção do controle em mãos nacionais terá sempre que ser cada vez menos importante, porque cada vez mais contrário ao espírito europeu.

Terceiro ponto que tem que ver com o empreendedorismo. O empreendedorismo é o grande factor de progresso em todos os países desenvolvidos do mundo. Eu insisti muito que só a inovação e o progresso económico é que trazem crescimento económico a países avançados, essa está muito ligada à iniciativa empresarial dos empresários novos, muitos deles de facto jovens. E portanto, relançar o empreendedorismo é das coisas mais importantes do ponto de vista de qualquer economia desenvolvida, e no caso português ainda mais notável.

Agora, não basta pôr muitos anúncios no jornal e na televisão a dizer que há muito empreendedorismo. Não há, nós sabemos que não há, os números são bem patentes no que respeita à criação de empresas bem sucedidas. O que é preciso é remover os obstáculos ao empreendedorismo. E essa remoção de obstáculos implica que, por um lado, que se deixe de discriminar contra empresas novas e pequenas e por outro lado que se apoiem essas empresas com mecanismos mais sofisticados de financiamento, que é possível criar e que existem em toda a parte. E ao mesmo tempo também com investimento, esse sim, muito, muito importante em qualidade, em marca, em imagem do país, em redes comerciais, etc., que são fundamentais para as pequenas empresas que estão a começar.

Portanto, na matéria do empreendedorismo o essencial é sermos concretos, com substância, com conteúdo e não com conversa.

O último ponto tem que ver com a CPLP e com a nossa eventual aposta em países e mercados emergentes. Hoje como sabem, o governo actual, tem vindo a alardear os seus sucessos em Angola, por exemplo, na Venezuela, na Líbia, noutros países assim prestigiados (Risos), não é verdade, porque há para aí muita prosperidade e nós temos que aproveitar. E portanto transformamo-nos numa direcção comercial de luxo, não é, para conseguir penetrar nesses mercados.

A CPLP é um conceito muito interessante e muito importante, porque tem esta aposta fundamental no futuro da cultura e da língua portuguesa. Isto é um elemento de uma importância crucial que nós nunca podemos perder, mas infelizmente a CPLP, tirando o caso de Angola, não se pode dizer que seja um mar de prosperidade. E portanto, é um investimento que nos interessa manter, uma preocupação estratégica do país a longo prazo, mas com a devida prudência porque não vamos ter resultados imediatos de grandes investimentos, a não ser eventualmente em Angola.

Agora, Angola, como a Venezuela, como a Líbia, como uma série de outros países semelhantes, como o Irão, de que o nosso governo de vez em quando fala, etc., etc., tem um problema muito, muito sério, que é o problema da estabilidade. Da estabilidade política como da estabilidade económica. Se o preço do petróleo..

(Um minuto inaudível)

(…) todos estes países vão-se defrontar com problemas gravíssimos, estruturais, profundíssimos, como a própria Rússia, como até o Brasil, porque esta prosperidade extraordinária ligada aos preços das matérias primas ou da energia é muito conjuntural. E lá está, o sucesso e o êxito económico de certos sectores prejudica os outros todos. O Brasil, por exemplo, tem hoje uma economia pujante, no dia em que o preço das matérias-primas cair substancialmente, já começou aliás, o Brasil vai-se defrontar com um problema sério, é que todos os outros sectores foram muito prejudicados pelo boom das matérias primas. E portanto, vão ter agora de ser eles a relançar a economia com grande dificuldade.

E, portanto, nós fazemos um a aposta, que temos que fazer, mas moderadamente, em países com esta instabilidade económica e política pode ser muito arriscado. A nossa aposta central é na Europa. É da Europa que fazemos parte, é um mercado absolutamente gigantesco, tem condições fabulosas para Portugal se expandir, eventualmente e naturalmente há outras zonas do mundo, a América do Norte, a Ásia, etc., onde temos muito, muito que fazer. Nestes países mais instáveis há oportunidades pontuais, mas seria um grande erro apostar só ai, em meu entender.

Acho que respondi às quatro.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Sr. Professor. Rita Lopes, Grupo Amarelo.
 
Rita Fragoso Lopes
- Bom dia. Considerando o contexto de globalização e o mercado de importações e exportações, quais são os segmentos de mercado e as zonas geográfico que considera que Portugal possa sair beneficiado?
 
Dr.António Borges
- Muito bem. Essa pergunta também tem uma questão prévia. Quem acredita na economia de mercado, em certa medida não deve fazer essa pergunta. Porquê?

Porque, nós não sabemos mais que o mercado. É muito difícil alguém numa posição de responsabilidade política ou mesmo simplesmente de análise económica, dizer: eu acho que daqui a 5 anos os grandes sectores vão ser estes e as empresas de sucesso vão ser estas, estas..

Não, não, isso é um desenvolvimento que resulta da interacção de forças de mercado que são muito, muito difíceis de prever.

E, portanto, a ideia de que, lá está, a ideia de que nós vamos definir quais são - sei que não era essa a sua ideia -, mas é seguramente a do Governo, vamos decidir quais são os sectores em que interessa apostar, vamos fazer essas apostas e assim vamos ter êxito, é das mais arriscadas. É voltar ao Plano Soviético, praticamente, guardadas as devidas proporções.

Porque o mundo de hoje é o mundo da surpresa, e a surpresa resulta não só da globalização, mas sobretudo da tecnologia.

Ponto 1 – temos de estar preparados para desenvolvimentos que nós não controlamos, que são muito difíceis de prever e que resultam da interacção de forças de mercado.

Agora, em qualquer caso, onde é que Portugal tem boas condições de êxito, quer em termos regionais quer em termos sectoriais? Como eu disse há pouco, nós temos é de fazer uma aposta crucial na Europa, porque é na Europa que temos as portas todas abertas, e condições fabulosas de penetração. E porque a Europa é hoje suficientemente diversa, com os países do Leste Europeu, do Norte, do Sul, etc., para que cada empresa portuguesa encontre o seu nicho, o seu nicho de mercado. E este ponto é muito interessante, a vantagem de um pequeno país é que basta um nicho mercado para ter uma oportunidade muito grande de crescimento.

E, portanto, do ponto de vista da diversidade das opções e dos mercados que existem na Europa, há muitíssima oportunidade para as empresas portuguesa se lançarem e avançarem com sucesso.

A América do Norte também nos interessa muito, por todas as razões, é uma economia muito aberta, é uma economia muito dinâmica e muito flexível, há muitos portugueses em posições de peso na América do Norte, nos Estados Unidos, no Canadá, etc., que podem ser bons agentes dos nossos interesses.

E, depois, a Ásia também não pode ficar, digamos, negligenciada.

O Brasil é um mercado vastíssimo, muito, muito difícil. As empresas portuguesas têm tido enorme dificuldade em entrar no Brasil , umas bem sucedidas, outras menos, porque as condições são muito, muito concorrenciais, e ao mesmo tempo há uma série de problemas que nós portugueses não dominamos bem, não estamos familiarizados com eles, são diferentes dos nossos e, portanto, é difícil adaptarmo-nos.

E, depois, existem outras oportunidades que falámos há pouco, CPLP, Angola, outros países, etc., em que eu aconselharia alguma prudência.

Do ponto de vista sectorial o que é que interessa ao País? Duas coisas. Por um lado temos uma série de sectores que são muito habituados à concorrência estrangeira, que estão em dificuldade extrema mas onde apesar de tudo existe um capital de conhecimento, de competência, de desenvolvimento de produto , de qualidade, etc., que se podem impor. Faço aqui um pequeno parêntesis – este governo tem dito que modificou radicalmente a estrutura das nossas exportações, que as nossas exportações hoje são fundamentalmente novas tecnologias, etc., etc., quem olhar para os números vê exactamente o contrário. Aquilo que tem dado alguma animação às exportações portuguesas são os sectores tradicionais. Porquê? Porque eles têm sabido recuperar uma certa competitividade graças à sua competência. E aí é que é preciso fazer essa aposta, ir buscar sectores em que Portugal tem competência, tem saber, tem produto, tem marca, tem capacidade comercial para expandir bem essas indústrias. Ao mesmo tempo que isto implica seleccionar, e portanto, deixar desaparecer as outras que são pesos mortos na economia.

E depois há de facto toda a problemática da inovação. Portugal tem hoje muita gente boa, como dizia há pouco, muitos jovens que quando chegam ao estrangeiro são capazes de estarem em postos de trabalho extremamente exigentes e ser extremamente produtivos, nós temos é que os utilizar cá. Isto é, temos uma capacidade hoje de dar saltos tecnológicos importantes, desde que as oportunidades apareçam, as empresas surjam, os mercados estejam abertos, etc.. E portanto, há uma mudança tecnológica a fazer, a pôr em prática numa série de empresas de tecnologia quer electrónica, quer de software, quer de biologia e de bio-química , de medicina, etc., que já começam a aparecer, que são bons exemplos daquilo que nos interessa fazer para o futuro, e é aí que interessa apostar completamente, é aí que interessa de facto canalizar todos os recursos que nós podermos em lugar de os andar a esbanjar em coisas que de facto não criam emprego para ninguém nem dão careiras nem oportunidades de desenvolvimento profissional a ninguém.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Sr. Professor. Ricardo dos Santos, do Grupo Rosa.
 
Ricardo Santos
- Bom dia a todos, Excelentíssimo Professor António Borges. O trabalho precário é uma realidade que preocupa todos os jovens actualmente, e a política laboral do governo viabiliza o trabalho precário.

Se a inovação e o progresso tecnológico são factores essenciais que condicionam o crescimento económico, não existe uma contradição entre trabalho precário e competitividade?

E em segundo ponto, em que medida a reforma na administração central, na administração pública, pode afectar o crescimento económico.

 
Dr.António Borges
- Ena pá, qualquer dessas dava um longo pano para mangas. (Risos)

Ora bem, a questão do trabalho, essa é uma questão interessante, importante e está muito na ordem do dia, há aí uma previsão de revisões do Código Laboral agora no mês de Setembro, e portanto vale a pena discutirmos este assunto.

Ponto principal: não se criam postos de trabalho nem se mantêm postos de trabalhos por decreto. Não há decreto nenhum, nem lei nenhuma, nem código nenhum que torne os postos de trabalho permanentes. Não há.

Porque os postos de trabalho são o resultado de forças económicas que essas sim determinam se um emprego tem ou não tem viabilidade. Portanto, não adianta estar contratualmente a tentar tornar permanente aquilo que não pode ser permanente.

E não pode ser permanente porquê? Porque numa economia como a nossa, como em qualquer economia desenvolvida, o elemento central é o da mudança, o da mudança permanente, imprevisível. Quanto mais rápido é o crescimento económico mais mudança há.

E, portanto, toda esta ênfase que se põe hoje em dia, na ideia de que é fundamental que a legislação torne os postos de trabalho permanentes, é completamente contraditória com a modernização da economia.

Como é que se tornam os postos de trabalho permanentes, estáveis, seguros, tranquilos para as pessoas? É de facto, dando prosperidade às empresas e fazendo com que as empresas andem trás dos empregados para eles não se irem embora. E essa é a realidade dos países bem sucedidos.

Quando vamos a um país como a Dinamarca ou como a Suécia, por exemplo, que são os países que devíamos utilizar como exemplos e modelos, fala-se com um empresário desses países e ele diz-me: o primeiro activo que eu tenho são os meus empregados, os meus trabalhadores, os meus profissionais, os meus quadros e faço tudo o que eu puder para os manter. Não é a lei laboral, que lá é muitíssimo mais flexível que a nossa e muito mais aberta que a nossa. É de facto a necessidade que as empresas têm de manter os seus colaboradores porque são o principal activo que têm.

Portanto, há aqui uma perspectiva completamente diferente daquilo que é a visão das coisas em Portugal, em Portugal e não só, mas não se pode pensar que administrativamente se tornem permanentes empregos que nunca o podem ser, é pelo interesse, pelo aumento da procura, pelo interesse das empresas em ter os seus colaboradores estáveis e permanentes.

Note-se que em Portugal já foi assim, como eu dizia há pouco, ainda não há muitos anos as empresas estavam aflitas com o pessoal a sair. Há dez anos atrás, com o pessoal a ir-se embora – 10 não, um bocadinho mais -, na altura em que estávamos realmente em pleno emprego, as empresas viviam preocupadas com o pessoal a ir-se embora. Hoje é ao contrário, hoje mesmo as empresas mais protegidas, ainda outro dia não sei se repararam, a Portugal Telecom está a pagar duzentos e tal mil euros por posto de trabalho, para eliminar postos de trabalho, somas astronómicas para destruir postos de trabalho.

Há aqui contradições profundíssimas na forma como a nossa economia funciona. Estamos a tentar tornar permanente o que não pode ser permanente, e depois acabamos por entrar nesta contradições dramáticas.

Portanto, todo o debate sobre precariedade está muito inquinado, muito, muito inquinado.

Agora, duas coisas muitos importantes, porque é que hoje em dia, de facto, a grande maioria do crescimento de postos de trabalho, em Portugal, está nos empregos a prazo? As empresas sabem que a situação económica é muito difícil, as empresas sabem que há muita incerteza, que não podem garantir às pessoas que ficam para sempre, não sabem qual é a qualidade das pessoas e então empregam-nas a prazo, como transição para um emprego mais permanente, se a situação o justificar. É isto que o governo está hoje a atacar, e está a tornar mais difícil os contratos a prazo, implicando contribuições mais altas para a segurança social, etc., etc., supostamente para combater a precariedade. O que isto vai dar é mais desemprego. Quer dizer, o segmento mais activo e mais dinâmico do mercado de trabalho está a ser penalizado. E portanto, eu acho que é melhor ter um emprego a prazo do que não ter emprego nenhum.

Agora, significa isto que devemos ir para uma liberalização completa da legislação laboral? Claro que não. Isso também é completamente errado.

Porquê? Porque os trabalhadores, os colaboradores das empresas também têm que estar à mercê das arbitrariedades de quem dirige. Nem todos os empresários são pessoas perfeitamente íntegras, lúcidas e sabedoras, etc., etc. E, portanto, há que proteger de facto os colaboradores daquilo que é uma possível arbitrariedade das empresas.

Porque de facto a empresa é uma realidade colectiva. Quem trabalha tem um capital humano que interessa à empresa e que em muitos casos só tem valor naquela empresa. Porque é naquela empresa que eu ganhei experiência, que eu conheço, conheço o negócio, conheço as pessoas, conheço a tecnologia, conheço os mercados, etc., E, portanto, se eu sair da empresa, esse capital desaparece para todos: para mim, para a empresa e para a sociedade no seu conjunto. Manter as pessoas ligadas à empresa justifica uma certa protecção de facto.

Portanto, há aqui um equilíbrio muito importante a manter que é aquele que nós encontramos nos países mais desenvolvidos e com menos desemprego, em que por um lado este problema da precariedade como é discutido em Portugal, não é uma questão; e em que, pelo contrário, se pretende manter uma ligação da pessoa à empresa, estável, duradoura, com base económica sólida, e ao mesmo tempo que proteja as pessoas das arbitrariedades de alguns dirigentes.

Este era o primeiro ponto.

Segundo ponto: reforma da Administração Pública. A Administração Pública é um tema muito, muito importante, porque não há nenhum país desenvolvido, não há nenhuma sociedade avançada que não tenha serviços públicos e administração pública modernos e eficazes.

Portanto, a ideia de que o Estado é uma espécie de parasita, que não serve para nada, que é só um peso morto na economia, não pode estar mais longe daquilo que é um conceito de sociedade civilizada, desenvolvida, avançada, etc., e mais uma vez chamo a atenção para os países escandinavos, que são um bom exemplo nesta matéria.

Agora, o que nós não podemos é ter um Estado e uma Administração Pública antiquadas, a viver no regime do Dr. Salazar, com uma burocracia, um peso, um modelo de gestão que já não tem qualquer realidade, qualquer comparação com o mundo moderno. Nem podemos ter uma Administração Pública que vive de funcionários públicos desmotivados, desinteressados, a quem só interessa pagar cada vez menos, com dirigentes que não têm nenhuma perspectiva de carreira, e que podem de um momento para o outro ser substituídos porque contam uma anedota sobre o Primeiro-Ministro, rua no dia seguinte.

Não pode ser. Isto é o contrário daquilo que é uma Administração Pública moderna e ao serviço da sociedade.

Agora, reformar a Administração Pública é extraordinariamente complexo, porque aqui é difícil utilizar mecanismos de mercado e pôr as coisas a funcionar pela procura e oferta. Há, no entanto, muito que aprender com os países mais avançados. E se isso se conseguir, por um lado temos menos peso morto, menos encargo provavelmente, mas sobretudo muitíssimo mais eficácia.

Eu acho que a reforma da Administração Pública é talvez o desafio mais difícil, menos evidente, mais complexo, mas é um dos centrais. E não admira nada que seja a área em que este Governo mais prometeu e menos fez, porque prometer é fácil depois concretizar é que é mais complicado.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. João Morgado do Grupo Roxo.
 
João Morgado
- Caro Dr. António Borges, agradeço-lhe desde já em nome do Grupo Roxo a sua presença aqui na Universidade de Verão.

O Dr. António Borges referiu na sua magnífica aula, que um dos principais problemas da nossa economia é o facto de certas empresas serem protegidas pelo Estado, enquanto que outras são deixadas a enfrentar sozinhas os riscos da globalização.

Lembramos de algum modo mas de forma mais óbvia, aquilo que existia no Estado Novo, em que existiam dois, três grandes grupos económicos protegidos pelo Estado bloqueando o desenvolvimento da nossa economia.

O que o Grupo Roxo gostaria de saber é, se considera que é necessária uma maior liberalização da nossa economia, acabando, por exemplo, com certos monopólios que ainda persistem, o caso da EDP é um dos mais óbvios, fazendo avançar a nossa economia de mercado e, como consequência o desenvolvimento económico do nosso país.

 
Dr.António Borges
- Exactamente. Estou muito, muito de acordo com aquilo que acabou de dizer. Aquilo que é um dos principais problemas do país é que se fizeram muitas privatizações ao longo do tempo - e como sabem eu sempre fui a favor de privatizações -, mas transferiram-se monopólios públicos para monopólios privados, e depois pôs-se em prática um sistema de regulação dessas grandes empresas privadas que lhes assegura sistematicamente a rentabilidade.

Ora bem, isto é muito pouco eficaz, como se deve calcular, cria umas bolsas na economia de prosperidade artificial, garantida, tranquila, à custa do resto da economia, mas de facto com um peso muito, muito negativo na forma como o país funciona.

Falou no caso da Energia, é um caso interessante, porque este Governo, quando tomou posse, criticou muitíssimo o modelo que o PSD em determinada altura, porque não tinha concorrência suficiente, porque não sei quê, e afinal limitou-se a acentuar ainda mais este carácter de monopólio dominante que existe no sector da Energia.

Mas outros sectores são também igualmente verdadeiros, a ideia de que há uma empresa que pode ser privada e uma regulação do Estado, mas se a regulação protege a empresa, é como se fosse um monopólio público que eventualmente serão mais capazes de gerar rentabilidade, mas são sempre prejudiciais aos resto da economia. É sempre à custa do resto da economia que isto se passa.

Há um ponto particularmente importante que eu chamo a atenção. Porque tem muito que ver com aquele elemento que eu estava a discutir há bocadinho do dualismo económico.

Reparem: a grande maioria das empresas reguladas em Portugal, são reguladas com base no custo. Isto é, a empresa tem uma rentabilidade assegurada porque o preço lhes dá uma margem, o preço fixado pelo regulador lhes dá uma margem em cima dos custos. Por outras palavras, o custo do petróleo sobe, a energia fica mais cara, os consumidores pagam. Têm ali uma margem garantida.

Noutros sectores até há investimentos ambientais importantes que é preciso fazer, porque nós achamos importante, depois isso custa mais caro às empresas garantir esses standards ambientais, e passa-se o custo para os consumidores. O preço cobre esses custos.

Há por exemplo consumidores que não pagam. Não tem mal, os que pagam cobrem esse custo. Não sei se viram essa polémica nos jornais recentemente.

Por outras palavras, há uma lógica de rentabilidade garantida porque se passa para o consumidor, seja ele uma família ou uma empresa, o custo adicional que eventualmente resulte, ou de condições de mercado ou da própria ineficiência da empresa.

Agora digo eu, no sector transaccionável, na grande maioria das empresas do país, que são aquelas que são expostas à concorrência estrangeira, onde é que isto se pode fazer? Qual é a empresa exportadora que pode dizer: bem tenho custos mais altos, passo para os meus clientes. Qual quê? O cliente diz: você tem custos mais altos, o problema é seu, mudo já de fornecedor.

E reparem no contraste chocante e gritante que existe entre estas duas perspectivas: o sector protegido tem uma regulação garantida que lhe dá uma rentabilidade segura e tranquila, não admira que estejam tão bem em bolsa; mas, pelo contrário, todos os outros sectores da economia sabem que, quando os custos sobem têm de apertar margens, até desaparecerem eventualmente do mapa.

E é este contraste que tem muito que ver com o tal dualismo da economia e com as tais bolsas de prosperidade, que são muito à custa do resto. É esta lógica que tem que ser fundamentalmente invertida.

Agora, percebe-se bem porque é que todas estas empresas estão muito próximas do poder político, porque é que toda elas funcionam em colusão com o poder político, e porque é que querem manter tudo exactamente como está.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado, Sr. Professor. Carla Barros do Grupo Encarnado.
 
Carla Barros
- Dr. António Borges, o Grupo Encarnado reconhece e agradece os conhecimentos que nos transmitiu cá hoje.

A nossa questão era a seguinte, nós precisávamos de saber qual a sua opinião relativamente ao seguinte: em três anos de Governo Socialista, quais foram concretamente os principais fracassos deste Governo. E porque na oposição, por vezes, nós temos dificuldade em apontar aquilo que de melhor há, embora muitas vezes sejam mínimos os pontos positivos, nós também gostaríamos de saber, durante estes três anos socialistas, o que é que acha que de melhor se fez, se é que existe.

 
Dr.António Borges
- Não. Essa última pergunta é a mais fácil. Estamos a falar só da área económica, também podíamos falar de outras questões, mas só na área económica aquilo que realmente se conseguiu neste últimos três anos foi alguma disciplina em certas despesas públicas, nós temos que reconhecer que foi bem aplicada.

Recordo que foi a Dra. Manuela Ferreira Leite quem primeiro chamou a atenção do país para a necessidade imperiosa de controlar as finanças públicas. Recordo que quando ela lançou esse combate fortíssimo teve a oposição de tudo e de todos , até do Presidente da República na altura, porque as pessoas não compreendiam essa necessidade. Pois este Governo aprendeu essa lição. Isso não foi mau.

E de facto , reconheço, sou obrigado a reconhecer que há um deficit mais pequeno, que tem duas componentes, uma com mérito, outra com menos mérito. Com menos mérito, é evidentemente o aumento brutal da carga fiscal, depois tem também, como em toda a parte, um grande conjunto de receitas extraordinárias e de manobras contabilísticas que este governo tem aplicado com grande eficácia, mas que eu não sou necessariamente contra.

Do lado da Despesa, o que o Governo fez bem, foi conseguir ao longo dos últimos anos uma redução substancial em certos chamados Investimento Públicos , que eram um total esbanjamento de dinheiro. E, portanto, de facto a componente do chamado Investimento Público Corrente, que foi substancialmente reduzida, representa uma disciplina mais séria de gastos do Estado, que eu não tenho dificuldade nenhuma em reconhecer.

Já na Despesa Corrente não se fez praticamente nada. E esse é um dos grandes fracassos, conseguiu-se travar a Despesa à custa dos funcionários públicos, não é uma solução de futuro, nem pode ser, como eu dizia há pouco. Portanto, aí era preciso uma outra reforma que não se fez.

Portanto, essas medidas reconheço que são positivas.

Infelizmente, foram completamente ultrapassadas ou o seu mérito desvirtuado, depois pelo extraordinário esbanjamento de dinheiro e de capital nos chamados grandes projectos. Isto é, o Governo inventou este processo que consiste em pedir aos privados que façam eles as obras públicas, garantir-lhes uma rentabilidade assegurada que depois é o resto o país que paga, financiar isso com crédito que na maior ou parte ou na grande totalidade vem do estrangeiro. Isto não aparece nas contas pública, até aparece nas contas públicas como positivos, como já vamos ver, mas de facto não é senão substituição da despesa pública tradicional. E portanto, acaba por desvirtuar completamente aquilo que poderia ser algum ganho na parte orçamental. Portanto, o orçamento, os resultados do orçamento é um bocadinho para “inglês para”, ou pelo menos para a CEE ver, ou para a União Europeia ver, porque de facto a despesa excessiva em projectos que normalmente seriam de despesa pública e que hoje foram transferidos para privado, e esse efeito nocivo está.

Portanto, o meu problema central com o grande falhanço do Governo é que a política económica não é feita pelo Ministro das Finanças, a política económica é feita pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro das Obras Públicas, que eles é que decidem onde é que se investe e quando é que não se investe, e depois arranjam a arquitectura financeira necessária para que isto não apareça nas contas públicas.

E curiosamente, e este ponto é muito interessante, até aparece como positivo nas contas públicas. Porque as concessões que são atribuídas têm uma rentabilidade assegurada tal, à custa do resto da economia que vai ter que pagar tudo isso, que os privados acabam por pagar para ter direito a estas concessões e esse pagamento entra como receita do orçamento.

E, portanto, estamos a sacrificar gerações futuras, que é o tema central que a Dra. Manuela Ferreira Leite tem desenvolvido para beneficiar o orçamento hoje, que é uma coisa que eu acho que poucas coisas são mais sérias e mais graves do que esta.

Depois o segundo tema central que tem sido um fracasso completo, que também já referi, é o da reforma da Administração Pública. Um Governo com um horizonte tão longo, com tão poucas eleições nos 5 anos quase que vai ter de legislatura, etc., tinha todas as condições para fazer uma reforma profunda da Administração Pública. Já vinha muito trabalho de trás e muita preparação de trás, que foi tudo deitado fora, recomeçaram tudo do zero, lançaram três ou quatro projectos que são evidentemente bem vindos, de informatização de certos serviços, utilização mais rápida da tecnologia. Isso é evidente, mas é marginal, porque o coração da Administração continua a funcionar como sempre funcionou, com o mesmo modelo de gestão, com as mesmas regras do Dr. Salazar, com o mesmo desperdício de recursos, com a mesma incapacidade de fornecer carreiras e perspectivas às pessoas, com a mesma falta de capacidade de liderança ao nível das direcções gerais, etc. E portanto, não há reforma da Administração Pública visível, e isto é que é de facto um problema cada vez mais pesado e cada vez mais negativo, que depois se traduz no mau funcionamento de todos os serviços públicos, como a Educação, a Saúde e por ai fora.

E na área económica há este ponto central de uma política económica que foi anunciada como sendo baseada num plano tecnológico, num grande ritmo de inovação, mas que no fundo acabou por ser completamente sacrificada às obras públicas, aos grandes projectos, aos grandes investimentos, às empresas protegidas, aos sectores que vivem próximos do Estado, sem nenhum dinamismo adicional às empresas que realmente estão no terreno e que estão a garantir a sobrevivência futura de sectores inteiros.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. João Miranda do Grupo Cinzento.
 
João Miranda
- Sr. Professor Dr. António Borges, queria só em primeiro lugar dar os parabéns ao Senhor e à organização da Universidade de Verão, por estas três horas de elevada qualidade que nos foram proporcionadas.

E agora, referindo-nos à questão: em declarações recentes aos Jornal “Público”, defendeu que não eram necessárias mais infra-estruturas, até porque estas iriam limitar no futuro recursos já de si escassos.

No entanto, e não me referi a Estádio de Futebol e a aeroportos megalómanos, eu refiro-me sim, por exemplo, ao transporte de mercadorias. É necessário às empresas portuguesas e às pequenas e médias empresas que já foram aqui faladas, proporcionarmos maiores condições de transporte de mercadorias, por exemplo, um porto melhor, ligações ferroviárias melhores.

Eu gostaria de saber se o sr. Doutor concorda com esta opinião ou se mantém o que defendeu na entrevista ao “Público”, se se referia apenas às mercadorias, ou se se referia ao transporte de pessoas ou se era o transportes de mercadorias e pessoas.

E só agora uma pergunta que o surgiu relativamente com a sua aula. Falou-nos da globalização e mostrou-nos um gráfico em que Portugal era o país que mais perdia porque tínhamos a concorrência da China e da Índia no sector dos têxteis e dos calçados, e defendeu que era preciso uma mudança. Mas qual mudança? Mudança sectorial, mudança de regulamento laboral, de investimentos?

Porque não nos podemos esquecer que estes dois sectores, são sectores que nos garantem muita mão-de-obra e muito emprego.

 
Dr.António Borges
- Exactamente.
 
João Miranda
- E uma mudança sectorial implicaria provavelmente uma redução do emprego que nos proporciona.
 
Dr.António Borges
- Eu não sou dessa opinião, mas já lá vamos.
 
João Miranda
- Não? Pronto, eram estas as nossas questões. Obrigado.
 
Dr.António Borges
- Muito bem. Ora bem, o primeiro ponto de facto merece uma clarificação.

O que é que o País tem feito nos últimos anos? Tem investido de uma forma absolutamente excessiva em infra-estruturas, infra-estruturas que são muito para além daquilo que realmente faz falta, e sobretudo que são muitas caras e representam um peso muito, muito pesado que nós vamos ter de suportar ao longo do tempo. Não podemos ter esta ideia de que as coisas são de graça. Não são:

Por exemplo, auto-estradas. Não sei se os senhores sabem que nós já somos dos países europeus com maior densidade de auto-estradas em relação à população. Dir-se-ia que somos dos mais ricos da Europa, não é? Mas não. Nós já somos dos países europeus com maior número de quilómetros de auto-estrada por habitante. Pois, este Governo vai duplicar o número de quilómetros de auto-estradas do país. Já foi anunciado, as concessões começaram a ser, duplicar, nós já somos hoje dos países da Europa, estamos no topo dos países da Europa com o maior número de quilómetros de auto-estrada .

Os senhores podem-se dar ao luxo de passear pelo país, se quiserem, metem-se no vosso carrinho eu dou-vos aí umas centenas de quilómetros de auto-estrada em que os senhores podem ter a certeza absoluta que não vão ver carro nenhum. Ninguém, anda-se por lá na maior. Eu tenho um amigo um bocado louco diz que adora porque vai para lá com o Porche dele andar a 300, porque realmente é como tivesse num autódromo.

Isto não faz sentido. É de bradar aos céus. Bom, mas isto é um exemplo, posso dar muitos outros.

Agora, não significa isto que não seja preciso continuar a investir muito bem, muito criteriosamente em certos projectos de infra-estrutura que são essenciais à eficácia do país. Ninguém me venha dizer que investir em auto-estradas onde não passa ninguém que é fundamental, nem sequer para o bem-estar é, quanto fará para a produtividade.

Agora, no sector dos transportes. Por exemplo transportes públicos de pessoas, ainda hoje vinha no carro para cá a ouvir a polémica acerca dos transportes públicos urbanos, em que se diz que as empresas vão ter se calhar que fechar porque a dívida da carris é tal, que são 25 mil euros por dia só de juros.

Bom, assim realmente estamos no maior subdesenvol- vimento. Quer dizer, ou bem que temos empresas de transportes públicos capazes, eficazes, moderna, minimamente equilibradas financeiramente, e com uma aposta importante do Governo; ou bem que toda a gente vai sempre continuar a trazer os seus carros e vir para as cidades casuar poluição, congestionamento e todos os problemas que nós sabemos.

Portanto há aqui investimentos cruciais, importantes, cirúrgicos em infra-estruturas fundamentais que de facto são importantes. Agora, ao fazer os outros, estamos a prejudicar estes.

Porque é que o governo não investe o suficiente nas empresas do sector de transportes públicos urbanos? Porque isso aparecia nas contas públicas. E isso, alto não pode ser. E portanto mais vale que sejam essas empresas a endividar-se, porque assim não é o Estado a endividar-se. E portanto, escondemos o deficit transferindo-o para as empresas de transportes urbanos.

Ora bem, isto não é sério, não é assim que o país se vai modernizar e desenvolver.

O exemplo que deu é muito interessante. Um dos grandes projectos que o nosso Primeiro-Ministro anunciou com grande fanfarra, foi um investimento quase de 500 milhões de euros – reparem: hoje atira-se com números destes como se fossem triviais -, 500 milhões de euros é uma soma colossal para o país. Com 500 milhões de euros investidos em empresas produtivas, pequenas e médias no sector privado, criavam-se milhares de empregos. Mas enfim, para eles estes montantes hoje já perderam significado, já não têm qualquer relevância. E então fala-nos em 500 milhões de euros para investir no Porto de Lisboa. Duplicar a capacidade do terminal de contentores, aumentar a linha de caminho de ferro , depois há ali uma parte que tem que ver com transportes urbanos de passageiros, mas há uma parte muito importante, aliás, tecnicamente muito difícil de fazer porque aquilo são zonas muito inundadas como sabem, não sei como é que vão fazer aqueles túneis todos, aquilo tudo, mas isto para aumentar o porto de contentores de Lisboa.

Os Senhores conhecem alguma capital do mundo em que alguém esteja a investir para aumentar o Porto de contentores no centro da cidade? Quando temos um belíssimo porto em Sines, onde se investiram biliões e que está completamente sub-utilizado?

A loucura desta coisa…

A questão não é ser contra as infra-estruturas, que as infra-estruturas fazem falta, não fazem falta de uma maneira excessiva. Sobretudo tem que se ser é contra o esbanjamento, a completa inracionalidade que é aumentar o tráfego no centro de Lisboa, que já é de si complicado, com transportes de contentores quando temos uma alternativa excelente a pouco mais de cem quilómetros de distância.

É esta falta de racionalidade e de razoabilidade que eu acho que é particularmente chocante.

Este foi o primeiro ponto.

O segundo ponto: como e que nós nos protegemos duma concorrência global que tem sido particularmente difícil para nós, e como é que nós ajudamos o país a ultrapassar esta, sem ao mesmo tempo criar grande desemprego e eliminar uma série de empresas, etc., etc.?

O ponto fundamental é que temos que mudar o nosso padrão de especialização. Ao contrário daquilo que os nossos governantes vão dizendo às vezes em alguns momentos de infelicidade, nós não podemos continuar a apostar em salários baixos. Não pode ser. Então ficamos permanentemente subdesenvolvidos.

Nós não podemos estar a concorrer com a China e com a  Índia porque também temos salários baixos, isso não faz qualquer sentido, porque isso é a pobreza permanente. Portanto, temos que mudar o nosso padrão de especialização, temos de ir para indústrias e sectores de muito maior valor acrescentado, o que implica muito maior qualidade e muito maior produtividade, como eu falava há pouco. Esse é que é o tema central.

Ora, como é que se consegue isto? Não é abandonando os sectores tradicionais. Porque aí, como eu dizia há pouco, existe muita competência. Muita competência de produto, de tecnologia, comercial, de mercado, etc.

Aliás, há casos extraordinariamente interessantes de produtos de altíssima qualidade, feitos em Portugal, por subcontratação, e depois vendidos no estrangeiro com marca estrangeira e por valor muito alto.

Portanto, nós temos em Portugal as condições integrais para fazer produtos de alta qualidade, depois não temos é aquela capacidade de os colocar no mercado, de os vender, de ficar com essa mais valia, porque temos uma imagem muito negativa, muito prejudicada pelos insucessos do país. Portanto, as pessoas não associam facilmente produtos altamente sofisticados e de altíssima qualidade à realidade portuguesa. Aqui sim, há um papel muito importante para o Governo a desempenhar. É justamente ajudar as empresas a dar esse salto, duma tecnologia que já dominam, duma capacidade produtiva que já conhecem bem, para uma capacidade de afirmação comercial, de marketing, etc., no estrangeiro.

E depois há todo um conjunto de empresas novas. E aí é que o tal empreendedorismo é fundamental, empresas que apareçam, e essas são aquelas que têm potencial de crescimento mais rápido, e portanto, criação de postos de trabalho interessantes mais rápido.

Agora, se estamos a canalizar os recursos todos para esbanjá-los em projectos loucos ou para proteger empresas já instaladas, para que elas depois com essa rentabilidade extraordinária vão eliminar postos de trabalho. É evidente que assim não se vai muito longe, não se vai mesmo a sítio nenhum.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito obrigado. Diogo Nogueira Gaspar do Grupo Castanho.
 
Diogo Nogueira Gaspar
- Bom dia a todos. Sr. Professor, dentro desta política económica errada, aqui falada, está subjacente uma marca ideológica com o que colide em Portugal, com o apoio ao investimento e à iniciativa, no fundo há um ambiente propicio ao negócio. No meio empresarial essa marca está muito representada pelos Sindicatos. Em tempo de globalização o poder sindical é um obstáculo ao aumento de produção e à criação de valor?

Obrigado.

 
Dr.António Borges
- Não. Eu acho que não. Eu acho que falar no poder Sindical em Portugal como um obstáculo ao crescimento económico é completamente uma mistificação.

Eu vivi muitos anos no estrangeiro, ainda hoje vivo no estrangeiro, os Senhores querem saber o que são sindicatos fortes não é cá em Portugal. Na Alemanha ou na França, aí sim, aí há de facto bloqueios muito importantes às vezes ao progressos económico por causa de um poder sindical que por vezes é excessivo. Em Portugal não é o caso.

Em Portugal não é o caso porque a realidade sindical tem muito que ver com a força das empresas. Quando as empresas estão bem, e quando as empresas têm uma rentabilidade económica alta, os sindicatos ganham força para redistribuir essa rentabilidade. Quando as empresas estão numa situação de enorme dificuldade e de asfixia , não há nenhum sindicato que tenha força, porque as pessoas sabem que são os seus postos de trabalho que estão em risco.

Em Portugal os sindicatos têm o seu papel fundamental na concertação social, na contratação colectiva, como elemento de diálogo e nesse aspecto muito interessante e muito positiva, é muito importante ouvir, mesmo para os dirigentes empresariais para já não falar nos dirigentes políticos e, portanto, ter uma capacidade de diálogo e de entender , o que por vezes implica fazer concessões. Mas alguém que venha dizer que as dificuldades portuguesas resultam do poder sindical, acho que está completamente fora da realidade concreta das coisas.

Agora, o outro ponto que levantou é que tem muito interesse, que é o do clima, do ambiente económico, da ideologia. E de facto , nós temos alguns sindicatos, com mais ou menos peso, não interessa, mas continuam a ser arautos de uma política dirigista baseada em grandes investimentos públicos, baseada em restrições à concorrência, baseada em protecções artificiais de postos de trabalho. Bom, isso é que é completamente anacrónico. Mas acho que isso já não tem grande impacto na opinião pública, as pessoas já não vão nessa conversa, é preciso estar muitos, muitos anos atrás da realidade, para continuar a aceitar esse ponto de vista.

Portanto, não diria que esse é um problema grave do país, antes pelo contrário, temos muitas outras coisas com que nos preocupar.

 
Dr.Pedro Rodrigues
- Muito bem. Muito obrigado, Sr. Professor. Rui Jacinto do Grupo Verde.
 
Rui Jacinto
- Muito bom dia a todos. Caríssimo Professor Dr. António Borges, em nome do grupo Verde gostaria de lhe colocar a seguinte questão: estando Portugal com um nível de endividamento externo tão elevado, será que basta apenas mudar as políticas governamentais, ou debatemo-nos com um problema mais profundo que se prende com a mentalidade portuguesa, com a mudança das mentalidades?
 
Dr.António Borges
- Ora não posso estar em maior desacordo. Portanto , ainda bem que levantou essa questão porque é daqueles pontos em que eu tenho uma visão completamente diferente da que algumas pessoas propõem, como por exemplo o meu velho amigo Vasco Pulido Valente, que acha que os portugueses estão sempre condenados a fazer tudo mal, e que está sempre tudo errado, e que sempre foi assim porque é que agora havia de ser diferente.

Eu acho que a nossa história recente, este ponto é muito importante, porque num momento de grande desânimo que se vive pelo país fora e até de uma certa resignação quando as pessoas já perderam a esperança, etc., etc., é preciso relembrar que há momentos recentes da nossa história em que tivemos sucessos extraordinários, êxitos fantásticos, fomos admirados por muitos países pelo mundo fora, e são os mesmos portugueses, não são outros, com a mesma mentalidade.

Ou a gente vai ao estrangeiro e fala com os emigrantes, uns que são trabalhadores, outros que já são empresários, outros que já são profissionais, etc., etc., não interessa e vê um sucesso fantástico, generalizado.

Onde é que está o problema da mentalidade? Onde é que está o problema cultural? Que se diz que estamos culturalmente subdesenvolvidos e incapazes de nos adaptarmos ao mundo moderno. Isso não é verdade.

Eu costumo falar em dois períodos recentes da nossa História que são muito interessantes: o primeiro é a década de sessenta e o segundo é o período 85-95.

Na década de 60, ainda em pleno regime Salazarista , Portugal um dos países com maior taxa de crescimento económica do mundo, (só cresceu mais do que nós a Formosa, que hoje se chama Taiwan). Nós somos o segundo país com o maior crescimento económico mundial. Num processo de crescimento económico muito parecido com o a China actual. Nos estávamos de facto num estádio de desenvolvimento que se parecia com o da actual China: muita população disponível, desempregada, ou com sub-empregos, vivendo em regime de subsistência, disponível para a actividade industrial; muito mercado aberto, graças à nossa integração na EFTA, na altura, começou em 1960; muita capacidade de exportação, e portanto, um crescimento extraordinariamente rápido, até ajudado por investimento estrangeiro, em que se vinham instalar indústrias orientadas para o mercado externo beneficiando de uma mão-de-obra barata em Portugal que estava disponível em grande quantidade. Exactamente como a China, se quiserem, guardadas as devidas proporções.

E o que é interessante é que houve uma resposta extraordinária dos empresários portugueses nessa altura. Muitas das indústrias dos tais sectores tradicionais, (têxteis, vestuário), apareceram nessa altura e apareceram nessa altura com empresários novos, gente que viu a oportunidade, percebeu que havia ali uma possibilidade de darem um grande salto em frente e avançaram com coragem.

Algumas das nossas grandes empresas do sector têxtil, gigantes que hoje facturam biliões e que têm milhares de empregados, foram lançadas na altura, eu conheço-as bem, por um operário que conhecia a indústria, que arranjou umas massas para comprar umas máquinas, instalou-as num barracão e começou assim.

E, portanto, as pessoas que vêm dizer que não há empresários em Portugal, e que não há iniciativa, estão completamente enganadas. Basta olhar, não foi há tantos anos assim. Depois, este processo teve um crescimento extraordinário. O País mudou radicalmente e daí de facto o 25 de Abril. Era impossível manter um regime opressivo e ditatorial perante uma economia que estava em desenvolvimento rápido e a criar muita gente próspera e com outras ambições.

Depois 85-95. O que é que esse período tem de particular? Tínhamos tido uma grande crise económica anteriormente, na altura já estava resolvida, entramos na União Europeia, há uma boa conjuntura internacional, e Portugal tem 10 anos, não só de crescimento muito rápido, mas sobretudo de profunda mudança estrutural.

Se os Senhores se derem ao trabalho um dia de olhar para a estrutura da economia portuguesa em 95 e em 85, vêem que não tem nada que ver quase uma coisa com outra. A mudança na estrutura da economia, dos sectores, das empresas é radical.

E porquê? Porque aproveitando essa boa conjuntura, apareceram uma série de novos empresários, que ninguém conhecia em 85, ninguém nunca tinha falado neles, e que criaram empresas industriais, criaram empresas de serviços, criaram bancos, criaram isto, aquilo e aqueloutro, e de facto deram uma revolução verdadeiramente profunda na estrutura da economia.

E eram pessoas que em 85 ninguém conhecia. Este é que é o ponto fundamental. Quando as condições são boas, os empresários portugueses aparecem, aparecem, e fazem, e concretizam, e avançam. E de facto, mudam.

Portanto, não é uma questão, não temos nenhum obstáculo cultural, não há nenhum problema de mentalidade, não há nenhuma dificuldade inerente à condição portuguesa que nos impeça de ser tão bons como os outros; há apenas condições extremamente opressivas e asfixiantes da iniciativa empresarial e, depois, depois não se admirem.

E aquilo que é triste é que os portugueses, hoje com ambição e com confiança em si próprios vão para o estrangeiro fazer coisas extraordinárias, quando nós precisávamos era que eles as fizessem cá.

É muito triste ver o aumento extraordinário da emigração portuguesa para o estrangeiro nestes últimos anos. Em Inglaterra, onde eu vivo neste momento, já há 500 mil portugueses. Uma coisa que ninguém se dava ideia. Aliás, aquilo é de tal maneira que os consulados e aquela infraestrutura toda, estão completamente ultrapassados pela realidade concreta de um crescimento rapidíssimo da emigração.

Porque há muita gente que percebeu que só lá fora é que tem condições para concretizar os seus projectos e as suas ambições profissionais. E isso é que é tristíssimo, isto é que é o nosso verdadeiro insucesso.

 
Dep.Carlos Coelho
- Professor António Borges, muito obrigado pela lição que nos deu e pela resposta às questões que foram colocadas. Em nome de todos nós, agradecemos-lhe a sua presença aqui na Universidade de Verão, na primeira aula da Universidade de Verão 2008.

A seguir o Pedro Rodrigues e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída, e o Duarte Marques e a equipa dos avaliadores passa para aqui para os procedimentos a seguir,

Eu regresso aqui para dois ou três avisos a seguir às vossas avaliações finais.

Sr. Professor, muito obrigado.

 
Dr.António Borges
- Muito obrigado, foi um grande prazer. Agora não se esqueçam da responsabilidade que cada um de nós tem em mudar o país.

(APLAUSOS)

 
Duarte Marques
- Muito bem, bom dia. Pela primeira vez vão votar sobre o que é acharam da utilidade desta aula, vamos organizar a votação da seguinte forma, vamos votar por filas. A primeira fila vota, nós contamos, a segunda fila a seguir vota, só baixam quando nós avisarmos que é para podermos contar.

 

Votação

 

Relembro que ainda à saída têm que pôr a vossa avaliação, ali têm que entregar à Vera. E depois têm o almoço a partir da uma.

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho
- Duas notas breves. Primeiro, queria agradecer-vos e sublinhar a circunstância de o Prof. António Borges ter ficado muito impressionado com a vossa pontualidade. Agora à saída, a respeito de viver em Londres, disse-me não estar habituado a que em Portugal as pessoas sejam pontuais, e portanto, queria agradecer-vos. Começámos com o pé direito esta Universidade de Verão graças a vocês.

Em segundo lugar, queria dizer-vos que, eu e o Pedro vamos em próximos oradores pedir para eles serem mais breves nas respostas, de forma a dar espaço para o “catch the eye”. Sei que havia muitos de vós que gostariam de ter feito perguntas ao Prof. António Borges fora das perguntas obrigatórias, vamos esperar que os próximos oradores sigam o nosso apelo e que reservem espaço para isso.

Em terceiro lugar, para recordar-vos, que sobretudo para os dois convidados de fora, o Dr. Durão Barroso e o Prof. João de Deus Pinheiro, o prazo de entrega das perguntas termina hoje à 1 hora, que o podem fazer através da intranet ou através dos impressos que vos foram distribuídos.

À saída vão ter que fazer a votação desta sessão, o boletim de voto que vocês receberam nos envelopes que vos foram distribuídos, bem como “eu aprendi que”, essas duas, se tiverem “sugestões” e “acheis curiosos”, também podem deixar à saída sem problemas nenhuns. Se foram assinados podem deixar em cima da mesa, se foram sugestões anónimas podem dobrar com o voto e colocar na urna de voto, como farão com o vosso voto de avaliação.

Finalmente para recordar que o almoço é livre, é um serviço de buffet, no primeiro andar, a partir da uma hora. E que a sessão da tarde sobre o mar, começa exactamente às 14h30.

Muito obrigado e até já.

(APLAUSOS)

 

 

 

 
10.00 - Avaliação da UNIV 2008
12.00 Sessão de Encerramento da UNIV